Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A pior das tragédias é não aprender com elas

Sabe qual é a questão mais perturbadora em tragédias como esta da escola em Realengo? As discussões que as pessoas levantam depois de um fato tão extraordinário são as mais rasteiras, menos produtivas e escondem a raiz do problema. O mais triste é que mesmo depois de um fato tão chocante como este, absolutamente nada de importante será feito. Lembra do menino João Hélio? Foi arrastado preso ao cinto de segurança depois que bandidos roubaram o carro dos pais. Escutei bravatas, políticos indignados, discursos com advento de novas leis, leis mais severas, diminuir a idade penal, já que um dos bandidos tinha 17 anos. Sabe o que foi feito? Nada. Sabe a lição que tiramos daquele fato? Nenhuma.

Pior de tudo é que o nada feito ainda foi melhor. Porque as soluções levantadas não resolveriam o problema. Ou melhor, não evitariam que ele porventura se repetisse. É desesperador ver a histeria de quem deveria ter a cabeça no lugar, de quem tem posição para mudar algo sem conseguir avaliar que o fato chocante não é o problema, e sim, o resultado de algo muito mais grave e profundo. Punir o autor com a lei mais severa que se possa imaginar não resolverá nada.

Costumo dizer que o Brasil é aquele paciente que sofre de um problema hepático grave e que gera dor de cabeça. O que nós fazemos? Tomamos remédio pra dor de cabeça. Quando o fígado piora e a dor de cabeça aumenta, o que fazemos? Mais remédio pra dor de cabeça, é óbvio. Tratar o fígado dá muito trabalho. A dor de cabeça passa na hora com remédio.

Solidariedade, em termos

Vi a infeliz entrevista de um vereador do Rio de Janeiro dois dias depois do fato lamentável. Ele disse que precisava aumentar a segurança nas escolas. Também ouvi que a violência contra a criança deveria ser punida com mais rigor. É difícil acreditar que a miopia dessas pessoas seja tão severa – e vamos incluir a mídia, que nos enche com debates vazios. Se o fato tivesse acontecido em um shopping (como já ocorreu em São Paulo, dentro de um cinema), deveríamos então nos preocupar com a segurança dos centros comerciais? Ou se o assassino tivesse trancado uma rua e atirado em motoristas, aí estaríamos falando de segurança no trânsito?

O tapa na cara que recebemos do menino que cometeu este crime pode ser encarado de dois jeitos. Podemos ficar demonizando o garoto, dizer que precisamos de mais policiais nas escolas, banalizar a facilidade de se conseguir arma no Brasil (afinal, a arma sozinha não mata ninguém), detector de metal nas escolas, leis mais severas em crimes contra a criança e por aí vai, a lista é extensa. Podemos também entender que a grande maioria de crimes bárbaros como este é resultado de exclusão social, falta de oportunidades, marginalização do mais fraco, que nossa conivência também faz parte do problema e admitirmos que no Brasil nós não cuidamos das pessoas – preferimos nos proteger delas.

Será que não existe nenhuma semelhança deste caso com o do ônibus 174? Um menino chamado Sandro – pobre, excluído, com sinais de patologia psicológica, sempre ficou à margem. Sequestrou um ônibus, queria dar seu recado, queria dizer que era gente e que só tinha meios de fazer isso através da violência. Morreu asfixiado por policiais do Bope, dentro de um camburão, depois de uma operação desastrada que resultou na morte de uma refém.

Será mesmo que o brasileiro é um povo solidário? Depende. Se ser solidário é ser solícito durante as catástrofes naturais, mandar mantimentos e roupas para as vítimas, ajudar na procura por sobreviventes… então, o brasileiro é solidário. Mas se for olhar para o lado e ajudar quem passa periodicamente por dificuldades, não fazer pouco caso de quem obviamente tem uma dificuldade grave, quem anda diferente, quem fala diferente, quem não tem voz, quem não tem chance, indignar-se e perceber que não é normal ter uma legião quase interminável de excluídos, miseráveis e desassistidos – então, o brasileiro não tem nem um pingo da tal solidariedade.

Exclusão gera uma reação

Brasileiro só protesta quando o time dele cai para a segunda divisão, para pedir paz que nunca vem – porque protesto por paz não resolve o problema e aqui em Curitiba estudante protesta pela meia passagem no transporte público. E quando o brasileiro tem a chance de fazer algo, escolhe errado, para depois pedir paz. No plebiscito que poderia banir as armas, 73% deles acharam que ter direito a arma resolve o problema e votaram ‘Não’ – contra a proibição da comercialização de armas de fogo e munições.

Atentados como os do Wellington, Sandro e outros tantos mostram o óbvio: estamos excluindo sistematicamente quem mais precisa de ajuda. E esta atitude cobra um preço – gera uma reação. Reação que não se resolve com mais polícia, com mais leis, com muros mais altos, com mais raiva ou com mais remédio pra dor de cabeça. Vamos resolver isto quando dermos chance pra quem vive à margem e quando o país com 5ª maior economia do mundo também tiver a 5ª população mais rica do mundo.

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Jornalista, Curitiba, PR