Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Opinião pública não se cria, organiza-se

‘O PT e todos os que defendem a democracia devem reagir ao golpismo midiático que pretende inviabilizar o mandato legítimo do Presidente Lula…’ [excerto do tópico nº 10 da Resolução da Executiva Nacional do PT, de 19 de setembro de 2005].

O comunicado do Diretório Nacional do PT, de 19 de setembro, é um passa-moleque: a criança flagrada pela mãe, não tendo como se defender, saca uma saída que lhe parece a melhor: ‘Não fui eu, mãe, foi ele’

Vamos demonstrar aqui como esta afirmação é de total irresponsabilidade. A mídia golpista referida só pode ser jornais, revistas e telejornais que vêm divulgando as informações relacionadas à corrupção no Partido dos Trabalhadores e no governo. Com tantas informações, durante tanto tempo, é claro que muitos erros foram cometidos pela imprensa, muitos deles reparados, bem ou mal, mas no geral os veículos de comunicação não organizaram um coro uníssono contra o PT e o governo, como está dizendo o comunicado.

Nem mesmo isso seria possível, pois a imprensa não cria opinião, não manipula como quer o público, e tem somente a capacidade (e não o poder) de informar os fatos, debater os temas e se posicionar coerentemente com sua linha editorial, que, por sua vez, é totalmente afinada com as correntes que representam seus leitores. Não é que a imprensa não cometa deslizes e até crime de lesa-majestade, ou não se desvie dos princípios que lhe asseguram a posição de órgão de comunicação tão respeitado pelo seu público, que lhe é fiel como leitor ou espectador. Mas, quando isso acontece, há também um preço a pagar, mais cedo ou mais tarde.

Do popular ao cidadão

Vejamos como o mercado de comunicação tem sua vida própria e os veículos se inserem nele apenas e quando criam mercado – na verdade estão organizando correntes de opinião (existentes) e leitores:

Por que na década de 1950 predominou um jornalismo popular tipo Diário da Noite e Última Hora, no Rio e São Paulo? E por que em meados da década de 1960 o jornalismo de classe média tomou o mercado de assalto, com o surgimento das revistas Realidade e Veja (Editora Abril) e do Jornal da Tarde (Grupo Estado)? A morte da revista O Cruzeiro teve muito a ver com seu deslocamento no mercado novo: ela era revista de barbearia, superficial, de fotos e emoção, incluindo nisso os artigos e campanhas do colunista David Nasser. E o mercado já não queria isso: surgiu Realidade, com conteúdo indiscutivelmente mais profundo, razão pela qual o texto ganhou importância capital.

Josimar Moreira de Melo representa o jornalista daquela redação popular que predominou nos anos 1950 e início da década de 1960, que conhecia tão bem seus leitores, que sabia de antemão como seria recebida uma nova coluna que UH ou Diário de Notícias estivesse lançando. Mino Carta pode ser considerado o jornalista inovador dos anos 1960, pela concepção de um novo modelo, a imprensa da classe média, que predominaria nos anos 1960 e 70, antes do surgimento da imprensa das grande lutas, como Diretas Já, e da imprensa cidadania, que veio a seguir. O lançamento do Jornal da Tarde e da revista Veja, nos anos 1960, viria a promover reformas em todos os grandes jornais do país, incluindo uma ênfase nunca vista aos serviços de entretenimento.

Engajamento geral

A TV Globo ganhou audiência no Rio e São Paulo com programas de alta dose de agressividade, como Dercy Gonçalves, Raul Longras (Rio) e Chacrinha, Telecatch e O homem do sapato branco, do Jacinto Figueira Jr. (São Paulo), a partir de 1965. Mas por trás desta artilharia havia um novo planejamento de marketing, cuidando da qualidade técnica e do profissionalismo do elenco, que foram os fatores decisivos para conquistar a liderança e durante 15 anos ser a Globo a emissora mais hegemônica de todos os tempos.

Jornais dominicais vendiam nos anos 1980 menos de 300 mil exemplares. A descoberta dos fascículos e outros atrativos adicionais aos exemplares levou Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo a imprimirem mais de um milhão cada um aos domingos. Foram os atrativos que venderam ou era um público já existente que precisava de uma chamada para atender seus próprios desejos e necessidades? Uma boa parte destes novos leitores continuaram a comprar Folha e Estadão, aumentando assim significativamente a circulação destes jornais.

Estou ouvindo neste momento A whiter shade of pale e me lembrando que seu criador, Johnny Rivers, quando esteve aqui pela primeira vez, foi perguntado pelos jornalistas sobre a Guerra do Vietnã, e disse apenas que não falava de política. Hoje, falar já não é mais nada: o artista que não estiver engajado politicamente não tem também público.

Ramo dinâmico

O que aconteceu nestes 35 anos? É mais bonito, ‘pega bem’, falar de política, agora? Ou foi o público que passou a ter uma visão mais crítica e está cobrando de seus ídolos atitudes que gostariam que estes tivessem?

Não foi por acaso que tivemos um jornalismo popular e outro de classe média, entre os anos 1950 e 1970, nem o jornalismo cidadania dos anos 1990. Também não foi por acaso que surgiu a Rede Globo, apesar de que para aqueles que têm uma visão social sectária trata-se apenas de interesses do capital internacional, aliado ao capitalismo nacional, que davam sustentação à ditadura. É claro que não foi só isso: a Globo já tinha um espaço antes de ela própria surgir; se não fosse a emissora do Roberto Marinho seria uma outra, de outro grupo.

A imprensa tem uma história, desde seus primórdios no Brasil do século 19, que demonstra ser este um ramo de atividade dos mais dinâmicos. Hoje, a IBM e outras grandes empresas estão sintonizadas em tempo real com os clientes, detectando todas as mudanças significativas e promovendo inovações rápidas para atender a estas mudanças. Pois nas redações isto não é novidade. A redação sempre sofreu grandes e profundas mudanças, a cada tempo não muito longo, e pequenas mudanças sempre, pois a resposta do cliente (o leitor) nunca deixou de ser muito rápida, também. O diretor de redação, o chefe de redação, o secretário, o jornalista sente a mudança e a necessidade de adaptação mais rápida do que qualquer profissional, mesmo o de marketing. Por isso, uma mudança segue a outra. A grande reforma do Estadão, ocorrida no ano passado, continua tendo seqüência nos dias atuais.

Ingênua acusação

Não é vontade do jornalista fazer mudanças, mas necessidade. Quem determina não é o profissional, mas mudanças no pensamento, na atitude, no comportamento do leitor e espectador. Os veículos de comunicação são fiéis a seus públicos. Há uma imprensa socialista, que atende a seu público, assim como há uma neoliberal, com público próprio também. Tanto o socialista como o neoliberal existe independentemente dos veículos de comunicação. O máximo que um jornal faz é organizar estas correntes em forma de leitores. E hoje, a partir da existência do leitor, cria-se também uma corrente de opinião, que cobra do veículo o comportamento coerente com o sentimento e a opinião dele leitor.

Quando o veículo de comunicação é lançado, desde o primeiro número, está se sintonizando com leitores e espectadores que têm afinidade com as idéias apresentadas em seus editoriais e matérias. Os jornalistas sabem que estes leitores e espectadores existem, mesmo que estejam dispersos. O que farão durante meses e até anos é organizar estas correntes de leitores e espectadores, que será seu público. Público, como se vê, que já tem opinião – e que agora se fortalece com a organização e a existência do porta-voz, o veículo de comunicação. Então, opinião pública não se cria. Organiza-se. Seria muita pretensão acreditar neste poder de criar, mudar e até acabar com a opinião de um certo público.

Por conveniência ou não, muita gente acusa a imprensa de criar ou mudar opinião de leitores e espectadores. O caso PT tem uma singularidade: a existência do ‘mensalão’ desde 2003 levantou uma cobrança da imprensa, que durante todo tempo nunca chegou a levar este assunto a sério, mesmo que tenha sido citado uma vez ou outra; só depois das denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson é que iniciou ampla cobertura e abriu suas baterias investigativas. É esta no máximo a cobrança que deve ser feita – não a ingênua acusação de ‘mídia golpista’. Se o golpe de se perpetuar no poder com mirabolante plano de corrupção não chegou ao fim que se esperava, a culpa não é dos jornalistas.

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Jornalista