Entre as diversas heranças deixadas pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a gestão de Dilma Rousseff encontram-se dois pontos fundamentais relativos à universalização das telecomunicações. De um lado, o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), que tem como objetivos centrais a expansão do alcance do serviço de internet em alta velocidade para 72% dos municípios do país e sua popularização através da queda de preços. De outro, o Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU), que visa à universalização do serviço de telecomunicações através de metas periodicamente estipuladas para as concessionárias.
Observa-se, por trás destas iniciativas, que o Estado oscila na definição da maneira pela qual o PNBL vai ser executado: se capitaneada pela Telebrás, com a participação subsidiária do capital privado, ou, ao contrário, se liderada pelas empresas de telecomunicações com o ente estatal assumindo a posição de regulador (e não muito exigente). Considerando o constante atrito entre a Telebrás e o Ministério das Comunicações, o que culminou com a mudança do presidente da estatal, a opção pela saída mercadológica reafirma-se. Isso também pode ser constatado ante a votação das metas do PGMU pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em junho, que retirou do Plano os tópicos referentes à obrigação das teles de arcar com os custos de expansão de internet até a última milha.
Pequenos com preços controlados
Em seu documento-base, o PNBL apresentava o PGMU III como uma importante ferramenta para a expansão da estrutura concernente ao serviço de banda larga, pois obrigaria as concessionárias de telecomunicações a investir capital de seu próprio caixa para o cumprimento das metas, não podendo contar com reembolso de dinheiro público. Aqui se encontra o cruzamento entre o PNBL e o PGMU III. A inclusão de metas no PGMU III para expansão à última milha aparece como ponto fundamental na execução de parte do PNBL. A Telebrás ficaria responsável pela oferta de banda larga no atacado: alugando suas redes para pequenos provedores, por preços mais competitivos, a estatal seria a principal ferramenta para baratear o custo ao usuário final por criar concorrência frente às teles.
No planejamento, tudo parece se encaixar perfeitamente. Porém, os fatos correm diferentemente do plano inicial. Com previsões não cumpridas de atender às primeiras cidades ao final de 2010, e depois até abril de 2011, o Plano encontra-se em lento desenvolvimento, com expectativas para conectar as primeiras seis cidades apenas no mês de julho. Isto obrigou a Telebrás a reduzir as metas deste ano de 1.163 cidades atendidas para 800, sendo que uma nova redução pode estar sendo cogitada. As barreiras burocráticas dentro do próprio Estado aparecem como principal motivo do atraso, sabotando o início das operações da Telebrás. Dentre as causas, há pontos como cortes consideráveis no orçamento e liberação tardia de recursos para compra de equipamentos.
Frente a isso, nota-se uma tendência do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, de mudar a diretriz inicial do PNBL ao favorecer essencialmente as operadoras privadas e deixando a Telebrás em segundo plano. Frisando as metas de expansão do PGMU, todas as regiões do país receberiam progressivamente estrutura para banda larga e, através da regulação da Anatel, as teles seriam obrigadas a alugar suas redes ociosas para pequenos provedores com preços controlados. Estes pequenos provedores levariam internet às regiões de pouco interesse econômico para aquelas grandes empresas.
Metas anteriores, sem banda larga
O Estado precisa posicionar-se para cumprir seus objetivos. Simultaneamente às propostas de universalização de serviços, há necessidade de o ente estatal reafirmar sua posição de estimulador do desenvolvimento social, papel cuja demanda é acrescida neste momento de crescimento e perspectivas positivas para o país. Fato é que as definições das metas do PGMU III estão diretamente ligadas ao PNBL e parecem ganhar maior importância a cada declaração dos responsáveis pelo Plano, dando a impressão de que se deixa de lado a ideia da Telebrás operar como a principal responsável por sua execução. Fica claro que, por trás disso tudo, acontece um intenso embate de interesses, de onde emergirá a decisão de quais rumos serão tomados pelo PNBL. Tem-se, portanto, um movimento duplo. Ao mesmo tempo em que parte do Estado visa a implementar o PNBL através da Telebrás, outra – com mais força hoje – busca as teles como os principais agentes. Isto sugere a existência de dois PNBLs possíveis: um imposto às teles pelo PGMU; outro, liderado pela Telebrás e, portanto, pelo Estado. Neste momento, ganha força esta segunda trilha.
Atualmente, o PGMU encontra-se em processo de definição de novas metas para a vigência de 2011-2015. Visto que o primeiro semestre de 2011 está quase se encerrando, suas definições estão com um atraso considerável. De um lado, as teles argumentam que não é possível incluir o serviço de internet no plano de metas de telefonia fixa. Do outro, o governo alega o precedente do Decreto 6.424, que alterou o PGMU II e substituiu a meta referente à instalação de Posto de Serviço de Telecomunicação (PSTs) pela obrigação de levar internet a todas as sedes municipais e escolas públicas do Brasil. Sob a ameaça de ser levado aos tribunais, caso aprovado sem negociações, o PGMU III seguiu durante muito tempo indefinido e constantemente adiado até uma recente resolução parcial, que manteve as metas anteriores sem a adição da polêmica questão da banda larga.
Telebrás num impasse
Tal fato aparece como força contrária à posição adotada pelo Minicom de empurrar a execução do PNBL para as teles, deixando explícita a divergência de posições dentro do Estado. As discussões, porém, ainda não estão encerradas e podem se alongar. Antes de virar decreto, o documento do PGMU III deve passar pelo ministro Paulo Bernardo e, posteriormente, pela Presidência da República. Neste caminho, não seria surpresa se as metas fossem incluídas, observado o discurso e recentes movimentos do ministro. Até o momento, portanto, nada está de fato definido.
A situação do PNBL é de igual indefinição. No seu lançamento, em 2010, foi anunciado que seria executado pela Telebrás, desativada desde 1998 e sem estrutura para oferecer qualquer serviço. Portanto, a execução do PNBL ficaria comprometida ou demandaria um alto investimento na construção de uma nova rede de fibras óticas. Para contornar essa questão, definiu-se que a Telebrás firmaria acordos com estatais do setor de energia elétrica e petróleo, a fim de utilizar suas redes ociosas. O atraso no estabelecimento dos contratos e dos avais para a utilização dessas estruturas foi um dos maiores contribuidores para a demora no começo das atividades da Telebrás. Os contratos que deveriam ter sido estabelecidos em janeiro de 2011, para o cumprimento da meta de 1163 cidades atendidas, só foram firmados em maio. Além disso, a Telebrás se vê com orçamento extremamente reduzido.
Sendo assim, mesmo com duas frentes possíveis para a universalização do serviço de banda larga, até o momento muito pouco aconteceu, seja por causa do atrito com as empresas de telecomunicações, seja por causa da lentidão da burocracia de Estado. A indefinição e as contrariedades dentro do próprio governo surgem como agravantes para essa situação. Enquanto prosseguem as discordâncias, as teles mantêm-se no embate contra as metas referentes à banda larga no PGMU, tendo ganho em primeira instância, visto que neste primeiro momento as metas não foram consideradas pela Anatel; já a Telebrás permanece num impasse, relevante no discurso e negligenciada na prática.