Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cada um no seu quadrado

Roberto Irineu Marinho, presidente das Organizações Globo, está no caminho certo: propõe que a lei separe a produção de conteúdo e programação da distribuição. Na frase de Roberto Irineu, ‘quem programa e produz não distribui, quem distribui não programa nem produz’. É bom para a Globo, claro (ou ele nem defenderia a idéia): são atividades muito diferentes, ambas exigindo talentos diferentes, ambas exigindo investimentos pesados. Mas é bom para todos: de certa forma, reduz o poder das grandes redes de TV no universo do cabo. Até agora, a rede que for dona da melhor infraestrutura de distribuição é obrigatoriamente a dona da audiência. Mudando-se o sistema, a audiência é da rede que mais se identificar com os telespectadores, já que a distribuição será compartilhada e comprada de terceiros.

Falta, entretanto, avançar um pouco mais: é importante, para ampliar a liberdade democrática de escolha no país, descruzar a propriedade dos meios de comunicação. Hoje, um só proprietário pode ter TV, rádio, jornal, internet, ganhando um imenso poder de formação de opinião pública (e também ampliando seu poder econômico, pois cada meio de comunicação de que dispõe irá também alavancar os outros).

Nos Estados Unidos, a propriedade cruzada é proibida localmente – ou seja, o The New York Times não pode ter rádio nem TV nas proximidades de Nova York. Com o rápido avanço das telecomunicações, a lei americana se tornou anacrônica: uma emissora da Costa Oeste pode facilmente alcançar a Costa Leste. Isso terá de ser analisado no futuro, juntamente com a propriedade dos portais de internet. Mas, se a lei americana se tornou pouco eficiente, continua muito melhor que a brasileira, que permite que uma empresa domine todos os veículos em sua área de abrangência. O domínio das comunicações é uma das explicações para a permanência no poder de tantos coronéis e de suas famílias, apesar do mau desempenho que demonstraram no exercício de cargos públicos.

Este poder discricionário, permitido pela propriedade cruzada dos meios de comunicação, não afeta apenas a opinião pública. Afeta os anunciantes, obrigados a compor-se com o monopólio da comunicação (e que, por sua força, ganha também influência política); afeta a democracia, por discriminar nas campanhas eleitorais quem quer que se oponha a eles; e afeta os jornalistas e demais funcionários das empresas, pois indispor-se com alguém pode significar a perda perpétua de emprego nos lugares em que moram.

Este colunista assistiu a um caso exemplar: numa cidade do interior paulista, dominada por um truculento coronel, uma repórter foi convidada a trabalhar na campanha eleitoral do filho do patrão, sem qualquer pagamento extra. Rejeitou o convite. Foi demitida e não encontrou nenhum veículo de comunicação para trabalhar: todos eram vinculados às empresas do coronel. Foi obrigada a deixar a cidade. A família do coronel mais tarde rachou, mas a briga é só entre eles: empregado, quando se indispõe com um, vira inimigo de todos.

Comecemos a descruzar, pois. Mas por que parar na produção e na distribuição? Nada de ficar no meio do caminho: a hora é boa para estudar o descruzamento e ir até o fim.

 

O interesse imediato

Por que o descruzamento da produção e distribuição é agora do mais alto interesse da Globo? Porque, se houver a modificação da Lei do Cabo, com a liberação da propriedade das distribuidoras ao capital estrangeiro, a Globo deve vender sua parte na NET aos sócios, os mexicanos da Embratel e da Claro, empresas pertencentes pertencentes a Carlos Slim. Capitaliza-se, pode dedicar-se melhor a seu core business, que é fazer televisão, e se livra dos pesados investimentos que teria de fazer, permanentemente, para ampliar, modernizar e manter o cabeamento. É um excelente negócio.

 

A culpa é da imprensa 1

O ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, ficou furioso: em licença médica (aliás, em sucessivas licenças médicas) foi fotografado numa festa e num bar. A ilação (se pode se divertir também pode trabalhar) é injusta: o problema do ministro, nas costas, só se manifesta quando fica sentado por algum tempo, o que tem dificultado seu trabalho no Supremo. ainda se o tivessem flagrado batendo uma bola, ou assistindo àquelas peças intermináveis do José Celso Martinez Correa, vá lá. Mas de pé, num balcão, qual o problema?

Entretanto, a reação do ministro também foi injusta: acusou uma repórter de tê-lo seguido, espionado e fotografado (quando as fotos nem foram feitas por ela), de ter invadido ilegalmente sua privacidade (quando ele estava em lugares públicos) e de ter apenas fingido que procurava ouvi-lo (quando ela efetivamente entrou em contato com sua assessoria e, mais tarde, tentou falar no bar com o próprio ministro, que se negou a atendê-la). Mas é fácil botar a culpa na imprensa – tanto é fácil que muita gente já o fez, desde antes do regime militar e até hoje. O ministro só precisa deixar duas coisas claras, para que não haja mal-entendidos:

1. Suas sucessivas e prolongadas licenças estariam atrasando um dos casos mais importantes em suas mãos, o do Mensalão?

2. Caso este atraso esteja ocorrendo, haverá alguma fórmula legal de transferir ao menos este caso para outro ministro, em condições de saúde mais favoráveis?

 

A culpa é da imprensa 2

Um candidato do PMDB ao Senado pelo Acre, João Correia, agrediu a socos e pontapés o jornalista Demóstenes Nascimento, da TV 5, afiliada à Rede Bandeirantes, que o entrevistava. Motivo: o jornalista se atreveu a tocar em temas não apreciados pelo candidato, como Segurança Pública e Escândalo dos Sanguessugas. A entrevista foi interrompida e, aos gritos, palavrões e agressões físicas, candidato e jornalista se enfrentaram.

A coligação que apóia Correia engloba PMDB, PSDB, DEM, PPS, PSC, PMN, PT do B e PSL, sob o nome ‘Liberdade e Produzir para Empregar’. A liberdade, pelo jeito, não se estende a entrevistar.

 

A culpa é da imprensa 3

De certa forma, a culpa é mesmo da imprensa: enquanto a reação não for dura, com denúncia à Policia, exame de corpo de delito, acompanhamento profissional da abertura de inquérito policial, sempre com bons advogados, noticiário a respeito do processo judicial, cada canalha do país vai-se sentir livre para agredir jornalistas, física ou moralmente. Quando até um ministro do Supremo, fotografado em lugar público, acusa uma jornalista de violar sua privacidade, chegamos ao fundo do poço. E o candidato a senador? Admitamos, para argumentar, que ele tivesse toda a razão na discussão. Isso não é motivo para agredir ninguém. Que tipo de gente destemperada os partidos querem levar ao Senado?

 

Enfim, uma boa notícia

O Supremo decidiu, pelo voto do ministro Celso de Mello, que a crítica jornalística é prerrogativa do jornalista. ‘A simples reprodução, pela imprensa, de acusação de mau uso de verbas públicas, prática de nepotismo e tráfico de influência, objeto de representação devidamente formulada perante o TST por federação de sindicatos, não constitui abuso de direito’, cita, referindo-se a decisão anterior, o ministro Celso de Mello. A decisão foi tomada no processo movido pelo desembargador Francisco de Oliveira Filho, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, contra o jornalista Cláudio Humberto (www.claudiohumberto.com.br). Trecho da notícia que motivou a ação agora derrotada:

‘O judiciário catarinense é uma ilha de agilidade. Em menos de 12 horas, o desembargador Francisco de Oliveira Filho reintegrou seis vereadores de Barra Velha, após votar contra no mesmo processo’.

 

Tentativa de desqualificação

Gerardo Santiago é o ex-diretor da Previ que acusa o governo petista de ter transformado o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil em fábrica de dossiês contra adversários do partido e do governo. Se tem ou não razão, isso não importa nesse tópico: que o caso seja investigado e esclarecido, e se ele mente que se abram os competentes processos. O problema é que parte da imprensa entrou na campanha para desqualificar o acusador. Uma informação é que ele registrou seu companheiro como dependente; outra é que, como advogado, foi quem pediu o habeas-corpus que garantiu a realização da Marcha da Maconha, no Rio.

OK, homossexual e chegado à maconha. E também irmão de um autor de novelas de sucesso. E que é que isso tem a ver com as denúncias que fez? Se fosse casado com uma mulher belíssima, mantivesse em casa uma cabrita de estimação, tomasse incenso no café da manhã ou rezasse todas as tardes em frente a uma foto de Che Guevara, com a cabeça voltada para Caracas ou Havana, isso faria alguma diferença com relação às denúncias que fez?

Há quem traduza erradamente o lema do The New York Times como ‘todas as notícias devem ser publicadas’. A tradução correta é ‘Todas as notícias que devem ser publicadas’. Há coisas absolutamente sem importância que revelam mais sobre quem publica do que sobre o personagem da notícia.

 

A grande diferença

O ataque a Gerardo Santiago lembra um memorável debate na Câmara Federal, entre um coronel da política, daqueles bem toscos, e um parlamentar assumidamente homossexual. A folhas tantas, o coronel bradou:

– E Vossa Excelência cale a boca, porque é veado!

– E daí? O filho de Vossa Excelência também é veado!

O coronel rebateu imediatamente:

– Não, senhor: meu filho é gilete!

Desculpe, amigo. Este colunista não vai revelar nomes nem se for obrigado a ler o livro sobre Renda Mínima, nem se o Marco Aurélio Garcia lhe pedir frente a frente, nem se tiver de fazer aquela dieta saudável do Serra. Mutismo total.

 

Gabi pode tudo

A história de que o Roda Viva, da TV Cultura, vai ser gravado porque Marília Gabriela tem medo de fazer programas ao vivo é bobagem. E por dois motivos:

1. O programa já é gravado faz tempo. Heródoto Barbeiro, excelente jornalista, com ampla experiência em programas ao vivo, apresentador de jornais com entrada de repórteres e tudo o mais, comanda as entrevistas por volta das seis da tarde e o programa vai ao ar às 22h.

2. Marília Gabriela, um dos grandes talentos da TV brasileira, já apresentou muitos programas ao vivo, sem problemas – inclusive telejornais, na época da Rede Bandeirantes, com entrada de repórteres, de sucursais, de correspondentes. E quem chegou a cantar para um público imenso, ao lado de um mito como Sílvio Santos, no Teleton, não tem medo de enfrentar um entrevistado ao vivo.

 

A base do espiritismo

O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, obra básica do espiritismo, está sendo lançada em nova tradução (de Alberto Adriano Maçorano Cardoso), com 488 páginas. Pode ser comprado nas livrarias Saraiva e Cultura, por R$ 46; ou baixado na Internet, por R$ 12,90 (endereço eletrônico faleconosco@videozaal.com).

 

Como…

De um grande portal noticioso:

** ‘De folga, Bruno Senna visita o (…)’

Segue-se a foto – só que o rosto foi cortado.

 

…é…

De um portal especializado em imprensa, comentando a publicação de um caderno com defeito:

** ‘Caderno do (…) é impresso sem machete’

O defeito, ao que parece, não tem nada a ver com a falta daquele facão tão útil quando a gente anda no meio de mato fechado. Ao comentar um erro, o portal cometeu outro. Era simplesmente manchete. Que, a propósito, pode ser mais cortante do que qualquer machete.

 

…mesmo?

De um grande portal noticioso, que publicou duas notícias sobre o mesmo fato, com a mesma foto:

** ‘Viviane Araújo abusa do decote em show com namorado’

** ‘Viviane Araújo exibe look comportado em show de pagode’

Talvez um redator seja mais moralista que o outro.

 

Mundo, mundo

Não é preciso ir muito longe: as coisas estranhas sempre acontecem por aqui. No Interior de São Paulo, perto de uma cidade próspera, Botucatu, um carroceiro bêbado dormiu na carroça, deixando a direção a cargo do cavalo. O cavalo, mais sóbrio e mais ajuizado, seguiu por uma estrada vicinal, fez corretamente a volta para entrar numa rodovia movimentadíssima, sempre na mão correta, no caminho certo. Alguns motoristas conseguiram parar a carroça. O carroceiro só foi acordar na delegacia. Seu irmão levou cavalo e carroça para casa.

Detalhe delicioso: o carroceiro, diz a matéria, ‘confessou que havia bebido’.

Mas, apesar de tudo, agiu corretamente: antes de desabar de bêbado, entregou a carroça ao cavalo de sua confiança.

 

…vasto mundo

O menino foi registrado como Gertrudes, e como se fosse menina. O avô, depois de muita comemoração pelo nascimento do neto, não percebeu o erro. Gertrudes é trabalhador rural: tem CPF, identidade, carteira de reservista, cartão do SUS, e ninguém percebeu nada. Só descobriu o erro na hora do casamento: o juiz disse que não poderia casar duas pessoas do sexo feminino. Gertrudes foi obrigado a pedir judicialmente a correção do engano. Já passou por exames de sangue, fez avaliação física, e tudo bem: até o fim do ano devem sair seus novos documentos masculinos e aí ele poderá, finalmente, levar a noiva Sirlei ao altar.

 

E eu com isso?

Há casos um pouco diferentes:

** ‘Policial indiano muda de sexo e adota ex-mulher’

A ex-mulher, agora filha, será mantida por ele, segundo prometeu à Justiça ao pedir a mudança de sexo. E, embora sem a mudança de sexo, esse tipo de coisa já aconteceu muito no Brasil, especialmente na época em que não havia divórcio: para garantir o futuro da amante, o homem a adotava como filha e a incluía na herança. Este colunista conhece pelo menos dois casos mas não vai abrir a boca.

E há o delicioso noticiário frufru, aquelas notícias essenciais para ser bem informado:

** ‘Homem finge convulsão para não pagar o jantar’

Foi preso, julgado e condenado a 18 meses. Parece muito, mas talvez ele esteja contente: lá almoça e janta sem que ninguém lhe traga a conta.

** ‘Beyoncé do Pará rasga calcinha e conquista moderninhos em SP’

** ‘Eva Longoria leva uma leve apalpada do marido em evento’

** ‘Homem é preso por saber tocar só duas músicas’

O vizinho não agüentava mais e acabaram brigando feio.

** ‘Garotas são flagradas nuas tocando a campainha de casas nos EUA’

** ‘Mulher é assediada por Pato Donald no parque e processa a Disney’

** ‘Aspirante a bombeiro provoca incêndios para trabalhar’

** ‘Filipino é preso após ser pego fazendo sexo em ônibus perto de delegacia’

** ‘Halle Berry quer ficar um ano longe dos homens’

** ‘Mischa Barton é flagrada com suposto cigarro de maconha’

Que será um ‘suposto cigarro de maconha’? Haverá a possibilidade de haver rúcula enrolada no papel de cigarro? Ou, quem sabe, alface com tomate seco?

 

O grande título

Foi um acidente sem vítimas, mas poderia ter sido uma tragédia. A declaração do diretor da empresa até chegou perto, mas também não foi uma tragédia.

** ‘Avião ficou 5 minutos no ar antes de acidente, diz diretor da Ocean Air’

Mas alguém a terá compreendido?

Outro título enigmático (para dar sentido, só mexendo um pouco na regência da frase, trazendo-a para mais perto do português):

** ‘Justiça quer prisão de atirador de crianças’

Talvez este colunista esteja sendo pouco compreensivo. Talvez haja por aqui um campeonato como aquele tão popular na Austrália, de lançamento de anões.

E o grande título da semana – de certa forma, uma homenagem ao pessoal que, como explicou o vice José Alencar, vai à zona e nem sabe o que acontece depois de sua visita:

** ‘Bolas são capazes de fazer um milagre pela sua silhueta’

É corriqueiro, mas é sempre um milagre. E tem gente que não gosta de reconhecê-lo.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados