Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Qual o espaço para a objetividade?

Entre 13 e 15 de abril realizou-se o IV Compolítica na UERJ e gostaria de fazer um rápido balanço de duas mesas que tive a oportunidade de acompanhar: as referentes à ‘Mídia e Democracia’ e ‘Jornalismo e Política’. Para os que não conhecem, trata-se de um encontro nacional que reúne pesquisadores das áreas de Comunicação e Ciência Política que se dedicam a estudar justamente os pontos de contato entre a política e a mídia. Foi neste encontro que também se lançou o primeiro número da revista eletrônica Compolítica, que pretende reunir debates sobre os estudos nessa área.

Algo muito significativo lembrado por Afonso de Albuquerque (UFF), atual presidente do Compolítica, é que os estudos têm proliferado de forma tão intensa que praticamente já não é possível ver pesquisadores trabalhado a questão da relação mídia-política exclusivamente a partir dos paradigmas teóricos de suas disciplinas específicas, fazendo surgir um campo de investigação novo que, de fato, reúne Comunicação e Ciência Política.

Das diversas discussões surgidas nas duas mesas, uma me chamou a atenção e gostaria de compartilhá-la neste momento. Trata-se da questão da ‘objetividade’ do jornalismo. Luiz Felipe Miguel (UnB) foi quem inaugurou esta questão ao dizer que as noções de ‘imprensa burguesa’ e ‘imprensa proletária’ praticamente deixaram o vocabulário acadêmico e não teriam deixado saudades, já que a questão central não seria esta vinculação a uma determinada classe social, e sim, o ‘pluralismo’, ou seja, para a saúde da democracia nada mais importante que, de alguma forma, assegurar-se não uma pluralidade, necessariamente, de meios, mas de ‘perspectivas sociais’. Isso, sim, quebraria com o atual modelo de informação única e reproduzida incessantemente. Isso é inquestionável, pois quem vai negar a pluralidade de meios na atualidade? E quem vai negar que, mesmo diante dessa pluralidade, o que predomina é a informação única que é incessantemente repetida?

A tentativa de imparcialidade e neutralidade

Algumas questões aqui poderiam ser levantadas: essa pluralidade de perspectivas sociais já não existe, embora através de meios distintos?; ou, até que ponto as perspectivas sociais são tão plurais assim em nossa sociedade? São temas, acredito, para se pensar em outra oportunidade.

Mas, para Luiz Felipe Miguel, a questão central é que não se tem essa pluralidade de ‘perspectivas sociais’, ou seja, a sociedade, em suas diversas facetas, não estaria representada nas mídias, o que causa sérios problemas para a democracia. E, ao lado desta ausência, outro problema se soma, o do credo na ‘objetividade’ da imprensa. Segundo ele, o pano de fundo deste credo é a certeza da existência de uma ‘verdade’ que marca a credibilidade do jornalismo. Considerei este comentário muito interessante e pertinente, pois a prática do jornalismo, mesmo o de caráter investigativo, internaliza este sentimento de que está oferecendo uma ‘verdade’ ao seu leitor. Alguns até justificam essa crença manifestando que o jornalista precisa ter uma honesta intenção quanto aos fatos.

Afonso de Albuquerque (UFF) oferece alguns elementos para se pensar melhor esta questão quando relembra que a imprensa, não poucas vezes, assume o papel de ‘mediadora’ entre o leitor e a instituição política, por exemplo. Esse papel, em si, já serve para se fazer uma forte crítica à suposta objetividade jornalística. E é bom lembrar desde já que quando se faz a crítica da objetividade jornalística não se faz a crítica ao jornalismo, e sim, à sua tentativa de imparcialidade e neutralidade descritiva.

‘Verdade’ por trás do discurso?

Voltando a Afonso de Albuquerque, ele nos diz que essa crença na mediação por parte da imprensa está sustentada na noção de Quarto Poder, segundo a qual a imprensa exerceria o papel de representante do ‘povo em geral’, dos ‘cidadãos’, frente ao governo. Essa noção de Quarto Poder apresentaria duas variáveis: a do ‘cão de guarda’ da opinião pública e a de ‘poder moderador’. Teses que, certamente, alimentam expectativas quanto a uma postura investigativa do jornalismo, por exemplo. Ora, o fato é que se a mídia fala em nome do ‘povo’, ela tem uma voz e fere sua suposta objetividade e imparcialidade. Mas, e aqui gostaria de enfatizar em alto e bom som, quem espera imparcialidade da mídia? Quem espera uma real submissão aos ‘fatos’? Quem acredita ser possível, trabalhando dentro de um campo essencialmente simbólico, o discurso limitar-se a uma descrição do fato? Aliás, como disse Fernando Lattman-Weltman (FGV-RJ), ‘não existe mídia independente, e isso em si não é um problema’.

Mas quem ‘amarrou’ esta questão foi Fernando Rezende (UFF), para o qual acreditar que o jornalismo tem o ‘fato’ como objeto é ingenuidade e ignorância. Afinal, não dá para fazer jornalismo sem comunicação, ele não é ‘pura técnica’, ele é ‘produção de sentido’, e aqui relembro as contribuições de Pierre Bourdieu quando nos fala do poder simbólico e, mais ainda, relembro a velha questão de que a realidade nunca nos é dada, nosso acesso à realidade não se faz senão através de uma leitura, de um discurso. E isso faz o jornalismo, a política, a ciência. Por que acreditar em uma suposta ‘verdade’ por trás do discurso? O que existe ali é a palavra, o sentido, a forma simbólica, repleta de intencionalidades ideológicas. E qual o problema disto? Não é isto que impede o debate científico, pois nunca discutimos ‘fatos’, e sim, ‘leituras acerca destes fatos’.

Campos simbólicos, produtores de sentido

Ora, dá para exigir da mídia algo além de seu papel como produtora de sentidos, repletos de intencionalidades ideológicas? Vivemos em meio a campos de intensa troca simbólica (somos seres falantes e é o discurso que possibilita o entendimento com o outro), mas teimamos em trabalhar com um conceito de que existiria uma ‘verdade por trás do discurso, um ‘real’ por trás da palavra.

Portanto, a questão da linguagem no jornalismo não pode ser preterida, como afirmou Fernando Rezende. E mais: a relação entre jornalismo e política se dá exatamente pela linguagem. A relação se tece na linguagem, através da palavra, do simbólico. Qual o espaço reservado para a objetividade? Muito pouco. Ora, quem acredita que, de fato, o discurso jornalístico é tão imperativo assim? Só os que acreditam em uma ‘missão’ jornalística, a missão de trazer a verdade. Mas, quando se leva em conta a opinião pública, é preciso relativizar essa importância, assim como é preciso relativizar a importância do discurso político e da própria ciência. Todos campos simbólicos, produtores de sentido. Sentidos que estão aí, circulando na esfera pública, esperando por aderência e sobrevivência. É um bom tema para se pensar, ou melhor, se continuar pensando.

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Cientista político e psicólogo social e mestre em Ciência Política pela PUC-SP com a dissertação: ‘A Luta Simbólica no Escândalo do Mensalão’, São Paulo, SP