Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A queda no rendimento dos alunos de São Paulo

Recentemente, a imprensa noticiou mais uma vez a queda no rendimento dos alunos do estado de São Paulo. Segundo Rafael Targino, do portal UOL Educação,“o Idesp (Índice de Desenvolvimento da Educação de São Paulo), uma espécie de “nota” da educação do estado, caiu entre 2009 e 2010 nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Neste último nível, a nota do ano passado foi 1,81, contra 1,98 em 2009, em uma escala de zero a dez” (UOL 18/03/2011).

Assim como as milhares de mortes decorrentes, sobretudo da ausência de políticas habitacionais para a população mais pobre, na época das chuvas, as tragédias a que assistimos cotidianamente na educação em nosso estado e também em nosso país são noticiadas, lamentadas e logo esquecidas, voltando a pequenos grupos que lidam diretamente com o tema, os que trabalham, militam, pesquisam etc. Sem desmerecer a atuação destes grupos, que é fundamental, é no mínimo estranho que, numa sociedade dita democrática, um tema tão prioritário, sensível e complexo, seja atributo exclusivo de algumas pessoas ou entidades, e não, discutido profundamente com a sociedade civil, como mães, pais, responsáveis legais e principalmente com os alunos.

No último dia 30 de março, participei na Assembleia Legislativa do estado de São Paulo da audiência pública para o lançamento do Fórum em Defesa da Educação Pública. Estiveram presentes diversas entidades e se discutiu, entre outros assuntos, plano de carreira. Embora afirme “diversas entidades”, notei certo descompasso entre os representantes e aqueles que diziam representar. Mais adiante, vou me ater em dois grupos (professores e alunos) que posso escrever com mais propriedade pelo fato de ser professor há quinze anos e também por ter sido aluno, apesar de sentir este descompasso também entre as outras categorias ligadas à educação.

A sociedade não prioriza a educação

Semana passada, a ONG “Todos Pela Educação” postou um vídeo no Orkut e me chamou muito a atenção o comentário de uma professora que lamentava o abandono da educação por parte das autoridades e que, nas atuais condições em que se encontra o nosso sistema de ensino, os professores estariam todos desmotivados devido aos baixos salários e precárias – ou, muitas vezes, ausência – condições adequadas para o exercício pleno da prática pedagógica. Aliás, este é um lugar-comum não só entre os profissionais da área, como na sociedade como um todo. Os professores ganham muito mal e por isso não são motivados, como se fosse efeito de uma “causa natural”. Portanto, é mais ou menos aceitável e justificável a baixa qualidade do ensino e da aprendizagem entre nós. Ou seja, vitimaram a condição dos professores e eles parece que aceitaram essa condição de vítima, na boa, de maneira acrítica. Respondi ao comentário desta professora que quando o profissional está desmotivado, principalmente com salário, deve procurar outra ocupação. Não é que não devemos lutar por reconhecimento de nosso trabalho e a consequente melhoria de suas condições. Não, absolutamente. Agora, não podemos também justificar o péssimo desempenho de nossos alunos única e exclusivamente por isso. Em outras palavras, o professor que ministra uma aula ruim com a justificativa do baixo salário é igual ou pior que aqueles homens e mulheres públicos que não dão o devido valor ao tema. E, assim, colaboram para perpetuar este quadro.

Na audiência pública que ocorreu na Alesp, para um observador minimamente atento o fato que mais chamou atenção foram as ausências de pessoas e instituições ligadas direta ou indiretamente ao sistema de ensino. Além da baixa participação de parlamentares, apenas quatro (dois do PT e dois do PCdoB), não estava presente ninguém da grande imprensa, ou entidades como OAB, Fiesp, Ministério Público, ONG´s ou mães, pais ou representantes etc. E, como disse acima, apenas dois partidos enviaram representantes. Do governo estadual, nada. Nem parlamentares, nem um burocratazinho para fazer ao menos média.

Podemos, então, deduzir que nossa sociedade não prioriza, de fato, a educação. Somos bons oradores, publicamos excelentes teses, adoramos dar entrevistas sobre o tema, repetimos feito papagaios o quão ela é importante, mas na hora de acompanharmos e decidirmos, estamos ocupados com aquilo que realmente nos interessa. Seja lá o que for.

A mentalidade da Primeira República

Voltando aos grupos que mencionei acima, me causou estranheza a postura daqueles que se diziam representantes dos alunos e da presidente da Apeoesp. Os primeiros, como sempre, exaltados e repetindo “nós, estudantes, não aceitamos isso ou aquilo”. A questão é: quem são “nós, estudantes?” Sou professor desde 1995, trabalhei na rede pública até o ano 2000 e até o ano passado estava na rede privada. Nunca vi representante de nenhuma entidade estudantil acompanhar o cotidiano daqueles que dizem representar. A não ser quando era para fazer barulho em épocas eleitorais, com interesses claros, definidos e particulares. Inclusive, no intervalo da audiência, no horário do almoço, indaguei a um dos líderes estudantis sobre a atuação deles e disse-lhe que, no ano passado, a quase totalidade dos meus alunos não sabia o que era um grêmio estudantil. Sugeri que ele ou alguém da sua entidade entrasse em contato com eles. Pegou meu e-mail, e nada. Talvez, se mentisse que teria imprensa presente, quem sabe? Não estou sugerindo que o movimento estudantil não seja importante ou desnecessário. O fato é que carece, a meu ver, de legitimidade, uma vez que a maioria dos estudantes, principalmente do ensino médio, sequer sabe que tem gente falando em nome deles. Vamos lembrar que, nos dois mandatos do ex-presidente Lula, a UNE, que sempre manteve sua simpatia, foram repassadas vultosas somas de verbas para esta entidade. Teve ainda outro “líder” estudantil que se referiu à presidente da Apeoesp como “professora máxima de São Paulo”…

Por falar na senhora Maria Izabel de Azevedo Noronha, o discurso dela me assustou. Se estivesse fora do país há uns vinte anos e desatualizado, pensaria que estávamos no meio de uma guerra civil. Esta senhora esbanjou empáfia e prepotência. Falava com o dedo em riste e sempre em tom de ameaça. Algumas frases dela que anotei à tarde, em relação ao governo do estado: “Vocês vão pagar pra ver?”; “Esses desgraçados”; “Vamos arrancar o que der”. Em relação ao PSDB, que dirige São Paulo há dezesseis anos, não acho que seus dirigentes sejam incompetentes em relação ao sistema de ensino. Tenho a impressão de que eles não acreditam mesmo num ensino público de qualidade e universal. É um pouco a mentalidade da Primeira República, quando as oligarquias paulistas imaginavam que educação para os pobres era um gasto desnecessário e em vão. No entanto, são governos legítimos, e simplesmente xingá-los é no mínimo desrespeitar a vontade popular, além de inócuo. Fazer o que, se a oposição foi incompetente este tempo todo, perdendo eleições até para um aventureiro, como Gilberto Kassab?

Que a mídia acompanhe, investigue, aja

O fato é que nunca conseguimos nada com esta postura agressiva e espalhafatosa. Não quero aqui desmerecer nenhum movimento social. Fui metalúrgico em toda a minha juventude e tenho muito orgulho disso. O que não entendo são os professores quererem se comportar como operários utilizados como massa de manobra: parar o trânsito, enfrentar cavalaria da polícia, agredir autoridades. Por exemplo, quantas greves esta Apeoesp já organizou sem nenhum resultado prático para a educação em São Paulo? Sim, para a educação, pois parece que para seus líderes até que não. Seu ex-presidente tornou-se deputado, esta atual já foi, tem certa notoriedade, seu blog tem grandes patrocinadores, enfim. A greve é um direito legítimo, só que quando eu era operário parávamos as máquinas. E os professores, param os alunos? Por que será que esta mulher está na direção deste sindicato há tanto tempo? Não existem alternativas? E o pior é que essa gente se apresenta como alguém que se sacrifica por todos, uma espécie de mártir em vida.

Foi dito e repetido na audiência que os alunos vão mal e o governo paulista culpa os professores. Se de fato, o governo culpa os professores, é uma atitude equivocada e desonesta. Porém, sugerir que os professores não tenham nenhuma responsabilidade nesse processo é, no mínimo, um delírio. Como assim, os alunos pioram seu desempenho e os docentes não têm nada a ver com isso? Vão alegar que “estão desmotivados”?

Tenho certeza que o atual quadro da educação é fruto do desinteresse e consequente abandono pela nossa sociedade, no sentido de acompanhar, questionar, fazer com que os professores ouçam os alunos, mães e pais, lhes deem satisfação do plano de ensino, proposta pedagógica, avaliações etc. Só que para isso é preciso que estejam presentes, e não apenas em reuniões. Que os empresários (que vivem choramingando falta de mão-de-obra qualificada), entidades de classe, comerciantes cobrem, exijam que a altíssima carga tributária que pesa sobre suas costas seja revertida, devolvida à sociedade, como manda a Constituição. Que os meios de comunicação acompanhem, investiguem, ajam preventivamente, e não apenas noticiem que está ruim – isso todos já sabem, do gari à presidente da República.

Prestar contas à sociedade

Do contrário, eternizaremos oportunistas que não estão nem aí para a educação, que ocupam esse espaço deixado pela sociedade para atender suas “bases”, ambições pessoais, vaidades, seus anseios ideológicos e uma vidinha mais confortável, sem muito esforço, é claro.

É preciso mais empenho e menos cinismo. Dialogarmos de verdade com a comunidade. Vejo os adolescentes apáticos e desinteressados e não entendo isso como uma questão de geração, alienação, ou coisas do gênero. O fato é que o tempo todo eles são subestimados, vítimas de nossas expectativas muitas vezes idealizadas, românticas. Sempre achei curioso, e ao mesmo tempo triste, no começo de anos letivos, tanto na rede pública quanto privada, a direção, coordenação e professores discutirem o plano de aula, o planejamento anual, o estatuto do colégio e não se darem ao trabalho de perguntar à comunidade, aos alunos, o que eles pensam, sugerem. Uma espécie de positivismo torto, anacrônico. Aí entramos em sala e dizemos: “Vocês terão que aprender isso”; “A prova será assim”. E ainda reclamamos que não se interessam? Estranhamos o Tiririca na Comissão de Educação do Congresso Nacional? Será que somos esquizofrênicos?

Nós, professores, precisamos, sim, de condições dignas de trabalho e salário. Nossa profissão é uma das mais belas que a humanidade já inventou. Mas isso não nos autoriza a não prestar contas à sociedade. Em nenhum momento na audiência eu vi alguém dizendo: “Nós exigimos isso, mas nos comprometemos com aquilo.” Não, nada parecido.

Enquanto isso continuam atualíssimos os versos do saudoso Renato Russo, cantados pela Legião Urbana:

A juventude é rica, a juventude é pobre

A juventude sofre e ninguém parece perceber.

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Professor e sociólogo, Santo André, SP