Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Atrasos, fiascos e afins

Na última semana, Brasília protagonizou uma das mais atrapalhadas situações da empreitada rumo à Copa de 2014: a não demolição do estádio Mané Garrincha, futuro Estádio Nacional, eleito uma das sedes da competição. Mesmo acostumada às intempéries políticas, a cidade assistiu boquiaberta à incapacidade que os 250 quilos de explosivos utilizados tiveram para implodir, ou sequer abalar, as sólidas arquibancadas construídas na década de 1970.

Arquibancadas que, segundo reportagem de capa de Veja, não constavam no projeto inicial de reforma (se é que podemos considerar como reforma um plano que prevê a demolição total do estádio com direito a mudança de nome), assim como gramado e iluminação, itens realmente desnecessários para uma arena situada em uma cidade na qual a cultura do futebol verdadeiramente não existe.

Quem esperou por um show protagonizado pela derrocada de quilos de concreto, e não foram poucas as pessoas que aguardavam tal acontecimento naquele domingo de céu azul, testemunhou mais um episódio dessa novela cujo enredo (pelo menos ele) se desenrola cheio de “meias verdades”, digno de folhetim.

“Talibã da classe média”

A matéria especial da Veja apresenta todos os ingredientes de um assunto digno de ocupar a capa: dados baseados em cálculos e previsões matemáticas sobre as construções que, se seguirem o ritmo atual, não terão condições de sediar os jogos do Mundial; belas imagens aéreas registradas por meio de um esforço, largamente anunciado, que mobilizou um pelotão de “fotógrafos alados”, já comum aos grandes veículos que operam juntos o papel de “terroristas da classe média”.

Mas não é só pelos aparatos técnicos que o assunto flameja em meio às diversas páginas da publicação. A (previsível) notícia se destaca, principalmente, por dois aspectos: incluir, aqui e ali, a calamidade aérea que estamos prestes a protagonizar com a realização da competição em terras tupiniquins, resumindo tudo em aeroportos, aeroportos e aeroportos, e pela superficialidade em relação aos “responsáveis pelos projetos”. Em um jogo de mostra-e-esconde, o texto cita, mas não aprofunda.

O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, até foi ouvido e teve espaço para um contraponto adornado com micro-argumentos cheios de otimismos, mas vazios de conteúdo e de interpelações. A presença pontual da opinião de Teixeira no desfecho de uma matéria de mais de dez páginas sobre o Mundial (metade delas compostas por grandes imagens dos estádios), do qual ele é um dos mandantes, soou como um convite ao épico e rotineiro “vamos falar de flores…”

Aliás, também para a Rede Globo, outro “talibã da classe média” (uma variação das já conhecidas, alegóricas e posicionadas expressões utilizadas pela revista semanal), o presidente da CBF, bem como seus mandos e desmandos, parece não apetecer os gatekeepers a ponto de ser item presente nas pautas. Ou você seria capaz de imaginar William Bonner noticiando que Teixeira é suspeito de receber propina, com direito a caras e bocas do âncora do JN? Será que não há interesse público em tal divulgação?

Demolição já está em andamento

Mas foi valendo-se de uma ironia dissonante ao discurso corporativo corriqueiro que o DFTV, jornal da Rede Globo apresentado pelo jornalista Alexandre Garcia e veiculado ao meio-dia na capital federal, apresentou o fiasco sucedido no Mané Garrincha. Seria esse um sinal de desarmonia e descuido por parte da filial do maior conglomerado de comunicação brasileiro? Ou uma amostra de um possível posicionamento contra o governo do DF, comandado pelo ex-ministro dos Esportes Agnelo Queiroz?

Complicado? Talvez. O caso é que esse é mais um exemplo do verdadeiro Deus-nos-acuda que arrola o jornalismo esportivo e, por tabela, envolve a cobertura dos episódios da Copa de 2014, eventos que nos atinam e fazem lembrar que nos grandes veículos o fato é simples, as relações complexas e as divulgações, quando existem, intrincadas.

E a nova tentativa de demolição do estádio brasiliense que teima em ceder espaço para mais um “elefante branco” já está em andamento. Mas, desta vez, sem pompa, circunstância e explosivos. Será a marretadas mesmo.