Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Reportagem de pequeno jornal é premiada

O periódico americano The Milwaukee Journal Sentinel, do estado de Wisconsin, ganhou o prêmio Pulitzer 2011 de melhor reportagem explicativa. A premiação ocorreu na segunda-feira (18/4). O jornal vinha acumulando indicações nos últimos anos, sempre apostando no poder das notícias locais. Foi premiado em 2008 e agora, em 2011.


A notícia correu mundo. Logo apareceu no El País, na seção ‘Última Hora’. Apresentando uma foto da redação do jornal americano, o periódico espanhol ressaltou o papel da equipe de médicos americanos ‘que ousou ir além das fronteiras da medicina convencional, para um caso de doença desconhecida’ e que havia se manifestado no menino Nicholas Volker, de 4 anos, acrescentando um link para a publicação americana. Deu também uma foto da redação do jornal de Wisconsin comemorando a conquista do prêmio.


O New York Times fez uma abordagem mais convencional e menos humanitária da premiação. Primeiro informou suas premiações: melhor comentário para David Leonhardt, ‘por sua graciosa penetração em questões econômicas da América, do déficit fiscal federal às reformas no sistema de saúde’. O jornal de Nova York também venceu em melhor reportagem internacional, com Cliford J. Levy e Ellen Barry, ‘por sua pertinente reportagem, que pôs um rosto humano no titubeante sistema judiciário da Rússia’.


‘Ao contrário de outros anos’, continuou o New York Times, ‘os prêmios, que são administrados pela Universidade Columbia, foram concedidos a uma variedade grande de jornais, ao contrário do que vinha acontecendo nos últimos anos, quando estiveram concentrados nas mãos de uma ou duas publicações. Pulitzers são destinados a treze categorias de jornalismo e a sete categorias de arte.’ Depois de informar os nomes de alguns ganhadores, o NYT fechou a matéria com a lista de premiados. [A lista completa da premiação encontra-se na página do Pulitzer.]


Doenças degenerativas


Os grandes vencedores, entretanto, foram os integrantes da redação do The Milwaukee Journal Sentinel (praticamente desconhecido da mídia internacional) envolvidos com a reportagem da criança portadora do mal desconhecido e, até então, sem perspectivas de cura.


Matérias sobre doenças, principalmente as desconhecidas e as incuráveis, não costumam estar presentes com a frequência que deveriam nos jornais do mundo todo. Mas a dedicada equipe do pequeno periódico de Wisconsin iniciou sua série de reportagens mesmo assim, depois de uma ‘dica [recebida] em janeiro, dois meses depois do caso tornar-se público. Especialistas da Universidade de Medicina de Wisconsin haviam obtido a sequência do DNA do menino no Hospital de Crianças de Wisconsin. No início de 2010, somente outro caso de médicos acompanhando a sequência de genes para obter um diagnóstico foi reportado na literatura médica, e recebeu pouca atenção na mídia popular’, registrou o informativo de Milwaukee. ‘Os repórteres Mark Johnson e Kathleen Gallagher receberam permissão da família de Nicholas Volker para contar a história de como os genes de Nicholas foram sequenciados e como os médicos usaram a informação para tratá-lo. Os repórteres entrevistaram mais de 60 pessoas, incluindo membros da família Volker, os médicos e enfermeiras que trataram Nicholas, os cientistas que manipularam sequenciaram e analisaram sua amostra de DNA, e especialistas em medicina genômica.’


A tarefa foi hercúlea e extenuante, para todos os envolvidos na reportagem. O Milwaukee Sentinel continua: ‘Eles ainda acompanharam Nicholas nas visitas médicas. Os repórteres visitaram o laboratório na Escola de Medicina para observar cientistas a sequenciar o DNA. (…) Um bom número de fontes escritas foi usado. Os repórteres leram o diário online de Amylinne Volker [mãe do menino], de 500 páginas, registrando mais de três anos de tratamento de seu filho. Somado a isso, eles leram o livro de James Watson DNA: O Segredo da Vida (DNA: The Secret of Life. New York: Random House. ISBN 0-375-41546-7, 2003; Watson foi diretor do Projeto Genoma e é uma das maiores autoridades na área), e mais de três dezenas de artigos médicos e científicos’.


O trabalho foi duro. A enfermidade autoimune – e desconhecida pela medicina – manifestava-se através de ataques do próprio organismo da criança ao seu cólon. O ataque do organismo a si mesmo é a característica principal da doença autoimune. Pústulas apareciam sobre o corpo e o conteúdo do intestino vazava através delas.


Impossibilitados de examinarem todo o genoma do menino (o custo seria proibitivo), os médicos partiram para uma terapia radical, reportou The Milwaukee Journal Sentinel: ‘Em vez disso, eles planejaram voltar suas atenções para apenas um pouco mais de 1% dele: os exons – parte do gen que carrega as instruções para fazer uma proteína. E o segredo para a descoberta da cura das doenças degenerativas, como o Mal de Alzheimer, a esclerose múltipla e a Doença de Huntington, está nas proteínas. A falha de um organismo em produzi-las corretamente leva a esses tipos de doença’, explicou o jornal.


A cura


O pequeno diário do Meio-Oeste americano, que sempre brilhou com as notícias locais, agora ascende a um patamar mais elevado. Sua escolha humanitária trouxe para todos os jornalistas a lembrança de seu compromisso humanístico. E isso é muito significativo agora, quando muitos médicos, encantados com os avanços da ciência – e os lucros daí advindos – apontam para o desenvolvimento de uma medicina ‘não-hipocrática’. Ou seja, uma prática desprovida de qualquer compromisso ou compaixão pelo sofrimento alheio. Medicina sem compromisso social.


A premiação dessa reportagem significa uma vitória para todos que lutam por uma prática médica que utilize o potencial da ciência em benefício de todos. E não somente para uns poucos que podem pagar pelos avanços da pesquisa médica de ponta.


Por seu desprendimento, dedicação e compaixão acima de tudo, a redação do Milwaukee Journal Sentinel cobriu-se de glória. Porque é obrigação – e responsabilidade – de todo jornalista não somente relatar e mostrar graficamente o sofrimento humano, mas irmanar-se na busca do impossível, do inusitado e do impensado para aliviar a dor de seus semelhantes. Por tomarem essa causa com tanta dedicação e desinteresse, a equipe da reportagem premiada levou o jornalismo à sua dimensão mais nobre. O prêmio foi o reconhecimento por um trabalho jornalístico de primeira qualidade.


Nicholas Volker está curado. Depois de 120 dias, voltou para a casa dos pais e leva vida normal.

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Mestre em Planejamento urbano e regional, consultor e tradutor