Há muita coisa de graça na internet. Mas como separar o lixo da cultura?
A digitalização de livros é uma realidade diante da qual os direitos autorais precisam ser rediscutidos e reformulados. Contudo, o direito autoral deve ser para quem escreve por vocação, como é o caso dos escritores, a segunda questão entre suas prioridades. A primeira é a liberdade.
A revista Língua Portuguesa (ano 5, número 58, agosto de 2010) que acaba de chegar às bancas trouxe matéria imperdível sobre a questão. Nas páginas 22 a 25, em ‘Das estantes para o computador’, texto assinado por Camila Vegas-Lee, de Nova York, os leitores tomam conhecimento de vários modos de ver essa aparente democratização do livro na internet.
‘Cultura próspera e vibrante’
Como se sabe, o Google, ferramenta de pesquisa utilizada por milhões de usuários de muitas línguas em todo o mundo, enfrenta singular processo no Tribunal Federal de Nova York. Depois de passar quatro horas numa sala lotada, ouvindo autores, editores e bibliotecários, o juiz Denny Chin anunciou que não tinha condições de decidir sobre a legalidade da biblioteca online do Google. Alegou motivo simples, capaz de ser entendido por todos: ‘Muita informação para digerir.’ A declaração foi dada em 18 de fevereiro deste ano.
O Google está agindo ilegalmente? Não. Desde outubro de 2008, recebeu autorização para digitalizar livros de bibliotecas famosas, como a da Universidade de Harvard e a do Congresso dos EUA, tornando-os acessíveis na internet para busca e leitura parcial. E já digitalizou milhões de livros.
Uma busca pela referência solar da literatura brasileira, o nosso Machado de Assis, mostra mais de três mil volumes no Google Books, informa Camila Viegas-Lee. A Universidade de Michigan, a Sony e a Federação Nacional dos Cegos argumentam que a autorização ao Google é benéfica e põe à disposição milhões de livros de difícil acesso a milhões de interessados, estimulando ‘o desenvolvimento de uma cultura próspera e vibrante’.
Resposta simples
A polêmica trouxe a pólvora da Microsoft, da Amazon, de agentes literários, de autores e herdeiros de seus direitos. Alegam ‘violação de direitos autorais’, quebra de ‘privacidade’, instauração de monopólio e, o mais grave, ‘abuso do sistema judiciário’. Veio de William Cavanaugh, advogado do Departamento de Justiça, uma das mais sensatas declarações. Ele endossa os ‘benefícios da digitalização em massa’, mas diz que a biblioteca do Google ‘talvez não seja o veículo apropriado para atingir esses objetivos’.
O Google fez uma experiência que dá muito o que pensar e que traz água para o seu poderoso monjolo. Em 2006, postou 101 filmes do Arquivo Nacional dos EUA, entre os quais havia noticiários da Segunda Guerra Mundial e imagens da Nasa. Em média, apenas 200 pedidos eram feitos por ano para ver esses filmes em salas de pesquisa. Depois que foram para o Google, em 30 dias o material teve 200 mil acessos.
Se os leitores votassem, a resposta deles seria simples. Eles querem consultar ou ler tudo de graça na internet.
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Escritor, professor da Universidade Estácio de Sá e doutor em Letras pela USP; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e De onde vêm as palavras