O triste episódio ocorrido no Rio de Janeiro, na manhã de 7 de abril, deu margem para que se trouxesse de volta a discussão sobre desarmamento. Ora, ora, já houve referendo a respeito e a maioria da população votou contra a ideia. Na verdade, armas não matam. Quem mata são os assassinos e, nas mãos deles, qualquer objeto pode se tornar uma arma.
O problema não é o desarmamento em si. Afinal, ninguém em sã consciência pode acreditar que andar armado seja a solução contra a violência que assola o país. Mas se a venda controlada de armas fosse de fato proibida, certamente aumentaria o tráfico e a venda clandestina das mesmas, assim como ocorre com as drogas.
Uma questão que até agora ninguém cogitou é o fechamento das fábricas nacionais de armas. Dizem os especialistas que boa parte das armas de curto calibre usadas pelos nossos criminosos é fabricada no Brasil. Elas são vendidas ou exportadas para o exterior e voltam contrabandeadas do Paraguai. Se não estamos em guerra, para que fabricá-las?
Sexo, drogas e tiroteios na TV
Também há que se levar em conta a facilidade que policiais e seguranças particulares têm para adquirir e portar armas de fogo – mesmo fora do horário de trabalho. Recente tragédia também ocorrida no Rio resultou do confronto entre dois policiais, um civil e outro militar, que se desentenderam e resolveram acertar as diferenças à bala. Acabaram alvejando quem não tinha nada a ver com a briga.
É público e notório o despreparo de boa parte dos policiais para andar armados. Tanto que já se tornou comum alguns apontarem armas de fogo contra cidadãos que participam de protestos no pleno exercício da cidadania. Isso sem falar na corrupção, que resulta na venda de armas por agentes do Estado. E o que dizer do grande contingente de seguranças privados que hoje atuam no país?
O que ocorreu na escola de Realengo, na região oeste do Rio, não decorreu do comércio legal de armas. O assassino não comprou os dois revólveres usados no massacre numa loja de caça e pesca, com direito ao registro e à nota fiscal. Pelo contrário, ele as adquiriu nas mãos de contraventores. E se não usasse armas de fogo, poderia simplesmente matar com uma faca ou tesoura, como fez o ex-ator global que tirou a vida da colega Daniela Perez.
Outro equívoco é querer proibir a venda legal de armas sem reforçar o patrulhamento nas fronteiras brasileiras para inibir o tráfico de armas e drogas. Tampouco a sociedade civil parece preocupada com a carga de violência dos brinquedos eletrônicos e videogames, bem como as cenas explícitas exibidas pela TV em horários impróprios. Cenas que incluem sexo, drogas e tiroteios com requintes de crueldade e apologia ao uso de armas.
Recordista em mortes por acidentes de trânsito
Também não devemos atribuir a ação do jovem de Realengo ao fato de ter sofrido bullying na infância. Essa foi a desculpa para o crime. Ele fez o que fez porque era um desequilibrado mental, assassino de índole fria e calculista, sem afeto e sem limites, como aqueles jovens de classe média de Brasília que atearam fogo num índio em plena calçada. Esse tipo de gente não tem amor nem respeito pelo próximo.
No polêmico documentário Tiros em Columbine, Michael Moore nos mostra que o Canadá é um dos países mais armados do mundo e, no entanto, é também um dos mais pacíficos. O que precisamos não é limitar os direitos do cidadão honesto e equilibrado, mas desarmar os espíritos, aprender a conviver com as diferenças e cumprir a lei com rigor.
O sujeito que atropelou ciclistas no Sul do país vai responder pelo crime em liberdade. Se em vez de carro ele tivesse usado uma arma de fogo, talvez ficasse preso. Afinal, o Brasil é recordista em mortes por acidentes de trânsito. Pela lógica daqueles que defendem o fim do comércio legal de armas, deveríamos então limitar ao máximo o uso de automóveis e a emissão de carteiras de motorista, não acham?
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Jornalista e escritor, Belo Horizonte, MG