A liberdade de imprensa deve ser vista como uma conquista democrática, com sabor de cláusula pétrea. Insuscetível a qualquer discussão. A censura prévia, então, há de ser extirpada em nome da democracia e do direito de acesso à informação. Cada um é responsável pelo que escreve ou pelo que fala. Eis o sistema tradicional de responsabilização da imprensa. Com a chegada da internet, esse sistema corre o risco de se tornar inócuo. Com ela, temos aprendido a lidar com informações, em princípio, sem cara, sem DNA, sem assinatura. A disseminação indiscriminada, desleal, é frequente e, muitas vezes, não se chega a um autor.
Ainda que encontremos o responsável, novos difusores fazem a informação proliferar em velocidade exponencial. É fato que o anonimato transformou a web em um grande instrumento de contestação a regimes autoritários, como visto no mundo árabe. Como encarar o anonimato na internet, contudo, quando se trata do debate em sociedades democráticas?
No Brasil, vivenciamos uma situação que bem ilustra esse novo desafio. Um ex-executivo de um banco suíço, Julius Bär, publicou um livro com, pelo menos, uma informação completamente inverídica: a de que a governadora Roseana Sarney teria uma conta naquele banco. O conteúdo do livro foi ampla e anonimamente disseminado na web. A partir daí, alguns adversários políticos tentaram dar uma aparência de veracidade às informações.
Por enquanto, não há remédio
Cuidamos de adquirir o referido livro pela internet. Após lê-lo, fomos à sede de tal banco, em Zurique, e obtivemos documentos oficiais que comprovam que a nossa cliente nunca abriu ou movimentou qualquer conta. Alguns meses depois, o ex-diretor do banco entregou a Julian Assange, fundador do WikiLeaks, uma série de documentos que tratavam, supostamente, da movimentação bancária de pessoas ao redor do mundo. Dessa vez, os rumores se difundiram em uma velocidade muito maior, graças à notoriedade do WikiLeaks.
No caso da nossa cliente, pudemos comprovar que se tratava de uma calúnia. Por precaução profissional, dias antes, sentindo o cheiro da possibilidade do uso traiçoeiro dos rumores, comunicamos por e-mail ao advogado de Julian Assange, Mark Stephens, que possuíamos documentação que desmentia a informação transmitida ao seu cliente. Ficou o registro, para a garantia de direitos. Temos de reconhecer que, se por um lado, a difusão dessa falácia foi potencializada pela internet, por outro lado, foi a web que possibilitou a rápida defesa. A aquisição do livro, o envio do e-mail ao advogado britânico e o acesso a informações do portal WikiLeaks só foram possíveis graças à rede mundial.
Todavia, feito todo esse trabalho, a busca no Google mostra quase somente os falsos rumores. A explicação da governadora, por mais consistente que seja, não encontra o mesmo eco dos boatos maldosos, segundo os critérios fixados pelo buscador. Para isso, ainda não há nenhum remédio. Temos de conviver calados com a seletiva e indelével memória do Google.
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Respectivamente, advogado criminalista e ex-secretário do Conselho de Direitos da Pessoa Humana (governo Sarney) e advogado criminalista