Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quando a ficha cai aos poucos

A notícia me atingiu aos poucos.

Estava seguindo para a Uerj, trocando estações de música no rádio, quando ouvi um rabicho de notícia sobre algo grave que havia ocorrido em Realengo.

Saí em busca de detalhes. Mudei para a CBN, mas, lá, nada era dito. Sintonizei então a BandNews que trazia informações ainda desencontradas sobre o massacre. O repórter Pedro Paulo Spoletto, pelo celular, tentava descobrir o que ao certo houvera (depois soube que havia sido aluno da Uerj). Ele falava de sangue escorrendo pelos corredores e, incrédulo, eu o critiquei pela frase, que julguei sensacionalista.

Durante a aula, alunos iam atualizando as notícias que surgiam pelo rádio. Porém, só quando voltei ao carro pude me inteirar dos detalhes.

Sintonizado estava na BandNews, e ali fiquei, devido ao belo trabalho jornalístico realizado. A rádio conseguia, além de falar sobre o massacre, noticiar outro grave problema. Um vazamento de gás que fez com que a torre de controle do Aeroporto Tom Jobim fosse evacuada, fechando os dois principais aeroportos do Rio para pouso e decolagem por cerca de uma hora. Pauta que desapareceu nos demais noticiários devido à gravidade do caso de Realengo.

O rádio dava ali mostras de sua força informativa e de sua agilidade ainda intocada, mesmo em tempos de internet.

Para quem durante tantos anos trabalhou com o jornalismo diário, ficar afastado de uma cobertura deste peso é até estranho. Fui me informando vendo uma imagem aqui, uma informação acolá. Peças isoladas que só se uniram quando assiti à edição do Jornal Nacional.

Pude, então, ter a noção da crueldade da chacina. Crianças e adolescentes, na sua maioria meninas, alvejados friamente em seus pontos mais letais.

Uma situação absurda ao extremo, que parece fugir ao nosso nível de compreensão.

A cobertura do JN foi corretíssima, com apenas um ou dois levíssimos escorregões em direção ao sentimentalismo. Um jornal que soube dar o peso que a história merecia, com suas diversas faces. Embora a gente saiba que muito ainda vai se falar e se explorar o tema.

Posso estar errado, mas tenho quase certeza de que uma das pautas de amanhã vai ser a do encontro da menina que falou ao JN que quer ser bióloga quando crescer, com o policial que matou o bandido. Ela deu até a deixa, dizendo que queria agradecer a ele. Uma pauta clássica depois de qualquer ato de bravura.

TV na hora do almoço

Graças a Deus, por estar fora de casa na hora dos noticiários da hora do almoço, não tive o desprazer de ouvir nenhum apresentador vociferando na minha telinha.

A tragédia já era dura por si só. Não havia porque apelar para o sensacionalismo. Mas isso dá audiência… Infelizmente…

Louve-se o trabalho da polícia, que não deixou que a imprensa entrasse na escola durante o dia de hoje, o que inutilizou boa parte do armamento utilizado por esses programas noticiosos. As únicas imagens que a Globo mostrou foram as de um celular de alguém que entrou no colégio. Através delas, pôde-se ver o assassino morto.

No Facebook, à noite (7/4), relatos de colegas de profissão mostravam o quanto foi emocionalmente devastador o trabalho de hoje. Dias assim aceleram nosso relógio do envelhecimento.

Muito ainda vai se debater sobre o que levou este rapaz a cometer tal atrocidade, bem como soluções para que fatos como esses não voltem a acontecer.

Desarmamento

Concordo com o Rodrigo Pimentel (o verdadeiro Capitão Nascimento). Enquanto tivermos esta profusão de armas circulando livremente por aí, qualquer discussão pode virar sinônimo de morte; qualquer rancor pode gerar uma tragédia.

Mas, quando houve o plebiscito sobre o desarmamento, a sociedade brasileira optou por liberá-las.

Esse é o preço.

O ódio é o pior sentimento que pode se apossar do coração do ser humano. Ele envenena, deteriora, cega e transborda. às vezes de maneira trágica, como hoje…

Rezemos, pois, por essas crianças que morreram e pelas que lutam para sobreviver e, quem sabe um dia, voltarem a uma escola.

No entanto, com toda certeza, a vida delas e de todos que viveram este dia trágico nunca mais será a mesma.

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Jornalista e professor. Editor executivo do OI na TV.