Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A notícia e a exploração da notícia

No tempo em que a escola era risonha e franca, aprendia-se que primeira página tinha algumas peculiaridades. Uma delas, não agredir com fotos repulsivas quem estivesse lendo o jornal e tomando café da manhã. Cadáveres e sangue, nos grandes jornais, só teriam lugar na primeira página em casos especialíssimos.


Mudou – e mudou mal. Hoje, há quem defenda a foto do matador do Rio caído na escada, ensanguentado. Não havia informação extra na foto, algo que indicasse por exemplo que, em vez de suicídio, houvesse talvez um homicídio. Nada, nesta foto de primeira página, que não pudesse ser substituído por uma frase simples: ‘Interceptado por um policial, que lhe acertou um tiro, Fulano se matou’.


Aquela era a única foto recente do matador? Que vá para dentro, então. E que não surja no horário nobre de TV. Violência sem informação é sensacionalismo.


Mas não aconteceu apenas no caso do massacre do Rio. O país é violento, OK: mas não dá para explicar por que, todos os dias, os primeiros segmentos dos jornais do horário nobre da TV sejam destinados a notícias policiais, que também dominam a escalada – aquela sucessão de manchetes com que os telejornais costumam iniciar-se. A violência não é o único assunto do país. E, se alguém acha que sangue atrai audiência, informemos que não é bem assim: jornais como Notícias Populares, Luta Democrática e outros que se espremessem sairia sangue deixaram de circular. O Dia mudou de linha e prosperou. Os jornais tradicionais mantêm a maior parte do público e da publicidade.


O noticiário policial tem seu público e sua importância. Mas não pode dominar o público inteiro nem ser considerado mais importante que todos os outros assuntos.


Erramos


Na semana passada, esta coluna criticou os meios de comunicação por deixar de formular perguntas essenciais no caso do massacre do Rio; e elogiou a novelista Glória Perez por, sem ser jornalista, fazer estas perguntas. Os elogios a Glória Perez, merecidíssimos, estão mantidos; mas houve falha da coluna ao esquecer que o notável Ruy Castro já tinha abordado um bom número de temas esquecidos no noticiário. Uma frase do suelto (este colunista sempre teve vontade de usar a palavra ‘suelto’ num texto) de Ruy Castro na Folha de S.Paulo, em cima do noticiário:




‘Wellington estava desempregado. Não se sabe de amigos, e sua família não o via há sete meses. Não tinha fonte de renda. Com que dinheiro comprou – se comprou – os revólveres, a munição e os carregadores? Onde aprendeu a usá-los? Pelo índice de acerto de seus tiros, deduz-se que sabia atirar. Onde treinou? Quem o ensinou?’


Falta agora que a reportagem busque a resposta a essas perguntas.


A resposta de Aécio


O assessor de imprensa Luiz Neto (aecio.imprensa@gmail.com), que trabalha com o senador Aécio Neves, foi gentil e rapidíssimo: tão logo este colunista exprimiu dúvidas sobre a legalidade da presença do senador na sociedade Arco Íris Ltda., enviou nota dizendo que a participação como proprietário de cotas não se inclui entre as restrições impostas pela Constituição a parlamentares, desde que não exerçam função de gerência (a sócia-gerente, majoritária, é sua irmã Andréa). Junto, enviou o artigo 54 da Constituição, que trata do assunto.


Quanto ao jatinho Hawker 800, esclareceu Luiz Neto que pertence à família de Aécio. Era do banqueiro Gilberto Farias, que foi casado com sua mãe por 25 anos e que morreu há dois.


Pergunte ao Vovô Carlinhos


Uma jornalista de grande prestígio escreve a esta coluna o seguinte bilhete:




‘Li uma declaração da presidente dizendo que não deixaria aumentar a gasolina. Até um mês atrás, eu gastava R$ 51 para 20 litros. Há duas semanas, eu gastei R$ 53 para os mesmos 20 litros. Hoje, gastei R$ 58. Quem manda nessa terra? Dirceu, Mantega, algum ET? Porque a presidente não é’.


Vovô Carlinhos responde


Cara amiga, a culpa é sua. Jornalista há tantos anos, quem mandou acreditar na palavra de uma autoridade?


Us êrru di quem num pódi


Ninguém imagina o Banco Central errando contas. Ninguém imagina o Ministério da Saúde trocando o nome de remédios ou doenças. Ninguém deveria imaginar o Ministério da Educação errando na grafia de palavras de nossa língua.


Os erros, aliás, começavam aí: em ‘lingua’, sem acento agudo no ‘i’, e ‘portuguêsa’, com acento circunflexo, que já existiu na palavra mas foi eliminado em 1971, há apenas 40 anos. Os erros estavam no portal do MEC, na página que dá acesso aos livros da coleção ‘Explorando o Ensino’. Não é a primeira vez que são apanhados erros desse tipo: o MEC, em certa ocasião, já se referiu a ‘extrangeiros’, querendo dizer ‘estrangeiros’.


Apenas falhas? Vá lá – mas falhas onde não deveria haver esse tipo de falhas. A coisa é tão séria que o ministério não quis informar os responsáveis pelos erros, nem mesmo se foram cometidos por empresas terceirizadas. E, considerando-se que os livros em papel serão distribuídos a escolas, seria interessante saber se será preciso refazer as páginas com erros. O ministério também não quis fornecer essa informação.


Detalhe interessante: o ministro da Educação, Fernando Haddad (este é o nome: ‘Fernando Vaiddad’ é uma brincadeira a respeito de certas características suas) é um dos preferidos do ex-presidente Lula para disputar a prefeitura paulistana. Ele é bem formado e não comete esses erros. Mas a equipe que comanda, esta comete.


O ministério e nós


Se o ministério encarregado de zelar pela educação escreve assim, os jornalistas não vão se sentir seguros para ensinar os colegas que usam frases como ‘o vencedor vai encarar por uma vaga (…)’ ou ‘se os dirigentes conseguiram eliminar a punição, o clássico acontecerá (…)’.


Poltrona legal


Lembremos o lendário Fernando Vieira de Mello, o ‘Maquininha’, um dos melhores e mais perfeccionistas chefes de reportagem que já passaram por este país: seus repórteres, de paletó e gravata (eram representantes da emissora, dizia, e tinham de se vestir à altura), iam para os principais pontos de rodovias paulistas e ficavam lá, ao sol e ao sereno, passando informações para a rádio. Os motoristas não mexiam no dial: só ouviam a emissora em que o jornalismo era comandado pelo Fernando Maquininha.


Hoje mudou, infelizmente. As tevês fazem cobertura até de helicóptero, mas a cobertura de TV não é útil ao motorista que está na estrada. Útil mesmo é o rádio – e o rádio ficou bem menos informativo. As emissoras se limitam a ouvir as concessionárias das estradas e a retransmitir suas informações. Resultado: uma rodovia parada se transforma em ‘estrada com trânsito pesado e pontos de congestionamento’. E ninguém pode criticar as concessionárias, já que:


1. São elas que fornecem às emissoras a matéria-prima com a qual trabalham;


2. Se não têm repórter lá, como podem as emissoras contestar a informação oficial?


Vejamos um caso: a Rodovia Fernão Dias liga São Paulo a Belo Horizonte, duas das maiores cidades do país, os dois estados mais ricos do país. A concessão foi entregue a uma empreiteira espanhola que estreou no Brasil cuidando exatamente dessa rodovia-chave. Construiu uma imensa praça de pedágio, com umas dez cabines; e, depois das cabines, como a estrada volta às poucas pistas de costume, há uma tremenda confusão, com o trânsito engarrafado até que as dez filas de veículos que passaram pelo pedágio se acomodem nas duas ou três pistas da estrada. Se foi para isso que trouxeram a Invencível Armada de especialistas espanhóis, é melhor tentar de novo: essa não funcionou. Ou melhor, funciona bem até demais ao informar aos repórteres uma situação muito melhor do que a existente, e ao evitar que apareça jornalista chato por lá com câmera e perguntas indiscretas.


A brasileira voadora


Em 1930, as mulheres ainda nem votavam no Brasil. E Ada Rogato, a Brasileira Voadora, já era pioneira como piloto de avião, piloto de planador e paraquedista. Fez o vôo pioneiro, sozinha, do extremo sul ao extremo norte da América: saiu da Terra do Fogo e chegou ao Alasca. Foi a primeira mulher a pousar em La Paz, no aeroporto El Alto (lá, até hoje, diz-se de brincadeira que o avião não pousa, estaciona). Na Segunda Guerra Mundial, foi uma das poucas mulheres a obter o direito de alistar-se na FAB: fez 213 voos de patrulha no litoral. Foi a responsável pela criação de aeroclubes em todo o país e a primeira pessoa, no Brasil, a fumigar uma colheita usando aviões, para combater a broca do café.


Ada Rogato, o dínamo voador, viveu 76 anos. Um câncer a levou em 1986.


A saga de Ada Rogato está no livro Ada – Mulher, Pioneira, Aviadora, da jornalista Lucita Briza, com lançamento previsto para dia 30/4, sábado, às 17h, na Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos, SP. Lucita queria escrever sobre uma mulher forte, vencedora – e Ada Rogato se impôs. Trabalhou quase cinco anos no livro, entrevistando cerca de cem pessoas, em diversos países, sempre encontrando novos ângulos. Uma mulher falando de outra – tem tudo para ser bom.


Genitora é a mãe


Alguém poderia explicar a este colunista por que, ao completar determinada idade, o cidadão (ou cidadã) perde o nome e passa a ser tratado por ‘idoso’, ‘aposentado’, ‘septuagenário’ ou coisa parecida?


Um caso recente é o da briga inacreditavelmente estúpida na porta de um salão de festas de casamento, em São Paulo (alguém deu pela falta de algumas moedas no carro, o do outro casamento se sentiu ofendido, e acabaram atropelando e matando uma senhora). Um portal julgou a idade importante o suficiente para entrar na manchete: ‘Mulher de 56 anos morreu após ser atropelada por noivo’. Outros preferiram a fórmula-padrão: ‘Idosa atropelada’. ‘Uma mulher idosa foi atropelada na porta de um casamento’.


Além do preconceito, uma dúvida: que tem a idade da referida senhora a ver com o caso? Isso não teria ocorrido se ela tivesse 40 anos, 20 ou 90?


Como…


Saiu num grande portal especializado em política esportiva. Uma frase atribuída ao presidente do São Paulo, Juvenal Juvêncio (que certamente disse o que lhe atribuíram, mas não da maneira como o escreveram):




‘A consolidação do Morumbi se dá nessa obra (nos entornos). Vocês não sabem, e não vou dizer, o que lutei para que essa obra se perenezasse – completou.’


Um texto assim, nem aquele portal do Ministério da Educação perenezaria!


…é…


De um grande portal noticioso:


** ‘Expectativa de vida de negros é seis anos menor que negros’


Deve querer dizer alguma coisa. Ou não.


…mesmo?


Este título saiu num jornal. Refere-se ao atacante Gilberto, do Santa Cruz, pretendido pelo Corinthians:


** ‘Gilberto tem força à espera de Adriano’


Será que Gilberto pretende dar uns tapas em Adriano quando chegar ao Corinthians? Ou que, He-Man renascido, tem a força?


Como corintiano, fico feliz com a possível contratação de Gilberto (muito mais do que com a de Adriano). E, quem sabe, quando ele chegar ao time, a frase se explique sozinha?


Mundo, mundo


Sole Sanchez apresentou ao eleitor espanhol seus dois maiores argumentos eleitorais: os seios, seguros cada um por uma mão masculina (aliás, pelo tamanho, é melhor mesmo que alguém os sustente). Sole é candidata a vereadora em Ciutadella. Ah, não se entusiasme: na foto com roupa, a candidata não entusiasma. A notícia está aqui.


E eu com isso?


Fique tranquilo, caro colega: aqui, até o noticiário policial é frufru. Veja a notícia de fraude: ‘Revista vegetariana admite que usava fotos de pratos feitos com carne’. E a notícia bomba: ‘Jornal afirma que Rihanna tem três meio-irmãos’. Vamos em frente:


** ‘Casal dos EUA recupera porco de estimação graças ao Facebook’


** ‘Avião de Michelle Obama descarta pouso após falha do controle’


** ‘Juliana Didone toma banho de mar e medita na praia da Barra’


** ‘Luana Piovani caminha pelo calçadão do Leblon’


** ‘Réplica do anel de Kate Middleton é vendida por apenas R$ 15’


** ‘Spiller diz que sua filha recém-nascida não aceita ser contrariada’


** ‘Ex-BBB Cacau exibe seios ‘turbinados’ em fotos beneficentes’


** ‘Marcelo Serrado deixa restaurante de moto’


** ‘Sheila Mello pode estar grávida, diz jornal’


** ‘Trança nada certinha faz cabeça das famosas’


O grande título


A variedade é boa. Temos Sandy, A Transgressora, Aquela que Tomou Uma Cerveja, Aquela Que Diz Ter um Lado Devassa, desta vez contando no twitter que ‘tem alma de gordinha’:


** ‘No Twitter, Sandy diz que comeu 10 fatias de pizza de uma vez’


Temos um exemplo do Festival de Paranóia que Assola o País:


** ‘Guarda-chuva é confundido com rifle e esvazia shopping’


Temos dois títulos reveladores da intimidade de casais (sem invasão: com informações divulgadas pelos próprios):


** ‘Talula sobre nu de Rodrigo na G: ‘Pessoalmente é bem melhor!’’


E as confissões de Ivete Sangalo:


** ‘Ivete diz que marido gosta dela sem roupa’


Aliás, seria estranho se não gostasse.


E um título magnífico, fundamental, bestial, ó pá:


** ‘Portugal volta a pagar mais para colocar dívida, apesar do pedido de resgate’


Nada que umas aulinhas de economês, no máximo por uns dois ou três anos, não nos façam entender.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados