Veículos alternativos de comunicação se multiplicam no país, mas a qualidade da comunicação ainda é precária entre os brasileiros. Embora tenhamos diminuído o número de analfabetos nos últimos 20 anos, ainda estamos longe das grandes edições inglesas de milhões de exemplares e de milhões de acessos via internet. A imprensa alternativa brasileira já teve seu apogeu: foi quando serviu de bandeira em dois momentos históricos de combate às ditaduras: em 1938-45 e em 1964-85.
No primeiro momento, ela ainda engatinhava sob o impacto da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Não era suficientemente organizada, tinha na panfletagem sua característica predominante e vivia de um residual de difusão dos partidos políticos ou de tendências políticas de esquerda e direita. No segundo momento, mais organizada por quadros profissionais não egressos de partidos políticos, porém com mais consistência técnica e uma visão social mais ampla. Sob esse aspecto, vale citar dois veículos que posteriormente se projetaram: o semanário Movimento (hoje, Retratos do Brasil, revista semanal impressa e virtual) e o mensário Versus (hoje transfigurado no semanário virtual Via Política, com uma visão social mais latino-americanizada e cultural mais diversificada).
Embora esses dois veículos se constituam frentes de atividade jornalística independente, o primeiro se distingue do segundo por suas tendências políticas governistas claras. Enquanto o primeiro se esforça por um engajamento político de alinhamento aos governos do PT, o segundo abriga posições políticas mais consistentes com a realidade sociopolítica brasileira. A diversidade dos pontos de vista é seu cardápio editorial principal, com uma visão da cultura brasileira ampla e sem arestas. Talvez daí, o universo da acessibilidade do segundo ser maior do que o primeiro.
Show jornalístico em Pernambuco
O enfoque social da maioria dos veículos de comunicação de caráter virtual não mudou do advento da imprensa virtual para cá, apenas se atualizou em relação às novas demandas e realidades políticas. Como de 1960 para cá inverteu-se a formação da população brasileira, que pulou de 60% rural para 40%, e de urbana, de 40 % para 60%, evidentemente isso influenciou na destinação dos conteúdos, tendência forçada pela internet: a maioria do público com acesso à rede mundial de computadores se concentra nas cidades, e não no meio rural.
A comunicação alternativa se multiplicou com a internet sob a forma de milhares de blogs, que nada mas são do que a transformação do que antes era apenas um consumidor de informação em agente produtor de informações, ideias, pontos de vista. São milhares de formadores de opinião que passaram a interagir nos veículos tradicionais, interagindo mas não transformando seus conteúdos.
Não se pode negar que o número de leitores da imprensa alternativa aumentou, não só devido ao aumento da população, como também o acesso à informação virtual, mas ainda assim estamos longe das tiragens de milhões de exemplares da imprensa inglesa e francesa e dos seus milhares de acessos via internet. Por quê? Porque ainda não cultivamos o hábito de ler, ou seja, não lemos como rotineiramente comemos e bebemos água. Isso não significa que, junto com as alterações dos nossos hábitos com o próprio processo de acumulação de capital, esse costume não venha a mudar brevemente.
No Recife, nasceu uma experiência incomum, liderada pelo jornalista Ivan Maurício. De um jornal virtual, que pretende, pelo andar da carruagem, converter-se no maior jornal do Nordeste. É O Nordeste, que começou a reunir 100 blogs de cada estado da região, estimulando a formação de um exército de 900 repórteres bloguistas. Pela primeira vez, o estado de Pernambuco começa a dar um show jornalístico nacional: não há nada que aconteça na região que O Nordeste não revele em detalhes pontuais, inclusive com fotografias, com uma cobertura nunca vista. Assim, em pouco tempo, embora isso tome todo o tempo do Maurício, os grandes jornalões de Pernambuco, como Jornal do Commercio e Diário de Pernambuco, estão sendo desbancados da sua arrogância imperial.
A contradição interna do PT
Na década 2000-10, graças ao movimento pendular do partido no poder, o PT, o Brasil perdeu a grande chance de transformar as rádios e TVs comunitárias em grandes veículos de comunicação popular. Ao invés de estimular o aparecimento e a consolidação desses veículos alternativos, o governo do PT só fortaleceu os veículos comerciais, em sua maioria controlados por parlamentares e empresários vinculados ao poder.
Quem produziu até hoje o melhor documento sobre isso foi a equipe do Observatório da Imprensa, único e categorizado veículo de crítica da mídia brasileira, o sinal inaugural dos novos tempos da imprensa brasileira. Nas redações da grande mídia, o Observatório ainda não foi totalmente absorvido porque os ranços e preconceitos jornalísticos o veem como uma forma de dirigir as redações de fora delas, quando seu objetivo é estimular uma cada vez maior qualificação dos produtos jornalísticos.
Ao invés de buscar a criação de uma nova legislação para o setor, promovendo a limpeza nas concessões ultrapassadas e ilegítimas, o que fez o governo do sr. Lula, por exemplo? Obstruiu ao máximo o acesso das comunidades aos canais alternativos, desestimulando as associações de moradores de todo o país a abrir suas comunicações com a população e perseguindo, com a apreensão de equipamentos, aquelas que insistiam em manter seus canais. O empenho da Anatel em obstruir essa caminhada das novas lideranças para a instalação desses canais só tem paralelo na pressão da repressão aos movimentos populares na época da ditadura militar.
O conluio do PT nos estados às forças conservadoras a que, antes de assumir o poder, aparentemente se opunha, ficou às escâncaras, revelando a contradição interna do partido e seu governo, que assim traía a massa de trabalhadores do setor. E para mantê-los perto do partido, entregou-lhe os espaços na CUT-Central Única dos Trabalhadores, instrumentalizando-os para o parlamento.
Rádios comunitárias ilegais
Um exemplo de comunicação alternativa positiva vem da Costa Oeste dos EUA, principalmente da Califórnia, onde há notícias de que rádios comunitárias, que independem de concessões de canais de governo, são mantidas pelos ouvintes e alimentam grandes audiências. Nos EUA, o governo abriu os canais e quem for norte-americano pode instalar sua rádio comunitária. Nem por isso houve invasão de forças políticas externas lá até agora, nem o estabelecimento político mudou.
Na América Latina, onde a baixa escolaridade predomina na área política e fora dela, ainda ocorrem dificuldades, como a que se registrou em 2005 em Maceió, Alagoas. Reuni, no bairro do Tabuleiro do Martins, o então deputado federal Jurandir Boia (PSB) e 23 dirigentes das 23 rádios comunitárias ilegais, todas no ar com a suposta cobertura de políticos profissionais, que juravam de pés juntos que não permitiriam seu fechamento, fosse por quem fosse. Então propus que estudassem a fusão dos grupos, já que pela Anatel só cabiam geograficamente no máximo cinco rádios no Tabuleiro. E com a fusão, o deputado Boia, membro da Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados, buscaria a autorização para o funcionamento delas.
Mídia pode servir à população
Pasmem: nenhum dirigente de rádio comunitária aceitou a proposta. E foram advertidos que corriam o risco de interdição e apreensão dos equipamentos proximamente, caso não tomassem uma providência imediatamente. Todos se pronunciaram e disseram que por trás de cada um havia um deputado, um usineiro, um prefeito, um vereador, um empresário para segurar a barra política de cada rádio. Em menos de 15 dias, a Polícia Federal de Alagoas interditou e apreendeu os equipamentos de todas as emissoras. E seus dirigentes foram obrigados, como condenação, a doar cestas básicas mensalmente a alguma instituição por um prazo de seis meses a um ano. E se insistissem, seriam presos.
O Observatório da Imprensa já desenvolveu um processo administrativo visando à atualização da documentação caduca de praticamente 90% dos veículos de comunicação do país. Tudo foi encaminhado ao primeiro governo Lula e ao Congresso, que não deram bola. E tudo continua como sempre esteve: caduco e nas mãos dos políticos. No segundo governo Lula, ensaiou-se uma Conferência Nacional de Comunicação. Criou-se uma onda política tão grande em torno da ideia da conferência que ela acabou não acontecendo segundo sua proposta original, qual seja, a de se recriar as comunicações do Brasil, colocando-a a favor da população, e não apenas dos interesses empresariais.
Sabe-se que, mesmo sob o capitalismo, os meios de comunicação podem servir à população. Quem pode direcioná-los politicamente é a população, já que os anunciantes se pautam pela audiência. Ora, quando a população for 100% escolarizada e consciente, os veículos usados para manipulá-la perderão seus espaços e desaparecerão.
Isso vai demorar? Claro. Mas o começo é pelas eleições municipais.
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Jornalista e escritor, autor de O voo do gafanhoto – narcotráfico, organização social, amor em tempo de paz