Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalistas de marcha a ré

Há alguns anos, a belíssima jornalista Kátia Maranhão, que apresentava com Ennio Pesce um importante jornal de TV, posou nua para Playboy. Não teve problemas. E seu colega de bancada, bem-humorado, apenas comentou que não conseguiria mais olhar para ela sem lembrar as fotos que tinha visto.

Dóris Giesse também posou nua e, sem problemas, se transformou numa das principais apresentadoras da Rede Globo (mais tarde, uma ousadíssima entrevista a seu hoje marido Alex Solnik já não foi tão bem recebida).

Isto aconteceu há muito, muito tempo. No ano passado, a também belíssima Monica Apor, apresentadora do TV Fama, na Rede TV!, também posou nua para Playboy. As reações foram pesadas, preconceituosas, ofensivas. Alguns comentários postados numa reportagem sobre o tema “ensaio sensual prejudica uma jornalista?” estariam perfeitos no Irã: “Eu pensei que estivessem falando de jornalistas”; “Garanto que não foi pensando na pseudo carreira de jornalista que ela topou posar nua”; “Esse tipo de ensaio tira a credibilidade do jornalista. Ou você é jornalista ou modelo, um ou outro. Gato com dois sentidos não pega rato”; “Claro que prejudica. O Jornalismo tem que ter credibilidade”.

A credibilidade, portanto, no caso das mulheres, está na roupa. Vampeta pode posar nu e ser campeão do mundo, mas uma mulher jornalista que posar nua faz uma “pseudocarreira”. Posou pelada? “Pensei que estivessem falando de jornalistas.” O mais curioso é que nós, jornalistas, gostamos de nos ver como vanguarda da sociedade. Mas se, como categoria, não formos vanguarda da sociedade, especialmente na área de comportamento e tolerância, que é que somos?

 

De frente para o passado

Houve há muitos anos um diretor de Redação que só admitia mulheres num posto: a página feminina. Dizia que, por mais feia que fosse, o pessoal se acostumaria, acabaria comendo e ia dar confusão. A lei não permitia que mulheres trabalhassem à noite na Redação. Um chefe de reportagem foi duramente advertido pelo diretor por ter mandado uma repórter cobrir uma greve – como, mandar uma mulher? E se acontecesse alguma coisa com ela? Uma jovem diplomata casou-se com outro e foi obrigada a abandonar o Itamaraty e a carreira diplomática, porque ali não era permitida a formação de casais. Ela acabou se transformando em jornalista, e premiada.

Havia homossexuais na Redação, mas normalmente enrustidos. Até que um dia essas coisas todas caíram: as mulheres conquistaram espaços, os homossexuais puderam ser aceitos como eram, roupas extravagantes passaram a ser vistas apenas como roupas extravagantes, não mais como indicadores de desvios de orientação. Palavras como “camisinha” passaram a ser publicadas (antes, o máximo que se tolerava era “preservativo”). O sexo chegou à TV. Faz tempo, gente. E agora, por que tratar com tanta raiva uma mulher bonita que resolveu atender à imensa quantidade de gente que queria vê-la pelada?

Este retorno ao que há de pior no passado não acontece apenas na imprensa. Há nazistas aqui no Brasil procurando depreciar judeus, agredindo negros, nordestinos e homossexuais, há estupradores que tentam colocar a culpa nas vítimas (existe até uma cartilha, atribuída a um delegado, recomendando às mulheres que adotem determinados cortes de cabelos e modelos de roupa, para que não sejam encaradas como alvos preferenciais de estupro). Mas na imprensa? O bolsonarinho que defendeu o estupro, como se fosse um favor prestado às mulheres feias, não se apresenta como imprensa? Jornalismo é outra coisa; jornalismo tem de ser outra coisa. Jornalismo é aceitação da diversidade, ou jornalismo não é.

 

A vítima de sempre

E, já que há tanto retorno, por que não retornarmos ao jornalismo? Em certos casos, a fúria justiceira dos meios de comunicação proclama que tudo é aceitável, desde que atinja os maus e seja favorável aos bons. E quem define quem são os bons e os maus? O patrão de quem escreve a reportagem.

O caso Battisti, por exemplo. Uma publicação dá uma informação que é verdadeira mas não tem o menor sentido, por ser desligada do contexto: que Battisti foi morar num imóvel de um assessor de Daniel Dantas. É verdade? É: Battisti foi morar num apartamento do advogado Luís Eduardo Greenhalgh, que trabalhou, ou trabalha, com Dantas. Só que uma coisa não tem nada a ver com outra: Greenhalgh, dono de um escritório movimentadíssimo, era também advogado de Battisti e ofereceu um imóvel para que seu cliente, até que se estabeleça convenientemente, fique morando em São Paulo.

E, aproveitando a notícia linha justa, a reportagem inclui outra coisa que não é usual: dá o endereço do imóvel, violando a intimidade tanto do advogado quanto do cliente, e sem oferecer ao leitor qualquer informação de seu interesse. Há quem considere interessante saber se Battisti mora num bairro caro ou não, num imóvel luxuoso ou não; mas não é necessário nem correto divulgar o endereço exato. Enfim, como é para atingir os maus, assim como definidos pela empresa que edita a publicação, vale tudo.

 

Diversidade

E, lembrando a tolerância, no domingo há a Parada Gay em São Paulo. Há um lugar ótimo para assistir à festa, sem entrar no meio da multidão (mas só para convidados): o Camarote Solidário da Agência de Notícias da Aids, comandada pela boa jornalista Roseli Tardelli, que dedica sua vida e seu talento a essa luta. Fica no Conjunto Nacional, com entrada pela rua Augusta, com visão para toda a Parada. A entrada é quase gratuita: seis quilos de alimentos não perecíveis, de preferência diversificados, que irão para casas de apoio a portadores do HIV. O lugar é bom, o ambiente é agradável e amigo, a causa é louvável. Vale a pena batalhar um convite.

 

Discretíssimo 1

Um ou outro veículo de comunicação deu a notícia, mas muito discretamente. Acontece que o Conselho Nacional de Justiça, CNJ, interessado (o que é ótimo) no sistema eletrônico de registro de imóveis na Grã-Bretanha, enviou para Londres um grupo de juízes, registradores de imóveis e técnicos. “Precisamos conhecer a experiência de outros países”, diz um dos membros do grupo. Já houve outras iniciativas para conhecer melhor a experiência de outros países, com visitas no ano passado a Portugal e Espanha.

Este colunista imagina que conhecer os sistemas estrangeiros e transplantar para o Brasil o que for possível seja altamente vantajoso. Mas para que tanta gente viajando? Alguém já pensou em fazer tudo baratinho, pela internet?

 

Discretíssimo 2

E, por falar em discrição, os meios de comunicação foram furados pelos competentes colunistas Cláudio Humberto, de Brasília, e Ucho Haddad, de São Paulo, no Jatão da Alegria que levou deputados e senadores a Paris, para participar de “seminários sobre segurança” – na verdade, uma exibição do caça Rafale, que a França tenta vender ao Brasil, e um magnífico banquete oferecido pela fabricante do avião, a Dassault, a fabricante de suas turbinas, a Snecma, e a Thales, que produz os eletrônicos de bordo. Boca livre total, com hospedagem no Sofitel St.Honoré, um luxuosíssimo cinco estrelas. Coisa fina, digna do requinte a que se habituaram Suas Excelências – por coincidência, integrantes de comissões que se manifestarão sobre a compra dos caças.

 

Justiça lotada

O caso é engraçado, mas a imprensa o abordou só sob esse aspecto: um homem condenado a sete anos de reclusão pelo roubo de três cuecas usadas e um par de meias velhas foi libertado por decisão do Superior Tribunal de Justiça. Ninguém abordou o caso do ponto de vista do absurdo que é levar esta causa a Brasília. Desse jeito, pode-se multiplicar por dez o número de juízes que a Justiça continuará congestionada. Nem se assinalou que o Ministério Público, se recorrer (e ameaça fazê-lo) levará o caso ao Supremo Tribunal Federal, que deveria ser a grande corte constitucional do país.

 

Leia e desaprenda

Da edição on-line de um jornal que sempre primou pelo cuidado com o noticiário internacional:

** “Mahmoud Abbas, do moderado Hamas, e Khaled Meshaal, do radical Fatah, buscam acordo”

Ou seja, quem pôs a notícia no ar não sabe o que é o Hamas nem o Fatah. Mas influencia os leitores que crêem nas informações que recebem da imprensa.

 

De agora em diante

Jornalismo ainda tem a desculpa da pressa. Publicidade, não: tirando raros casos, há tempo para pensar, lapidar o texto, cuidar direitinho de tudo. Mas veja:

** “ (…) lança cuecas duráveis e confortáveis”.

Considerando-se que a marca de cuecas citada está há muito tempo no mercado, estará havendo uma confissão de que até agora o produto não era durável nem confortável?

 

Como…

Título de um release da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo:

** “PM prende líder de quadrilha que fez arrastão na Marginal”

Texto: “Segundo a PM, ele é suspeito de ser o chefe da quadrilha (…)”

Afinal de contas, é o líder da quadrilha ou é apenas suspeito?

 

…é…

De um grande portal de notícias:

** “Travessia Mar Grande-Salvador está suspensa por conta do mal tempo”

“Mal tempo” é o contrário de “bem tempo”. Mas não terá sido erro de digitação? Não: é “mal texto” mesmo. “Mau escrito”. A notícia cita o “mal tempo” mais duas vezes.

 

…mesmo?

De um grande jornal, sobre as mudanças no Ministério:

** “ (…) como no caso da substituição de Luiz Sérgio, cujo nome defendido pela maioria do PT era o de Cândido Vaccarezza (…)”

Estariam tentando trocar o nome do ministro-garçom, achando que com nome novo ele funcionaria melhor?

 

Mundo, mundo

O título poderia ser “Corno, fofoqueiro, vingativo e compreensivo”. É uma história excelente: o marido descobriu que sua esposa o traía com o chefe dela, também casado. Não teve dúvidas: usou a Internet, as redes sociais, o twitter, tudo para contar como era traído pela esposa. Não poupou detalhes: e-mails íntimos, fotos dos envolvidos, tudo completinho. Reação do atingido: processou o marido da amante por assédio moral. O caso está sendo julgado num tribunal de Londres. Agora, a parte final: apesar de tudo, da divulgação, do processo, o amante continua com a esposa, que sempre se manteve a seu lado. E o marido traído, depois da vingança, voltou a viver bem com a esposa.

 

E eu com isso?

Se fosse cena de filme, não daria certo: ninguém acreditaria naquilo. Mas aconteceu: a amante de Arnold Schwarzenegger, pivô da separação entre ele e Maria Kennedy Shriver, encontrou-se com ela e choraram juntas pelo desfecho do caso.

E onde encontramos essa notícia comovente? Nas revistas de noticiário frufru, claro. Cá entre nós, é muito mais agradável conversar sobre fofocas do que sobre os massacres na Líbia e na Síria e na troca de comando da Al-Qaeda.

Uma série de futuros bebês:

** “Grávida, Taís Araújo vai ao médico com Lázaro Ramos”

** “Claudia Leitte quer engravidar após o Rock in Rio”

** “Wanessa Camargo quer engravidar ainda neste ano, diz jornal”

E muito mais notícias:

** “Barbara Berlusconi toma cerveja encostada no balcão de um bar”

A filha do primeiro-ministro italiano está no Rio, de férias, com o namorado Alexandre Pato.

** “Luciana Gimenez: ‘Sou ciumenta. Não dá pra confiar em homem’”

** “Ashton Kutcher e outros famosos aproveitam o dia para se exercitar”

** “Estrela da NFL diz que fez sexo pelo telefone com noiva de jogador da NBA”

** “Mel Lisboa diz que se o marido não satisfaz é inevitável olhar para o lado”

** “Monique Alfradique diz que relaxou em cena de sexo”

** “De biquíni fio dental, Mulher Melão diverte fãs em praia no Rio”

 

O grande título

A área confessional é muito interessante:

** “‘Não tenho mais saco’, diz Fábio Jr. sobre casamento”

No noticiário internacional, outra confissão:

** “Coelhinha da Playboy diz que Hugh Hefner, aos 85, era infiel”

A parte mais interessante da notícia, entretanto, não foi publicada: que será que ele anda tomando?

Há títulos científicos, tratando, por exemplo, da relatividade do tempo:

** “Rita Cadillac ganha beijinho no bumbum no aniversário de 57 anos”

E há um clássico:

** “Glória Maria: ‘Nunca quis ser loira’”

Impecável.

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[Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados]