Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A arte de retratar os índios

Na primeira metade do século 20, no período que vai de 1901 a 1930, o estadunidense Edward Sheriff Curtis (1868-1952) captou através de suas lentes mais de 4 mil iconografias dos povos nativos de seu país. Graças a ele e outros fotógrafos, hoje podemos conhecer melhor esses povos. Tudo começou aos 17 anos, quando ensaiou os primeiros passos na fotografia. Nascido em Winsconsin, casou-se e teve quatro filhos. Um de seus primeiros trabalhos foi fotografar a filha do chefe Seattle.

São fotos que revelam o dia-a-dia dos nativos e sua relação com a natureza. Ao lê-las, percebemos nitidamente que, para os índios, a terra é sua alma. A terra está nele, ele está na terra. Entre outras coisas, essas fotos artísticas mostram crianças, homens, mulheres, danças, rituais, objetos, paisagens etc. Ao registrar essas culturas, Curtis sabia que tudo aquilo iria desaparecer e ficaria apenas no registro da memória, do imaginário, do tempo. Foi o que aconteceu. Foram consumidos pela destruição sistemática de suas culturas e pelo abandono do estado oficial.

Graças à precisão de suas lentes e à riqueza de detalhes, esse acervo iconográfico possui enorme valor científico. É um material que nos permite reconstruir e recontar uma parte significativa da história desses povos em profundidade. Muito de seu saber ancestral está escondido nos escombros da terra. É por isso, que ele nos oferece a possibilidade de resgatar suas tradições, seu modo de vida e valores culturais milenares.

Sebastião Salgado, fotógrafo

Pois bem, todo esse acervo é um recorte de uma época não muito distante, cujas mudanças verificadas são o resultado de um violento processo de ocupação da terra e de um país. Seu pano de fundo é um capitalismo predatório. Dessa forma, muitas nações indígenas foram exterminadas. O trabalho de Curtis é autorial. É o resultado de suas andanças pelo oeste americano. Em certa medida, não se pode negar que seu trabalho é referência para muitos fotógrafos da atualidade. À época, ‘índio bom, era índio morto’. Em sua maioria, os descendentes desses povos vivem em reservas e sofrem com a discriminação por parte da sociedade civil estadunidense que se nega aceitar o pluralismo racial. No Brasil não é diferente. Ninguém nega que temos muito a aprender com essa gente Portanto, é preciso dar um basta na história contada pelo lado vencedor. Então, é indispensável dar-lhes voz, ou seja, garantir o direito de contarem a sua versão da história e serem ouvidos como merecem. A meu ver, o papel da mídia é fundamental nesse contexto.

Dar voz ao outro lado é função, sim, da mídia, seja nos EUA ou no Brasil. Afinal, ela [mídia] é capaz de sacudir a sociedade civil, movimentando-a. Para isso, é preciso construir a boa notícia de maneira responsável, reflexiva, ética, investigativa, plural e, sobretudo, fiel aos fatos. Enfim, a mídia pode levar as pessoas conhecerem melhor a cultura do outro, no caso, a dos povos indígenas, e promover uma reflexão.

Por fim, penso como Sebastião Salgado, em entrevista à revista Serafina (fevereiro 2010, pág. 53), quando afirma: ‘Achamos que somos os únicos racionais, mas até a vegetação tem uma forma de racionalização. Nós abandonamos nossa ligação com o campo, com a natureza e estamos perdendo o nosso planeta.’

******

Jornalista e professor, São Paulo, SP