Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalista bom ganha mais cliques?

As maneiras para se cobrar por um conteúdo jornalístico na rede não param de surgir. Depois das dezenas de investidas de grandes jornais ao criarem assinaturas digitais para o conteúdo que estiver na web – o que gerou recentemente uma queda de mais de 5% no tráfego do New York Times –, há alguns gurus que apontam a solução dos cliques. Matéria com maior número de visualização ganha mais, o que consequentemente daria maior remuneração ao jornalista que recebesse tais cliques.

O jornalismo quer cobrar dos leitores. O jornalismo quer cobrar dos autores. O jornalismo está tão freneticamente perdido que já confunde o público dos bastidores. Um número maior de cliques não significa, necessariamente, um texto mais bem elaborado. Um artigo com centenas de milhares de cliques nem sempre é o que foi mais trabalhoso e o que possui maior teor jornalístico relevante para a sociedade.

Em uma primeira análise superficial, a ideia até que é interessante. Você remunera melhor quem trouxe mais tráfego para seu portal. Porém, observando com mais foco, se grandes e renomados jornais querem cobrar por visualizações, que pendurem uma melancia no pescoço, abusem do sensacionalismo barato ou apelem para reportagens de cunho mais popular, gerando a curiosidade de quem ‘passa’ pela avenida digital de informações.

Jornalismo digital é apenas jornalismo

Se por um lado a cobrança do conteúdo digital afasta os leitores, a remuneração via cliques pode fazer com que uma matéria ou artigo realmente bom seja modificado apenas com o intuito de receber mais visualizações. Os temas mais delicados, como política ou economia, poderiam sofrer avalanches de deformações e olhares afastados somente em busca da audiência. Perde-se, nesse caso, credibilidade e relevância. Aquele determinado jornalista ganha mais porque recebe mais cliques ou recebe mais cliques porque sabe mais?

Os textos mais ‘sérios’ e estruturados poderiam, nesse contexto, perder o pouco espaço que ainda possuem entre os mais jovens. A superficialidade tem campo fértil para sobressair sobre o jornalismo apurado, formulado e contextualizado. A lógica quantidade versus qualidade não se aplica de maneira simples ao jornalismo. Jornalismo é conteúdo, é credibilidade, e não número de cliques e visualizações. Tanto é que os grandes portais noticiosos não utilizam apenas tais estatísticas para emplacarem confiança; eles utilizam qualidade para se consolidarem como meio de comunicação jornalística.

Seguindo essa linha de raciocino, quem recebe mais cartas na redação ganha mais? Nesse caso, o colunista da Veja Diogo Mainardi deveria ser o mais bem remunerado de todos os tempos nos corredores da Abril. A proposta é inovadora, mas inusitada. Buscar a todo o custo números no lugar de conteúdo pode ser um agravante ainda maior para a cristalização do jornalismo digital. Isso demonstra apenas a falta de rumo e a insegurança que os grandes meios estão tendo. Jornalista deve fazer jornalismo e não barganha por cliques. Jornalismo digital é apenas jornalismo e nada mais. O resto é só consequência.

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Jornalista, blogueiro, pós-graduado em Assessoria de Imprensa, Gestão da Comunicação e Marketing e pós-graduando em Política e Sociedade no Brasil Contemporâneo, São Paulo, SP