Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Regulamentação das lan houses

As lan houses cumprem importante papel na sociedade ao garantirem acesso à internet a quase 40 milhões brasileiros, entre os quais estão 74% de todos os brasileiros das classes D e E que acessam a rede. Segundo dados do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), da população de 10 a 15 anos de idade, apenas 25% têm acesso à rede em suas escolas e, destes, 61% acessam a internet em lan houses.

Esses números comprovam que o papel de facilitador do processo de introdução de milhões de brasileiros de todas as faixas etárias ao uso da internet, com todos os benefícios a ele associados, é desempenhado pelos 108 mil proprietários de lan houses espalhados pelo Brasil. Os donos de lan houses, em geral, são nanoempresários atuando na economia informal. Não recebem nenhum tipo de suporte oficial para cumprir esse papel, o que limita sua atuação na introdução de seus clientes à utilização das ferramentas mais úteis na internet: redes sociais como ferramentas de empreendedorismo, e-mails como instrumento de empregabilidade, segunda via de taxas, tributos e contas de consumo, consultas a processos judiciais, emissão de certidões, acompanhamento de documentos oficiais, entre dezenas de outros serviços prestados hoje pela internet.

A tão ansiosamente aguardada regulamentação das lan houses, que passariam a ser oficialmente denominadas Centros de Inclusão Digital (CIDs), foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 19 de abril e seria recebida com entusiasmo pelos proprietários de lan houses, não fossem as emendas apresentadas no último momento ao texto original.

O anonimato e as ações ilícitas

Uma delas exige que os CIDs garantam acessibilidade a pessoas com deficiência, nos termos de regulamento próprio a ser posteriormente definido. Outra, a mais preocupante, manda que os CIDs cadastrem os usuários de seus equipamentos e sistemas com seus documentos de identidade. Não é preciso ser observador muito atento para concluir que as emendas propostas provocarão efeito contrário ao que pretendem produzir.

A exigência de garantias de acessibilidade, que, a exemplo de pretensões legislativas semelhantes, torna inviável a existência desse tipo de atividade em lugares onde é mais necessária – favelas, bolsões de pobreza e zonas rurais –, traz a empresários cujo faturamento médio bruto mensal é de R$ 3 mil a obrigação de investimentos incompatíveis com seus rendimentos. Mas é na obrigatoriedade do cadastramento de usuários, que implica a exigência de documento de identidade válido, que mora o maior dano. Na população com idade entre 10 e 15 anos, apenas 2% possuem RG. Assim, sancionada a emenda, estarão alijados do acesso à internet cerca de 1,6 milhão de brasileiros que hoje utilizam as lan houses para fazer desde suas pesquisas para a escola até o simples digitar e impressão dos seus trabalhos escolares. Se considerarmos todo o universo de estudantes, de todas as idades, que hoje utilizam lan houses, mas não têm carteira de identidade, estariam excluídos 8 milhões de brasileirinhos das facilidades da internet.

A emenda de cadastro foi defendida sob a tese de que o anonimato potencializa ações ilícitas, mas os números do mesmo CGI.br não dão suporte a esse argumento: só 11,6% dos incidentes de segurança têm origem em lan houses, que são responsáveis por 45% do total dos acessos à rede. Explica-se: as lan houses são ambientes públicos, só isso é um eficiente fator de inibição de más práticas. Ninguém se sentiria confortável em tirar a roupa num ambiente público, tampouco veria imagens ilícitas com pessoas passando às suas costas ou sentadas ao seu lado.

Democratização do acesso à informação

Na falta de comprovação estatística, restaria para fundamentar as emendas apenas o preconceito dos que acreditam que, num ambiente em que três a cada quatro pessoas têm renda de até um salário mínimo, a rede seria usada por tais pessoas só para atividades ilícitas, criminosas ou moralmente inapropriadas.

A internet é um novo meio de comunicação. Os e-mails já substituem as cartas; o Skype e outras ferramentas de Voip já são mais atrativos como comunicadores de voz que o telefone tradicional. Teria sentido exigir a apresentação do RG para enviar uma carta ou usar o telefone público? É isso que a emenda sugere ao usuário de internet. Condicionar o seu acesso ao porte de identidade, mas não para todos: somente para aqueles que dependem das lan houses de todo o país para ter acesso à internet – os mais pobres!

Ninguém considera razoável que se responsabilizem os Correios pela incapacidade de identificar o real remetente de uma correspondência, ou a companhia telefônica ao se receber um trote ou coisa pior. No entanto, essa incoerência jurídica, o cadastro, traz a responsabilidade civil sobre o que é feito nos espaços para os donos de lan houses. Não entendemos fazer o cadastro de usuários como um problema. Somos contra a sua obrigatoriedade por meio de legislação federal. As emendas ao projeto original, portanto, precisam ser retiradas no Senado, ou no Executivo, pois põem em risco a consolidação de todo um longo e positivo processo de inclusão digital da população menos assistida.

Também está sob risco o fundamental trabalho de formalização das lan houses como prestadoras de serviços indispensáveis ao cidadão contemporâneo, nos rincões menos favorecidos pela atuação do Estado.

Temos, no setor, esperança de que o texto volte ao seu formato original. Tão ruim quanto aprová-lo nesses termos é não aprová-lo ou demorar a fazê-lo. Precisamos da regulamentação para que efetivamente possamos levar a internet a todos os brasileiros de maneira complementar e diversificada. Temos fé que o Brasil que precisamos construir, com oportunidades para todos, depende do êxito dos esforços de todos nós na democratização do acesso à informação.