Há algum tempo, o Google anda preocupado com o futuro do jornalismo. Pode acreditar, é o Google mesmo! Está investindo tempo e dinheiro (coisas preciosas do mundo dos negócios) para pensar uma saída honrada e digna da continuidade da produção de notícias. E até este momento descobriram que há a boa e má notícia (qual vocês querem primeiro se torna piada infame para jornalistas!).
Vamos pela boa: o jornalismo passa por um período agonizante, mas não vai morrer, continuará existindo, afirmam seus especialistas. Mas aí vem a má notícia (que também guarda o paradoxo de ser boa): não do jeito que o conhecemos. Nas saídas já profetizadas pela gigante digital, nenhuma considera a continuidade do papel, por exemplo. Isso não é expresso em todas letras, mas está nas entrelinhas. A certeza é de que o Google quer ser parte do remédio.
Quanto aos sinais de agonia, em recente editorial enviado aos assinantes de sua newsletter, o jornal The Nation aponta que a força produtiva dos jornais norte-americanos já caiu 22% – quase três vezes a taxa de desemprego dos EUA. Jornais norte-americanos regionais importantes e rádios já anunciaram seu fechamento ou a finalização de suas versões impressas em uma migração definitiva para o online. Sem falar nos problemas enfrentados do lado europeu, pelo francês Le Monde. O próprio The Nation tenta se salvar com diversas campanhas de arrecadação de fundos como jantares, encontros e promoção de assinaturas, além de promover o Investigative Fund (Fundo Investigativo) por meio de doações para custear grandes coberturas.
Há oportunidades para uma abordagem diferenciada
E a ‘marolinha’ já atinge o Brasil. O primeiro grande jornal a anunciar o fim de sua versão impressa foi o Jornal do Brasil (JB), o que provocou pulos de alegria nos arautos da mídia digital. E, antes disso, a mídia-esfera vinha se transformando principalmente no Nordeste com as mudanças dos veículos dos Diários Associados. Passou um tanto despercebido, mas o tradicional jornal Diário de Natal, de circulação no estado potiguar por mais de 70 anos, não chegou a ir diretamente para o digital mas se transformou numa versão tabloide vendida a um real, com uma redação aglutinando profissionais do Diário de Pernambuco, em Recife, e os jornais pertencentes ao grupo na Paraíba. O jornal O Poti (marca de fantasia para versão dominical do Diário de Natal) deixou de circular. A aglutinação da redação seria um novo modelo de notícia regionalizada? É algo a se observar.
A verdade é que estes jornais brasileiros citados acima enfrentam crises financeiras por anos de má gestão e confusão administrativa. Há quem diga que na verdade o fenômeno é uma espécie de seleção natural dos ‘mais fracos’. A impressão é de que os próprios meios jornalísticos se empurram ladeira abaixo com má qualidade de mão-de-obra e dos próprios produtos. Ou seja, pouco tem a ver com o mundo digital. Mas segundo o próprio economista chefe da Google, Hal Varian, a internet propõe uma mudança avassaladora (disruptive) o suficiente, tanto quando a invenção da energia elétrica, para abalar as estruturas das empresas jornalísticas. E se os entusiastas e especialistas das redes digitais têm orgasmos múltiplos com o anúncio do fim das publicações impressas, por sua vez o Google teme que as instituições jornalísticas fechem suas portas. Em longo artigo, o conceituada jornalista James Fallows, do jornal The Atlantic, investigou essa preocupação toda do Google com o fim do jornais. A figura que vem à mente é como um parasita que se preocupa que seu hospedeiro não morra.
A lógica é a seguinte: o Google vê como necessária a manutenção de produção de notícias de qualidade para que possa ser buscada na rede (e claro, clicadas via Google). A sua maior preocupação não é com o jornalismo propriamente dito (embora fale em qualidade), mas com o modelo de negócios de seus produtores, de como essas instituições vão continuar a ganhar dinheiro para manterem suas redações atuantes.
As constatações desta pesquisa que vem sendo apresentada por Hal Varia são interessantes. Uma das mais conceituais depõe contra o próprio jornalismo. O Google descobriu a práxis da notícia em um mundo de agências: basta algo sair em algum lugar que é replicado quase da mesma forma pelo mundo inteiro. Puro estouro de boiada! Por outro lado, os especialistas ouvidos por Fallows veem o lado do copo meio cheio: há oportunidades para qualquer outro tipo de abordagem diferenciada. Quanto às despesas, os meios não gastam mais do que 14% com seus efetivos na redação, o que pode ir de 30 a 40% com as despesas administrativas. O restante é para manter o velho padrão industrial do século passado de imprimir e fazer chegar notícia em papel. Outra constatação é de que o jornalismo, salvo poucas exceções, nunca ganhou dinheiro com o ‘puro’ jornalismo (aquele tipo sério, de mandar jornalista para o Afeganistão, diz Varian). A renda veio de qualquer outra coisa, como carros e motores, jardinagem, mercado imobiliário, livros e qualquer outra seção que possa indicar serviços e atrair anunciantes.
Desafio será encontrar e confiar em informações locais
Aí é que reside um dos maiores problemas em relação à manutenção e engajamento dos leitores. Todos estes serviços já são encontrados em sites especializados, com informação e banco de dados atualizados online. É mais fácil fazer uma procura de uma casa para alugar ou saber sobre as tendências da bolsa em um desses sites específicos do que abrir o caderno de imóveis ou de finanças do domingo.
Para completar a tormenta, há a questão da perda de uma das maiores fontes de renda dos jornais: os anúncios. Segundo a reportagem de Fallows, é uma tendência cada vez mais concreta a migração dos anúncios para o mundo online. É questão de tempo também que possam chegar a uma forma ideal e valor real desses anúncios nos canais online. Mas o mais preocupante (e libertador ao mesmo tempo) é que a rede permitiu encontrar nichos específicos de clientes. E, em uma espécie de ordem invertida, esses clientes podem chegar aos produtos desejáveis em vez da empresa buscar atingi-los em uma estratégia de massa. Para os jornais aumentarem ainda mais o seu martírio, o próprio Google está pesquisando a melhor ‘transição’ desses modelos de renda online. Os apontamentos são de que não haverá uma única solução, mas as verbas virão de múltiplos esquemas. E no caminhar do gigante, é bem provável que chegue a (boas) soluções.
O principal dilema hoje em dia é como encontrar notícias locais valiosas em um mundo ‘gugolizado’. Para todas as outras coisas, o Google vai estar lá.
Publicações digitais como o Techdirt já estão na ‘mesopotâmica’ tarefa de tentar salvar os jornais. Ironicamente ou não, com a participação dos especialistas do Google, realizou o fórum Techdirt Saves Journalism (em tradução livre, ‘Techdirt salva o jornalismo’). No último evento, cerca de 60 participantes, entre jornalistas, administradores e representantes de pequenas, médias e grandes organizações, participaram do evento. Mas e aí, por que o São Google está preocupado com pequenos jornais, por exemplo? O paradoxo é que, em um mundo ‘gugolizado’, o grande desafio será encontrar e confiar nas informações locais. Para todas as outras coisas, o Google vai estar lá, pode ter certeza.
Sugestões e análises
A partir das análises do Google, são seis pontos sugeridos para a redenção das instituições. Algumas já são conhecidas, outras incidem em velhas polêmicas, e a soma consolida o que vem sendo cantado pelo coro das mídias e redes sociais. Eis as análises, a partir das informações publicadas pelo blog Mediashift (http://www.pbs.org/mediashift/), da rede norte-americana PBS:
1) A primeira é de que os jornais vão ter que dar atenção a palavrinha mágica do momento: métricas. Vão ter que ‘garimpar’ seus dados, acompanhar o que dá mais ‘Ibope’, seguindo essas tendências, e como um analista de mercado financeiro, saber o que vai ‘bombar’ ou não. Não caímos na velha polêmica que, ora ou outra, acompanha os editores sobre a pauta apenas pelo ‘Ibope’, de dar queijo aos ratos, e a independência da seleção de pautas? Os jornalistas devem se pautar no interesse único de seus leitores?
2) Em segundo lugar, devem promover os seus homens de frente, elevando-os ao nível de especialistas, de forma transparente, colocando-os em contato direto com os seus leitores. Alguns meios brasileiros já vêm fazendo isto.
3) O terceiro ponto é a de estimular uma plataforma comunitária. Este é um dos pontos que mais chamam atenção. Para os especialistas, é preciso encontrar um modo de engajar em níveis locais indo ao encontro da constatação de que é preciso estimular as informações locais versus um mundo ‘gugolizado’. O Google propõem a agregação de blogueiros, videografistas e produtores de notícias a partir das comunidades (jornalismo cívico?). Na opinião deles, os jornais precisam ainda designar ‘curadores’ para encontrar e expor conteúdos e conversações com a melhor qualidade. Isto, de certa forma, já vem sendo feito.
4) A quarta pedra do rosário é de se criar outros modos de vendas e arrecadação para as organizações. A renda deve vir de várias fontes que podem ser novos produtos até a realização de jantares, ou ainda a velha ‘passada de pires’. Um dos mais destacados é a associação a eventos que revertam renda e também imagem. Na verdade, desde os anos 1990, os meios vêm investindo em outras coisas que não necessariamente notícias, como enciclopédias, livros, CDs, cartazes. Uma das sugestões é, por exemplo, expor o catálogo de melhores fotos do ano dos fotógrafos para compra do leitores (sério que os meios ainda não fazem isto?).
5) A quinta sugestão é de que os meios devem expandir a marca, criar produtos a partir de suas operações. O valor principal é de que lidam com informação. Alguns meios mais especializados já fazem isto, com a produção de anuários e catálogos, além de limitar o acesso da informação mediante a assinatura especial. Cita o exemplo dos blogueiros de Los Angeles que participaram em uma grande reportagem sobre os restaurantes vegans (que oferecem comida vegetariana sem produtos como ovos ou leite). A grande questão é de como compensar e remunerar esses colaboradores sem corromper o processo. Boa polêmica à vista.
6) E, por fim, não tão sem polêmica também, a sexta sugestão é de que o jornais devem mudar seus conceitos sobre o que é notícia. A orientação é de que os jornalistas devem ir além do Copy&Paste (Crtl+C/Crtl+V) de notícias, buscando notícias locais, com mais críticos e analistas colaborando, resultando em ‘uma nova forma de visão jornalística’. A dica intui um jornalismo mais engajado, com determinação de metas e a busca pela resolução dos problemas (algo que o Jornalismo Público/Cívico propõe em sua gênese). Também abre a possibilidade de um jornalismo colaborativo, abrindo as pautas para a participação dos leitores a partir inclusive de plataformas Wiki e também de uma proposta de peer reviewing. A filosofia é a seguinte: ‘Estou publicando este artigo, ainda não está perfeito e conto com a ajuda de vocês, leitores.’
Novas ferramentas
O Google Labs, o laboratório de pesquisas do Google, também vem propondo novas ferramentas para os jornais. E isso envolve, claro, a passagem pelo mundo digital. O teste foi feito, com sucesso dizem eles, em jornais como o New York Times e The Washington Post. E, após a experiência, a empresa já disponibilizou o código aberto para os outros meios que se interessem em usá-las (não se preocupe, você já vai estar pagando quando clicar na notícia). Uma delas, é antes de tudo um novo conceito: o living stories). Consiste em permitir o rastreamento e acúmulo de informações acerca de um tema específico, como por exemplo, a Guerra do Iraque ou vazamento de petróleo do poço da BP do Golfo do México. A ferramenta se propõe a ser um repositório de vídeos, textos e dados sobre o assunto no qual o leitor pode acompanhar todos os acontecimentos, ‘não esquecendo’ do assunto. Parece ser uma espécie de RSS gigante, sem que você tenha que adicionar as fontes, pois o Google já faz isso por você com as empresas parceiras. Por sua vez, o assunto se torna uma espécie de editoria. Já há também plataformas off-Google nesta linha, como o site Ushahidi, que rastreia coberturas via SMS e Twitter e unifica tudo em um único espaço para o leitor.
A outra ferramenta é a Fast Flip (http://fastflip.googlelabs.com/), que permite agregar imagens dos sites e matérias impressas das empresas ‘parceiras’ do Google, sendo possível navegar por diversas coberturas do mesmo assunto, seção, polêmica, manchetes, tópicos ou fontes. Segundo a análise dos responsáveis pela ferramenta do Google, a ideia é criar a mesma sensação de ‘novidade’ que um leitor parece ter quando abre o jornal e sai ‘navegando’ pelas editorias. De certa forma, a Fast Flip já antecipa a navegação dos tablets.
Já imaginou um jornal com todos os jornais do mundo? É isso que a Google parece querer ser para você.
Segundo o próprio economista chefe da Google, Hal Varian, o momento é de experimentação. Cada um pode tentar e descoberto caminhos que vão funcionar em relação a um futuro do jornalismo. Mas um deslocamento interessante é o do foco na regionalidade. Mais do que a própria Google, estes meios sabem o que é a notícia local. As sugestões da gigante digital de um engajamento local se aproximam muito dos conceitos do jornalismo público e cívico. Dentro disto, já há uma boa teoria acumulada acerca das iniciativas destes ‘novos jornalismos’ que surgiram enquanto movimento nos Estados Unidos ainda na década de 1990. Somadas a soluções de modelos de renda ainda em gestação, quem sabe, o Brasil possa realmente começar a implementar estas iniciativas como ferramentas de sobrevivência e ressurgimento de seu jornalismo principalmente em âmbito local e regional.
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Jornalista com especialização em Comunicação Organizacional pela ECA-USP, pesquisa temas como Jornalismo Público/Cívico e Futuro da Informação