Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Nada de fantoches

Quando falamos em sociedade moderna logo vem à mente uma massa emburrecida pela mídia e pela cultura do entretenimento. Conteúdo ideológico? Nenhum. Originalidade? Nada. Espírito crítico? Muito menos. A apatia reina e o aspirante a jornalista é visto como um bobo, que nada interpreta, nada associa, nada deduz. Daí surge o desafio de provar que pensar não é apenas um detalhe e que é necessário discernimento para atender às exigências do potente mercado da comunicação.

Não é novidade que os jornalistas têm pesadas responsabilidades sociais. A profissão é considerada de grande relevância social, pois as pessoas precisam de informação para viver em sociedade e têm o direito de ser informadas corretamente. Então como pode o profissional de jornalismo ser desprovido de ética, formação ideológica ou espírito crítico? Para lidar com a notícia não basta dominar a técnica, é necessário antes de qualquer coisa um olhar crítico incansável. Observar e avaliar a mídia são atividades imprescindíveis na formação dos futuros profissionais da informação.

A crítica da mídia é decisiva e fundamental nos cursos de Jornalismo. O papel da universidade vai muito mais além do que apenas habilitar tecnicamente um indivíduo a exercer uma profissão. O universo acadêmico tem a obrigação de estimular a produção do pensamento, somando forças para promover as transformações tão necessárias à sociedade atual. Embora encarregada de fiscalizar injustiças e erros sociais, a imprensa muitas vezes comete abusos e desrespeito e, por isso, precisa ser avaliada e denunciada.

O ambiente propício

Se a crítica de mídia não frutificar nas instituições de ensino, logo seremos tachados de idiotas da objetividade, como profetizou o saudoso Nelson Rodrigues. A cultura crítica aperfeiçoa os processos e os procedimentos jornalísticos, fornece os princípios que orientam a boa prática jornalística e concede competência para cumprir a função da melhor forma possível. Analisando os diversos veículos com um olhar crítico, o estudante amplia seus horizontes, conhece a linha editorial de cada veículo e identifica quais os interesses que verdadeiramente norteiam as empresa de comunicação.

Avaliando a fundo as instituições jornalísticas, o aluno vai ver que a imprensa não é aquele espaço fiel e democrático que idealizou. O estudante vai perceber erros, abusos e vítimas que vão desde pessoas, grupos, empresas e autoridades até a sociedade como um todo. Inúmeras vezes o que impera não é o pluralismo das idéias e nem todos têm a oportunidade de opinar e de se defender. O espírito crítico ajuda o aspirante a entender que os oligopólios de comunicação ‘venderam’ sua política editorial e com isso colocaram em risco a liberdade de expressão, o sigilo da fonte, a veracidade, a honestidade, a exatidão da informação e outros princípios fundamentais ao exercício da profissão.

A faculdade é o ambiente propício para desenvolver essa visão crítica. Ela deve se constituir um pólo de crítica da atividade jornalística, pois durante a fase acadêmica o aluno está livre das pressões e intimidações do mercado. Mas vale lembrar que o ideal é que a crítica venha sempre acompanhada de uma possível solução para o problema. Abraham Lincoln disse certa vez que ‘tem direito a criticar quem tem o coração disposto a ajudar’.

Além do fascínio

A questão é básica. A crítica não deve só diagnosticar, mas produzir alternativas com vistas a superar ou minimizar o problema apontado. Victor Gentilli, em artigo publicado no Observatório da Imprensa (‘Jornalismo, a pesquisa e o ensino‘), escreveu: ‘Na universidade, a crítica só se converte em atividade pedagógica se, de fato, o estudante, além de criticar, puder praticar um jornalismo que supere os problemas apontados na sua atividade de crítica’.

‘A arrogância e o pedantismo já se configuram como problemas da atividade profissional do jornalista muitas vezes apontado em críticas. Mas se a crítica não vier acompanhada de uma nova maneira de praticar o jornalismo, torna-se algo extemporâneo e desligado da realidade profissional’, pondera.

Precisa-se de uma imprensa que não seja omissa e que seja responsável com seu público. Precisamos veículos que não se desviem de seus propósitos originais. Mas, para que isso seja possível, é necessário, mais do que tudo, profissionais que estejam além do fascínio dos grandes veículos, jornalistas que primem por desenvolver um espírito crítico. Nada de manipulação, nada de fantoches.

******

Estudante do curso de Jornalismo do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp)