Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um jornal no fundo do poço

Tempos atrás recebi em casa uma proposta para voltar a ser assinante do jornal Falha, ops… Folha de S.Paulo (eles não admitem brincadeiras… eles não estão de brincadeira…). Como sou lixeiro por natureza, guardei a listinha de 20 itens para um dia usar. O dia chegou. Fui assinante do periódico durante anos, mais por dever de ofício que, propriamente, por gosto. Um dia desisti de tantas meias e falsas verdades e deixei de assinar qualquer coisa. Acompanho tudo pela internet e, sinceramente, não sinto falta. Quando devo ter acesso a algum conteúdo ‘exclusivo’, é fácil achar. Não existe tanta exclusividade na World Wide Web e isso, como sabemos, amedronta muita gente.


Após o episódio que culminou com a demissão dos colegas jornalistas Alec Duarte, então editor-assistente de política da Folha, e a repórter Carolina Rocha, do Agora SP, simplesmente por escancararem uma prática comum no jornalismo via Twitter, a joia mais ‘importante’ da família Frias não poderia ter chafurdado mais na lama da falsidade e da falta de ética. Tudo fica ainda mais patético porque a decisão contou com o beneplácito de sua ouvidora (ombudsman) Suzana Singer que teria, ao menos em tese, a função de representar os anseios do leitor perante o jornal.


Questiono, por exemplo, o porquê de o editor e do redator que ‘mataram’ Romeu Tuma antes da hora e beneficiaram diretamente a candidatura de Aloysio Nunes Ferreira, não terem ido para o olho da rua. Terá sido mesmo um engano? Ou a coisa foi plantada para beneficiar o senador tucano? Mistério? Nem tanto…


Quer dizer, então, que uma ‘barriga’ desse tamanho – matar uma pessoa antes da hora – pode e brincar que o material sobre a morte de José Alencar já está pronto não pode? A morte de Alencar era, digamos, algo incerto, mas já sabido. Era só aguardar o momento e seria amador o veículo de comunicação que não se tivesse preparado para o fato. Outras biografias já estão prontas, independentemente do estado de saúde dos famosos, só aguardando o desfecho, pois, como diriam os poetas, a morte é inexorável.


A Folha de S.Paulo deve imaginar que seus leitores são imbecis e que eles não sabem quando estão sendo enganados. Eles sabem. É que a maioria desses mesmos leitores não está nem aí para nada e acha que ler a Folha ou sua ‘prima’, a revista Veja, lhe dá um status plenamente aceito pela nossa sociedade.


Mocinhos e bandidos


Vamos então à listinha preparada pela Folha de S.Paulo para me convencer de que devo voltar a ser um assinante. Após cada item, seguem meus comentários:


1. O mais completo jornal do país


Completo sob qual ótica? O jornal tem uma cobertura razoável no estado de São Paulo e superficial no restante do país, como em Brasília ou Rio de Janeiro. O norte e nordeste do Brasil não existem para a Folha, exceto quando acontece alguma catástrofe;


2. Os melhores colunistas do Brasil


Há gente boa que escreve na Folha, reconheço. Mas a maioria – os ‘calunistas’ da Folha – se acha o dono da verdade, naquela linha ‘se o mundo não se encaixa na minha teoria, então há algum problema com o mundo’;


3. Uma visão mais ampla dos acontecimentos do mundo


Impossível. Não há nem uma visão ampla dos acontecimentos do Brasil… O que dirá do resto? Quando muito, a Folha vai na linha da visão ocidental dos fatos ou, de preferência, reproduz textos de agências e colunistas internacionais;


4. Você pode alterar o endereço de entrega por um período, como no caso de férias


Oooohhhhh! O que seria das minhas férias ou do meu final de semana sem a companhia da Folha?…;


5. Pluralidade de opiniões


Bobagem. Não é porque vez em quando vem um tema ‘relevante’ com uma opinião ‘Sim’, e outra ‘Não’, que o jornal é plural. Pluralidade deveria ser vista e usada na apuração dos fatos. Sabe aquela primeira lição do bom e ético jornalismo – ouvir os dois lados – e formar opinião? Esqueça. A Folha já definiu seus mocinhos e bandidos. Eu, por exemplo, como escrevo sobre o funcionalismo público, serei sempre um bandido tentando provar que não cometi nenhum crime;


Terreno na Lua


6. Uma grande variedade de cadernos


Verdade. Cópia do ‘primo mais velho’, o jornal O Estado de S. Paulo, que a Folha sempre ‘não quis’ copiar. Ah… se a Folha soubesse que a maioria lê o caderno de Esportes e o de entretenimento…;


7. Análise dos acontecimentos com profundidade


Nada. Cobertura rasa e parcial de tudo. Preferencialmente com a visão ‘oficialista’, para que se dê respaldo e ‘credibilidade’ ao jornal;


8. Transparência nos artigos


Sim. Transparência nos artigos que interessam. Certa vez um amigo me disse: ‘Quando leio o Estadão, sei qual é o lado deles. Quando leio a Folha, sei que eles querem me enganar dizendo que não têm um lado…’;


9. Visual moderno, limpo e de fácil entendimento


Fato. O rótulo tem que ser bonito para vender. Não importa o conteúdo;


10. A conveniência de receber seu jornal em casa


… e a ideia de tirar você da banca. Vai que você descobre que existe vida inteligente além dos limites da Alameda Barão de Limeira… Acredite! Há, sim, vida inteligente no jornalismo brasileiro;


11. Independência


… ou morte. Não há o que comentar. Vender independência no jornalismo é como vender terreno na Lua. Todos defendem uma posição. Só não vale ser hipócrita. Quando faço um texto enaltecendo aspectos da luta do funcionalismo, claro que estou a defender um lado, até porque já temos muita mídia (oficial e extra-oficial) contra. Tento, sem muito sucesso, equilibrar um jogo naturalmente desigual;


Uma informação que beira a soberba


12. Liberdade na apuração dos fatos


Nada. Já participei de episódios em que o jornalista até ouviu os dois lados, como manda o figurino. Na hora do texto, depois de editado etc. e tal, a lauda trazia a versão oficial na íntegra e, do nosso lado, uma citação, quando trazia. No começo, cheguei a questionar os coleguinhas que me explicavam ser culpa do editor e o nível de hierarquia ia subindo. Depois desisti;


13. Referência para você debater assuntos da atualidade


… que é aquele lance que eu falei do status. Tem gente que acha que barzinho bom é só aquele que sai no Guia da Folha. Tem outros que acham que os donos da página 2 do jornal são verdadeiros gurus a proferir a mais arrebatadora verdade. Conheci gente que lia a página 2 da Folha e achava que sabia de toda a verdade universal…;


14. Informação de qualidade


…de acordo com os interesses. Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei;


15. Acesso ao conteúdo oferecido pela Folha Digital


Na mais pretensa linha ‘Pink & Cérebro’ e nós vamos dominar o mundo;


16. Descontos exclusivos em coleções lançadas pela Folha


Verdade! O conteúdo pouco interessa. Vamos ao jornalismo fast food. Compremos o jornal e levemos inteiramente ‘de grátis’, dicionários, CDs, DVDs e outros brindes. Mais ou menos como aquela grande cadeia de sanduíches, que nem paga um salário mínimo aos seus escrav… ops… funcionários! Peça o seu lanche e leve os brinquedinhos. A qualidade da comida pouco importa.


17. Visão crítica do Brasil e do mundo


… sempre sob a ótica da Alameda Barão de Limeira. Mais uma informação que beira a soberba. A Folha só se lembra do Jardim Pantanal, aqui em São Paulo, quando inunda, e de Parelheiros, para fazer alguma matéria ‘cultural’ ou de ‘ambiente’, que mais beira a calhau por falta de assunto;


Sem sentido e rumo


18. Análise dos acontecimentos sob os mais diversos ângulos


Quanto mais obtuso esse ângulo, melhor. Lembremos que o obtusângulo é um ângulo que tem mais de 90º e menos de 180º, ou seja, algo naturalmente limitado e que não enxerga os 360º dos fatos;


19. Uma linguagem atual, clara e objetiva


Sempre com o intuito de convencer você de que eles são os arautos da democracia, mas de uma forma moderninha, quase um bate-papo;


20. Opção de entrega em um endereço nos dias de semana e em outro nos fins de semana


Volte ao item 4…


Por tudo isso, e mais o conjunto da obra, não pretendo voltar a ser assinante da Folha ou de qualquer outro veículo. Muito do que relatei acima pode ser aplicado a 95% do jornalismo brasileiro.


A questão da Folha de S.Paulo é a seguinte: nos anos 1980 ela foi importante ao equilibrar a relação de força com o Estadão. Este representava a opinião da classe dominante. Aquela flertava com as massas e adotava uma postura liberal e moderna. À medida que a Folha foi crescendo transformou-se num braço comprido do poder de plantão, definido por muitos como o quarto poder. O Estadão continua a ser o mesmo. Pegar um exemplar hoje ou de 30 anos atrás, noves fora nada, dá quase na mesma.


A Folha perdeu o sentido e perdeu o rumo. Virou uma caricatura de si mesma, despencou sua tiragem de mais de 1 milhão de exemplares nos anos 1990 (nos tempos de Matinas Suzuki e o ‘Folhão de Domingo’, cópia deliberada do Estadão), para menos de 300 mil hoje, foi ultrapassada ano passado pelo Super Notícia, de Minas Gerais, como líder nacional em circulação e agora demite jornalistas apenas pelo óbvio ululante.


A Folha não poderia ter ido tão fundo no poço de seu próprio lamaçal.


Agora entendo quando alguns amigos, jovens, há mais tempo diziam-me que não há nada pior ‘que comunista arrependido’.


Por isso que digo: Folha… Não dá para ler.

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Jornalista, São Paulo, SP