Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Era do crack e Estatuto do Desarmamento

A edição do Jornal Hoje de sábado (9/4) trouxe alguns temas que estão interligados, mas não foi completamente isenta. Falou da tragédia do Realengo, falou de crack e de Estatuto do Desarmamento. Ponto positivo foi a busca de aspectos humanos, do dia-a-dia das vítimas em suas famílias e comunidades. Ficou muito bom. Mostrou pessoas que têm histórias, contadas ali de forma breve e delicada, e provocou um minuto de alento no semblante de quem contou suas lembranças.

Na mesma edição, mostrou os indiciados pela polícia pela venda da arma do crime. Estavam livres, mesmo tendo duas passagens pela polícia. Nem sequer estavam sob vigilância da polícia. A mim parece o perfil ideal para receber as tornozeleiras eletrônicas que o Ministério Público largamente recomenda, afinal é o tipo que nunca está fazendo coisa boa. O mesmo deveria ser feito com os presos que saem nos Saidões dos presídios. Duas jovens de Cunha, SP, foram assassinadas por um presidiário que saiu num Saidão em 2009 e nunca mais voltou. Era vizinho das meninas que assassinou, onde morava tranquilamente com o pai sem ser importunado. Teria sido recapturado para cumprir a pena que a Justiça lhe aplicou por colocar em risco a sociedade se usasse tornozeleira.

Mas a reportagem embrenhou pelo Estatuto do Desarmamento, sua falta de regulamentação e aplicação, ouvindo uma só corrente: E pecou de novo com a conclusão de Mariana Godoy: “O desafio agora é desarmar a população.” Ora, Mariana, estes indivíduos deveriam estar presos ou vigiados! A população não está em questão, primariamente, e sim, estes indivíduos, que cometeram crimes. Já estavam enquadrados na lei e deveriam estar presos. Mas a lei não é cumprida, seja porque outra lei permite que seja adiada, ou porque não existem instrumentos para torná-las factíveis.

Assunto controverso e abordagem tendenciosa

Os vizinhos do assassino de Cunha sequer sabiam que ele era fugitivo da polícia, pois jamais foi incomodado. E os vendedores de armas ilegais agem livremente, sem vigilância e sem que ninguém os incomode. Até deram entrevista para o telejornal!

Discutir, por exemplo, a vigilância eletrônica deste tipo de elemento com o uso das tornozeleiras teria sido mais produtivo, pois a medida combate efetivamente a violência que nos assola. É pena que somente se impõe aos réus e não a toda população. Antes de levantar a questão do desarmamento total da população, primeiro temos que discutir como tirar do seio da sociedade quem já deveria estar confinado. Moro numa região de fazendas. Aqui não há crimes ou roubos, vivemos com sossego entre a natureza pródiga. Está em primeiro lugar em segurança em todo Brasil. Muitas famílias têm armas em suas terras, mas não tenho notícia de que tenham sido usadas. Não tenho arma de fogo, mas não serei eu quem vai tirar-lhes o direito de manter as suas e nem me parece que estejam a serviço da violência.

A escolha do desarmamento como continuidade natural do assunto não me pareceu conveniente, por ser controversa. Já a vigilância de criminosos teria sido um assunto paralelo melhor contextualizado. Por ter ouvido uma só corrente e por concluir de forma tendenciosa, teria sido melhor repensar a reportagem.

Os zumbis do crack

Já a reportagem sobre o crack, na mesma edição, foi impecável!

Quem conduziu a reportagem foi Gloria Vanique, que começou na TV Vanguarda, a TV Globo da Mantiqueira, e muito mais. Ela acompanhou cinco dias de uma “boca de crack” e a chegada de uma jovem “de família” que acaba se juntando às mulheres de rua, para ficar consumindo crack no local. As imagens feitas pela polícia, e que serão usadas para prender traficantes, mostram a transformação da jovem num verdadeiro zumbi. Uma decadência galopante. Triste ver cenas de uma jovem burguesa se transformando numa moradora de rua em cinco dias! Foi chocante!

O fato é que o crack está cada vez mais perto de nós e não se discute a questão de acordo com sua gravidade. Quais as recomendações das autoridades, da saúde pública, quais as sugestões das comunidades, quais as formas de conter seu avanço sobre a sociedade? E as famílias? São tantas as incógnitas. Mas uma coisa é certa. Ninguém pode alegar que não sabe onde vai dar.

Um casal de amigos mencionou que presenciou um caso na família, exatamente como o mostrado na reportagem; uma moça que deixou a casa para viver na rua, pelo crack. Eles disseram também que seu maior medo é o filho ser atacado por um “nóia”, como são conhecidos os zumbis do crack. Ele vai de bicicleta para a escola, com um bom tênis e blusa, o que o torna um alvo. O problema é que os roubos da era do crack são muito mais perigosos porque a droga deixa o indivíduo completamente fora de si, como mostrou Glória Vanique no Jornal Hoje.

Tirar ou não a vida de uma pessoa, para um dopado de crack não depende de nada senão do acaso. Foi essa mãe que cunhou, para mim, a expressão zumbi. Ela disse: “Quem entra, sabe onde vai dar. Eles se afastam da família, dos amigos, de todos. Criam uma distância – as famílias, dentro de casa – e eles, lá fora, como zumbis.”

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Jornalista, Santo Antônio do Pinhal, SP