Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Novas e velhas questões do Código Florestal

“A preocupação expressa por Luciano Martins Costa [ver aqui] acerca da aprovação, pela Câmara, do projeto do novo Código Florestal, rende ensejo a algumas considerações que necessitam, primeiro, um resgate de alguns conceitos fundamentais.”

O exercício da propriedade, quando não é limitado, só tem como limite a vontade do dominus (isto nada tem de heterodoxo, é consequência natural da ideia de propriedade presente no Código de Napoleão – o direito de usar, gozar e dispor da forma “mais absoluta”. Código este que é considerado por muitos a própria expressão da “natureza das coisas”). Quando a limitação não se faz via legislativa, seja na imposição de ônus, seja na previsão de medidas concretas a serem adotadas pelo Estado, será ela necessariamente arbitrária. E isto vem a propósito, justamente, das tentativas, por via legislativa, de flexibilizar, ou mesmo extinguir, os ônus ambientais decorrentes do Código Florestal. Não me canso de trazer este tema ao debate, juntamente com outros mais ilustres, como é o caso do professor Guilherme Purvin de Figueiredo [ver aqui] e do professor Paulo Affonso Leme Machado [ver aqui], ainda mais tendo em vista que, mesmo com os desabamentos, com as enchentes decorrentes das supressões de vegetação voltada à contenção de encostas e a minimizar a erosão das margens dos rios e riachos, mesmo com os problemas que afetam a camada de ozônio em razão das queimadas, tanto das florestas quanto dos próprios combustíveis das usinas, a quantos tomam o dinheiro como a medida universal do bem e do mal, a quantos tomam o bem e o mal a partir da utilidade que possa advir diretamente de uma situação, o Código Florestal continua a ser equacionado em termos de custos.

A denúncia tem de ser ininterrupta

Muitos pretendem converter este debate numa questão partidária, ignorando, culposa ou dolosamente, que não estamos diante de uma questão de plataforma política, mas sim, de real compromisso com um dos valores fundamentais tanto da ordem econômica – Constituição Federal, artigo 170, VI – quanto da ordem social – Constituição Federal, artigo 225 – e que, ao cabo, tem que ver com a própria questão da habitabilidade do planeta. O desmatamento indiscriminado foi responsável pela desertificação em vários pontos do planeta e no Rio Grande do Sul, que é um dos mais agraciados pelas águas do céu, não é diferente.

Já há uns oito anos, cheguei a ver um Atlas da Desertificação do estado. Sim, um dos mais aquinhoados pelas chuvas, talvez porque São Pedro é seu padroeiro, por conta do mau uso do solo, do uso insustentável do solo, em muitos pontos está em processo de desertificação. Isto não é um problema de PT, PSDB, PC do B, PP, DEM ou do Partido do Diabo ou do Santo. E não é tão recente o problema. Há um distrito, no município de São Luiz Gonzaga, que já se chamava Bossoroca quando ali nasceu o ex-governador Olívio Dutra (1941). A bossoroca, ou voçoroca, é o primeiro sintoma, aqui, de que determinado local está em processo de perda da fertilidade do solo e sofrendo erosão contínua. Ainda há quem diga que a nossa legislação ambiental é a mais rigorosa do planeta e isto é um sintoma de atraso…

Será mesmo a mais rigorosa do planeta? Os EUA serão tão flexíveis no que tange à tutela ambiental? Os alemães? O selo verde, que alguns países exigem, não será considerado uma forte restrição ao comércio internacional? Durante um largo período de tempo, a proteção ambiental foi tratada como barreira não tarifária ao fluxo do comércio internacional e, no âmbito interno, como elemento do custo, sendo muito recente o seu tratamento até mesmo na acepção utilitarista elementar de poupança. É curioso que, ao mesmo tempo em que os defensores das alterações informam que os interessados nelas descumpriram escancaradamente a lei, alegam que o seu cumprimento – que não houve – seria o responsável pelos entraves ao desenvolvimento da economia rural. Um dos tantos paradoxos da vida pública nacional… A denúncia tem de ser ininterrupta, neste caso. A própria razão de ser da reserva legal é simplesmente obnubilada em nome dos interesses da especulação.