“A guerra cibernética já começou.” (Iain Lobban, diretor da agência britânica de espionagem em comunicações)
A impressão geral dominante em tudo quanto é canto deste mundo do bom Deus onde o diabo costuma fincar seus enclaves é de que a bomba nuclear, com a tecnologia dos tempos de agora, constitui o mais poderoso instrumento bélico concebido pela insânia humana. Capaz, por essa irretorquível razão, de aniquilar, numa guerra de proporções universais, todos os vestígios de vida existentes. Os integrantes do chamado “clube atômico”, que congrega hoje declaradamente nove países – Estados Unidos, China, Rússia, Inglaterra, França, Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte – dispõem de condições, a serem levados em conta os engenhos estocados, para devastar não uma vez apenas, mas dezenas de vezes, se isso tivesse alguma lógica, esta ilhota solta no oceano cósmico destinada a abrigar a turbulenta espécie do homo sapiens.
As superpotências bem que se esforçam, utilizando caudalosa retórica, por evitar, por meios variados acenando com sua força de persuasão, a proliferação dos arsenais atômicos. Mas, volta e meia, se veem confrontadas pelas atitudes rebeldes de um que outro país inconformado com a exclusividade que, de certo modo, resolveram se atribuir no acesso à tecnologia nuclear. Nalguns casos, até mesmo levantando óbices a quem se disponha a utilizá-la para fins estritamente pacíficos. Como no exemplo bem configurado do Brasil. A restrição levantada com relação a alguns países, de modo a impedir possam vir a adquirir carteira de sócio no clube, bem assimilada na consciência coletiva por óbvios argumentos, é alvo por vezes de questionamentos. Questionamentos, por sinal, bastante compreensíveis no caso de quem, convictamente, abomine as contendas bélicas e aposte, com sinceridade, no diálogo como caminho direto e eficaz para a solução de pendências na convivência entre nações.
Desabastecimento, saques, incêndios
Afinal de contas, as grandes potências desmentem clamorosamente, a cada hora, com atos despropositados, a boa intenção que arrotam quanto a ser firme e constante seu empenho na contenção da corrida armamentista nuclear. Fazem de conta, pro resto do mundo ver, por meio de tratados fajutos, com pródiga divulgação na mídia, que irão reduzir em breve os colossais estoques letais. Mas tudo acaba, no duro mesmo, desaguando numa solene impostura. A capacidade de devastação planetária de cada qual permanece inalterada. E nem fica fora de propósito conceber que esteja sendo sempre ampliada.
Dizíamos, na introdução, que um conflito nuclear é enxergado, hipoteticamente, como a mais arrasadora das guerras. Mas já começam a surgir controvérsias a respeito dessa tese. Tomando conhecimento de algumas revoluções tecnológicas incorporadas nos últimos decênios às atividades humanas, passo a conceber a teoria de que, bem provavelmente, já existam engenhos de destruição ainda mais aniquilantes. As fabulosas conquistas técnicas dos tempos modernos podem ser a origem, o que já é admitido por qualificados cientistas, de um “apocalipse cibernético”. Como a própria expressão sugere, o cenário dessa “ciberguerra” em potencial é simplesmente aterrorizante. Suponhamos que países em confronto declarado resolvam, subitamente, colocar em execução planos de ataques cibernéticos com vistas a provocar um apagão geral definitivo em tudo quanto seja operado por via eletrônica.
De uma hora para outra, irrompe um apagão nunca, jamais, em tempo algum visto. Apagão das redes de distribuição de energia. Apagão que decrete a paralisação instantânea de todas as unidades operacionais do sistema financeiro, com a eliminação de qualquer tipo de registro. Apagão que implique o colapso dos esquemas de transporte aéreo, ferroviário e rodoviário. Em engarrafamentos de trânsito urbano enlouquecedores. No desabastecimento total de produtos essenciais, com saques de lojas e residências dominando em sequência tenebrosa as ruas. Os ataques cibernéticos poderiam abranger também, seguindo essa linha catastrófica, ordens de comando a equipamentos eletrônicos objetivando o superaquecimento, com danos irreparáveis, das máquinas, além de incêndios incontroláveis.
Catástrofe inimaginável
A propósito de perspectivas tão apavorantes, Ian Lobban, diretor do Government Communications Headquarters, agência britânica de espionagem em comunicações, emitiu recentemente uma declaração por demais elucidativa. A guerra cibernética, diz ele, já começou. “Vários países já estão utilizando técnicas de guerra cibernética para lançar ataques uns contra os outros, a fim de criar pressão diplomática ou econômica”, enfatizou, clamando que seja feito, com urgência, um hercúleo esforço internacional em favor da implantação de “normas corretas de comportamento no ciberespaço para os Estados responsáveis”.
Um autor estadunidense sustenta, em livro recentemente lançado, que alguns países já se envolveram em ataques cibernéticos bem sucedidos. Não se trata de alguém destituído de conhecimento de causa. Richard Clarke ocupou posição de alta relevância no combate ao terrorismo, como consultor na Casa Branca dos presidentes Clinton e Bush. O título de seu livro, Ciberguerra – A próxima ameaça à segurança nacional e o que fazer diante dela, provoca muitas reflexões.
Ele garante que a China já montou, com seus melhores cérebros científicos, um complexo sistema para desenvolver ações ofensivas e defensivas nessa matéria. A Rússia, assevera, também se aparelhou nesse campo e empreendeu, com êxito, agressões às redes de computadores da Estônia e da Geórgia. Clarke cala-se, com o indisfarçável intuito de não expor segredos de Estado, sobre a atuação de seu próprio país. Mas o que não falta são evidências de que os Estados Unidos mantêm-se na vanguarda em ações desse gênero, já tendo promovido ataques cibernéticos bem-sucedidos às redes de computadores de nações consideradas hostis.
Até aqui, o que vem acontecendo são batalhas cibernéticas esporádicas. Uma guerra cibernética total produziria catástrofe inimaginável. Os detentores da tecnologia capaz de desencadeá-la, membros, todos eles, do chamado “clube atômico”, fixam limites que não cogitam, à primeira vista, transpor, pela mesmíssima razão que, depois de Hiroshima e Nagasaki, não se dispuseram também a lançar artefatos nucleares em conflitos dos quais hajam participado. O receio de represálias fulminantes tem peso considerável numa decisão desse gênero.
Escaramuças antecipam guerra cibernética
Iain Lobban revela que “o ciberespaço é disputado, hoje, pelas nações, a cada hora, a cada dia, a cada minuto, a cada segundo”. Embora a internet tenha reduzido “as barreiras de acesso ao jogo da espionagem”, a expansão contínua das redes potencializa os riscos de perturbações à infraestrutura dos serviços essenciais. Por exemplo, a infraestrutura das usinas de energia, do sistema financeiro e por aí vai. “A ameaça é real e digna de atenção”, afiança Lobban que, tanto quanto Richard Clarke, sabe bem do que se trata. A agência para a qual presta serviços no Reino Unido coordena gigantesca operação global de escuta. Algo semelhante, provavelmente em proporções menores, àquela que os Estados Unidos sabidamente montaram, conhecida pela denominação de Projeto Echelon.
Tais operações cuidam, com o emprego de satélites sofisticados e outros instrumentos eletrônicos avançados, da decifração de códigos e da coleta de informações em escala universal. Os sistemas conferem palpitante atualidade às previsões de Aldous Huxley, no Admirável Mundo Novo, onde deparamos com a projeção de arrepiante cenário em que as ações cotidianas do ser humano passam a ser controladas, o tempo todo, por engenhocas tecnológicas acionadas pelo “Grande Irmão.”
As operações dos hackers e as invasões de redes pelos assim chamados “cibercriminosos”, com suas táticas cada vez mais sofisticadas, podem ser interpretadas, neste instigante contexto, como meras escaramuças bélicas. Escaramuças que só fazem antecipar a ameaça da guerra cibernética. Uma guerra que pode, hipoteticamente – Deus livre e guarde – ser desfechada, contra os interesses da humanidade, não apenas pela ganância por poder deste ou daquele país, mas também, nestes tempos de convulsão sob múltiplas formas, por grupos terroristas interessados em estabelecer o caos.