A melhor matéria da Folha de S.Paulo na edição de segunda-feira (10/10) não estava no primeiro caderno, não tinha chamada na capa. O leitor precisa garimpar os jornais e não desanimar diante das montanhas de mesmices que deve escalar até que possa divisar uma boa paisagem.
O cartunista Macaco deu uma aula de sociologia na última capa do caderno ‘Folhateen’. O nome do suplemento é horroroso, nascido do ‘estilo’ que até hoje usa a palavra inglesa ‘gate’ para denunciar escândalos como ‘collorgate’ , ‘waldomirogate’ e não se sabe mais quantos portões abriram a entrada para a burrice das denominações.
Dar nome é tão importante que não pudemos escolher o nosso. E por quê? Porque, à semelhança de muitos jornalistas, não tínhamos ainda condições de designar nada. Nem a nós mesmos. Qual era nossa identidade ao nascermos? Quem eram nossos pais? De que cor éramos? Que medidas tínhamos? Qual nosso estado de saúde?
Pertencemos à família da Silva, que tantas vezes chegou à presidência da República e ora está lá com um do ‘clã’? E por que Deonísio e não Dionísio? E por que nos chamam tanto de professor, se o que mais fazemos é escrever? Depois de 30 livros publicados, sucessivamente reeditados, não somos escritor! Escritor é Paulo Coelho, designação que até a Academia sanciona! Nós, no máximo, somos professor que escreve (livros), jornalista que escreve (livros). A menos que a imprensa nos designe: Fulano de Tal é escritor.
Quando vejo ‘escritor’ sob o nome de meu colega de página de opiniões no Jornal do Brasil, o ministro Jarbas Passarinho (cujos artigos, aliás, gosto muito de ler, pois são claros, coesos, bem escritos e por que aprecio muito ler a quem pensa e escreve de modo diverso ou contrário ao meu), tenho vontade de pedir à redação que mude o subtítulo de meu nome para ‘coronel’ . (O professor e poeta Eduardo Guimarães, da Unicamp, publicou um livro imperdível sobre o tema: Semântica do Acontecimento, Campinas, Editora Pontes, 96 páginas).
A melhor página
É bela a página, a última do caderno – arre! – ‘Folhateen’. ‘Folhatinesco’! Mas isto é matéria para outro ‘macaco’ , o Macaco Simão, que nos alegra o dia-a-dia com seus deliciosos trocadilhos. A República continua com a língua presa, duplamente presa, aliás: quem tem o que dizer e pode falar, não fala. Prenderam-lhes a língua!
Em seis quadros, Macaco mostra um resumo da juventude brasileira. No primeiro, a influência do estilo sintetizado pelas lojas Daslu (designação nascida do fato de duas sócias-fundadoras terem os respectivos nomes iniciados por ‘Lu’ , ‘a loja das Lu’, então), que é o punk de butique, maravilhosa denominação: com roupas de marca e cabelos ‘desarrumados’ no cabeleireiro.
No segundo, músicos cretinos que semelham a senadora Ideli Salvatti, sendo deste escritor o acréscimo do nome da parlamentar, pois os dois conjuntos, senadora e ‘ídolos teens’, têm a mesma característica: músicas e falas vazias. A senadora foi designada pelo jornalista Augusto Nunes como ‘um berreiro à procura de uma idéia’.
No terceiro, policiais corruptos executam jovens, na modalidade esportiva ‘tiro ao alvo humano’. No quarto, o neto celebra, sem saber, ‘a banalização e a comercialização da rebeldia’ , ao avisar à mãe que a vovó lhe deu ‘um punkinho vomitador legal’ .
Nos dois últimos, a ignorância caricata de quem é incapaz de entender um ‘manual do usuário’ , mostrada por um casal de jovens que não sabem usar a camisinha, e a criminosa ‘modernidade’ de um pai que, diante da revelação bombástica do filho’ – ‘Putz, pai! Fumei maconha!’ – replica apenas: ‘E sobrou uma pontinha por papai!!!!’. (Acho que deveria ser ponto de interrogação, Macaco deve ter cochilado!)
Enfim, a melhor página da Folha no dia 10 de outubro foi uma lição de jornalismo. O texto é bom quando, ilustrado ou não, o autor tem o que dizer e sabe como fazê-lo. Faz milhares de anos que escrever é isso, na essência: ter o que dizer e saber como dizê-lo.