A Associação Nacional de Jornais (ANJ) anuncia que vai estimular a autorregulamentação e o governo federal faz a primeira investida contra o coronelismo eletrônico. Não é ainda o melhor dos mundos, mas é um indício de que governo e empresas de comunicação não estão fadados a confrontar-se permanentemente. Se cada um fizer a sua parte para sanear abusos, o processo se despolariza com naturalidade. E quem sai ganhando é a sociedade.
Ao admitir que o exercício do jornalismo deva ser monitorado além do voluntarismo empresarial, a ANJ acaba com o mito de intocabilidade e intangibilidade até agora usado para acobertar procedimentos antissociais. Mesmo que este acompanhamento seja exercido de forma endógena, intracorporativa, seus resultados logo serão percebidos pelo público externo.
O estímulo à multiplicação de ouvidorias e defensorias do leitor – um dos resultados mais esperados da autorregulamentação – criará uma nova dinâmica nas Redações e um novo relacionamento veículo-leitor. E se eventualmente alguns veículos optarem por ouvidores mais tolerantes, a concorrência acabará favorecendo aqueles cujo ouvidor seja (ou pareça) mais exigente. Uma coisa é certa: impossível ignorar os esforços de um veículo jornalístico para tornar-se mais confiável.
Tensões permanentes
Já a decisão do governo (leia-se Ministério das Comunicações) de enquadrar os já famosos “coronéis eletrônicos” (congressistas que conseguiram obter concessões de radiodifusão) deve ser saudada não apenas como saneamento do sistema midiático, mas também como uma descontaminação dos costumes legislativos. O congressista integra o poder concedente, logo não tem o direito de beneficiar-se como concessionário.
A simplicíssima equação vem sendo ostensivamente adulterada há mais de duas décadas, desde que o ministro das Comunicações no governo José Sarney, Antonio Carlos Magalhães, passou a distribuir concessões de rádios e TVs aos parlamentares que apoiassem a extensão do mandato do então presidente.
A divulgação pela Folha de S.Paulo da primeira lista oficial de prevaricadores deve ser considerada como deflagrador de um processo irreversível. Mesmo que o PMDB – também aqui campeão nas irregularidades – tente pressionar o governo a fazer um recuo, a higienização está em marcha.
Ainda que o Ministério das Comunicações só tenha localizado 56 parlamentares em situação irregular (num total de 594), a divulgação pela internet a partir desta segunda-feira (30/5) das quase 10 mil emissoras com as suas respectivas diretorias permitirá que a própria sociedade identifique os “laranjas” e testas de ferro disfarçando a presença de congressistas. Renovada a cada dois meses, a lista criará um rito de transparência dificilmente escamoteável.
As duas iniciativas foram praticamente simultâneas (a decisão da ANJ foi anunciada nas edições dos jornais de quinta-feira, 26/5, e a do governo no domingo, 29/5), mas não garantem o fim das tensões governo-empresas de mídia. Ainda bem: o clima de divergências é o melhor estímulo para que as partes sintam-se obrigadas a negociar.