Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Fatos bizarros amenizam cobertura da imprensa

Com espaço cada vez maior nos noticiários, fatos bizarros e sensacionais diversificam cobertura habitual da imprensa ao surpreender e divertir o público.


‘Bêbado, torcedor alemão surra policial com vuvuzela’ ; ‘Ladrão apanha ao tentar assaltar ex-boxeador de 72 anos’; ‘Vaca é executada após seduzir rapaz de 18 anos’ [exemplos de faits divers: ‘Bêbado, torcedor alemão surra policial com vuvuzela‘, ‘Ladrão apanha ao tentar assaltar ex-boxeador de 72 anos‘, ‘Vaca é executada após seduzir rapaz de 18 anos’]. Estes e outros casos semelhantemente estranhos estão presentes diariamente em diversos portais de notícias. Em geral, a abordagem destes fatos se vale de escândalos, curiosidades e bizarrices. A categoria transforma parte da imprensa em uma espécie de parque, repleto de diversões e outras formas de entretenimento – como a emoção, o humor e o espetáculo – pilares na busca por audiência, no panorama do jornalismo atual.


Em um antigo relato, Amus Cummings, editor do New York Sun, deu um exemplo claro daquilo que é considerado notícia para a imprensa sensacional: se um cachorro morde a perna de um homem, é comum, mas se um homem morder a perna de um cachorro é incomum – o que a transforma em notícia, devido ao caráter excêntrico, que desperta curiosidade.


Contudo, existe um termo francês que define a categoria, denominado faits divers (fato diverso), citado pela primeira no Grande Dicionário Universal do século 19, de Pierre Larousse. Posteriormente, o autor Roland Barthes, em seu livro Crítica e Verdade, enfatizou que essa ‘categoria’ de notícias não é dependente de contexto, ou seja, o assassinato de um político é um caso importante devido ao contexto existente por trás do acontecimento, o que Barthes chama de informação parcial. Mas, no caso do faits divers, ao tratar de um caso de morte de uma pessoa comum, a informação é total, ou seja, não é preciso entender além daquilo que se é abordado na própria notícia[BARTHES, Roland. ‘Estrutura da notícia’ in Crítica e verdade, 1966, disponível aqui].


Tentativa de linchamento


Apesar de tratar assuntos conhecidos dos leitores, como escândalos, agressões, acidentes, crimes, entre outras coisas, o caráter bizarro e sensacional resultou na criação de editorias específicas para tratar de faits divers na internet. No portal G1, há a seção Planeta Bizarro, enquanto no portal R7 existe a editoria denominada Esquisitices. Os portais brasileiros seguem uma tendência vinda de tabloides de outros países, como os britânicos The Sun, Daily Mail e Daily Mirror. O jornalista Danilo Angrimani, autor do livro Espreme que sai sangue, enfatiza que este é o principal conteúdo destes periódicos. ‘Os jornais sensacionalistas ingleses utilizam o faits divers, porque, se eles fossem um veículo, essas notícias seriam seu combustível’, explica.


Angrimani destaca que a categoria é ‘peculiar’, pois mesmo sendo sensacional, dá alívio ao leitor ao contar o fato. ‘Traz uma espécie de `imunidade´ ao leitor. Ao se deparar com uma notícia [de morte, ou acidente bizarro], se sente protegido: `aconteceu com ele e não comigo´’, esclarece.


Outra característica marcante dos faits divers é o caráter punitivo. O jornalista explica que os impressos funcionam como uma espécie de superego, que condena determinadas atitudes errôneas dos personagens da notícia. ‘O jornal vira o policial, o pai, a autoridade moral. O leitor, por sua vez, também se sente nesses papéis, de forma vicária’, exemplifica. Em uma exibição do programa Brasil Urgente, transmitido pela Rede Bandeirantes, câmeras mostraram ao vivo uma suposta tentativa de linchamento a um suspeito de roubo. Ao visualizar as imagens veiculadas durante vários minutos, o telespectador pode se imaginar em meio à situação, ao exigir que a justiça seja feita, apoiando a atitude da população [‘Brasil Urgente: População tenta linchar acusado por roubo‘].


‘O lado mais pernicioso’


Vale ressaltar que os faits divers também estão presentes nas redes sociais. Usuários do Orkut também criaram espaços para debater as tais notícias. Uma das principais comunidades da rede social, chamada ‘Anão vestido de palhaço mata 8’, registra um número de 107.399 mil membro [‘Comunidade do Orkut: ‘Anão vestido de palhaço mata 8’. Disponível em:


http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=2599389


Número de membros até o fechamento da edição]. Diariamente, discussões são criadas em torno das notícias curiosas veiculadas nos portais. Perfis no Twitter também mantém atualizações de notícias bizarras para os mais aficionados.


Também existem revistas especializadas no assunto, como a Mundo Estranho, que trata de casos exóticos e curiosidades, quase que em sua totalidade. Segundo a jornalista Marina Motomura, editora da revista, parte das pautas surge a partir da curiosidade dos leitores – o que caracteriza ainda mais o interesse pela categoria – e outra parte, da própria redação. Na revista, é possível encontrar uma seção denominada ‘Contando Ninguém Acredita’ que aborda notícias de caráter bizarro.


Contudo, a presença dessas notícias não é vista somente nos veículos impressos e online. Programas de TV se valem da categoria de entretenimento na busca pela audiência. Temáticas policiais, como o Brasil Urgente e de variedades, como Ratinho, além de telejornais tradicionais, exibem faits divers durante suas transmissões. Mas segundo Leopoldo Godoy, editor do Planeta Bizarro, do portal G1, a difusão do gênero em outras mídias se dá pelo êxito que vem tendo na rede. ‘É natural que outras mídias passem a dar atenção para esse conteúdo devido ao sucesso na internet’, constata Godoy.


Para o professor Eugênio Trivinho, coordenador do Centro Interdisciplinar de Pesquisas em Comunicação e Cibercultura (Cencib) da PUC-SP, o crescimento do interesse pela categoria ocorre pelo investimento no imaginário e irracional – contrário aos padrões de vida das pessoas no dia a dia. ‘A obrigação social pela racionalidade, equilíbrio e sentido, acabam avivando certo desejo pelo outro lado – o imaginário – e nos faz querer sair e romper com tudo isso, deixando de ser tão racional ou formalista’, explica. Segundo Trivinho, os meios de comunicação usam deste artifício ao explorar as reações das pessoas para se preservarem. ‘Eles não só estimulam isso, como capitalizam este lado mais pernicioso, o que, a rigor, não deveria ser socialmente explorado’, aponta.


Ainda assim, Trivinho não atribui culpa aos meios de comunicação que usam dessa categoria, e muito menos às pessoas, por buscarem tais conteúdos.


Informações bizarras ganham espaço


O técnico em Tecnologias da Informação (TI), Renato Fontes, costuma acompanhar faits divers pelo fato de ser um contraponto ao noticiário comum, que enfatiza tragédias, ações de políticos, bandidos e celebridades. ‘Em um jornal, você vê vários títulos de matérias, como `número de desabrigados cai em PE´, `Grupo é preso em flagrante enrolando maconha no Rio´, coisas até normais. Então, quando me deparo com uma manchete bizarra, é claro que me mato de rir’, comenta. Para ele esse tipo de abordagem serve para dar equilíbrio aos noticiários. ‘Eles entram para balancear esse cardápio noticioso’, julga.


Para Trivinho, a combinação produzida entre informação, emoção e entretenimento é problemática por não levar à reflexão. ‘Todo entretenimento tem algo de competitivo. Para ser bom, teria que perder o traço interno de competição, como ocorre na TV, em programas de auditório em que um ganha e outro perde. Também deveria perder o traço externo de concorrência – aquele no qual, se usa do entretenimento para bater outra emissora – e, por fim, deveria vincular-se a elementos de cultura, para levar a reflexão e aprendizado dos telespectadores’, argumenta. No entanto, o professor enfatiza que tais mudanças fariam com que o entretenimento deixasse de existir.


Apesar de entender que estas notícias têm grande foco no entretenimento, Thiago Perín, editor da seção Ciência Maluca da revista Superinteressante, acredita que o jornalismo não precisa ser ‘tão sério e formal’, desde que o trabalho seja bem exercido. Na mesma linha, Marina Motomura acredita que a categoria de entretenimento tem importância como qualquer outra existente. ‘Se há lugar para revistas de esportes, história e gastronomia, por que não um nicho de curiosidades?’, indaga. A jornalista também enxerga benefícios no contato do público com os temas da revista, como o fortalecimento do hábito da leitura e a busca por conhecimento. ‘A revista funciona como uma porta de entrada dos adolescentes num mundo mais amplo da cultura. Na medida em que vão envelhecendo, eles começam a se interessar por outros assuntos e ampliar seu leque cultural’, salienta Motomura.


Apesar da busca dos leitores, Godoy não vê a categoria como algo indispensável para a sobrevivência dos veículos no jornalismo atual. Contudo, para ele, ignorar os faits divers por completo não é uma postura coerente. ‘De fato, acho importante saber identificar que, no meio disso há notícias e assuntos interessantes que, se um veículo de imprensa deixa de dar atenção, corre o risco de ficar para trás’, alerta. Para exemplificar, o editor da seção Planeta Bizarro, do G1, cita o caso do menino de dois anos que fuma quarenta cigarros por dia, na Indonésia. O fato surgiu como um Fait Diver, mas ganhou espaço em todo o mundo, além de ser motivo de preocupação [‘Menino de 2 anos fuma 40 cigarros por dia na Indonésia, diz família‘].


No entanto, há leitores que não se satisfazem com os faits divers, ou pelo menos com a parte irrelevante deles. O assistente financeiro Rodrigo Santana não se conforma com a variedade de fatos absurdos que têm alimentado os noticiários. ‘Nem deveriam ser levadas a sério. Estão no lugar errado. Talvez se encaixassem melhor em colunas de humor…’, indigna-se. É provável que Santana se refira principalmente a notícias como a história do homem que encontrou uma manga com o formato de uma cabeça, em Presidente Médici, o que para alguns, ainda assim, é motivo de curiosidade [‘Homem encontra manga com `cara de gente´‘].


Assim como um parque de diversões, os faits divers são usados para atrair um número considerável de pessoas por meio do entretenimento. No jornalismo atual, a veiculação de informações bizarras em noticiários considerados ‘sérios’ tem ganhado cada vez mais espaço. Mas a escolha em consumir estes conteúdos, fica a critério dos leitores e telespectadores. Para Danilo Angrimani, ‘jornalismo é notícia, informação’, e os tais faits divers podem ser interessantes ou não para o público.

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Estudante de Jornalismo do Unasp, Engenheiro Coelho, SP