Desde 28 de setembro o tradicional matutino baiano A Tarde, líder inconteste na Boa Terra – cuja tiragem deve ser maior do que a soma de seus concorrentes – dá extensa cobertura à questão das estradas no estado. Ótimo que assim o faça em espaços que chegam à página inteira do caderno principal, pois o debate é naturalmente relevante num estado que é maior do que a França. Mas era de se supor maior coerência do jornal, afinal, com a penetração de que desfruta, acaba influenciando decisivamente a opinião a maioria da população baiana.
Coerência está aqui evocada, pois o simples confronto das matérias esclareceria ao leitor quanto ao fulcro da questão. Mas o jornal passa ao largo da discussão, limitando-se a cobrir os ruídos do assunto, os protestos populares, caminhões parados na pista etc. E os jornalistas que escrevem as matérias nitidamente têm o viés de que são possíveis serviços públicos sem tarifas. Até o direito constitucional de ir e vir do cidadão é invocado, como se a Carta Magna assegurasse caminhos gratuitos.
Vamos aos fatos específicos. Na quarta-feira (28/9) A Tarde dava manchete às péssimas condições da Rio-Bahia, trecho entre o Rio Paraguaçu e Feira de Santana. A ponto de haverem os caminhoneiros marcado a interrupção do trafego durante algumas horas, em sinal de protesto.
A questão do financiamento
Em 4 e 5 de outubro, A Tarde debruçou-se com generoso e nobre espaço sobre o conflito surgido entre a concessionária da Linha Verde e a Prefeitura de Lauro de Freitas, município por onde a estrada sai de Salvador em direção às praias do litoral norte. A empresa quer que todos os acessos à BA-099 dirijam os veículos aos postos de pedágio da concessionária. Afinal, a Concessionária Litoral Norte investiu na duplicação da pista, seus acionistas querem retorno.
Não há como fugir à lógica do mercado, não existe uma entidade abstrata capaz de prover caminhos asfaltados a não ser que alguém pague por isso. A única solução para os buracos da Rio-Bahia é a instalação dos pedágios da Linha Verde. É melhor gastar cinco reais na cabine do que o desperdício de gasolina nos engarrafamentos da pista única, sem falar no desgaste precipitado nos automóveis provocados pela estrada ruim, no risco de acidente.
Seguramente sem intenções didáticas, o jornal, mesmo pretendendo apenas dar notícia do estado das rodovias no estado, acaba tocando em algo fundamental para a sociedade: a questão do financiamento da infra-estrutura pública.
Depuramos o processo
Depois de alguns anos de conflito penso que o tema foi digerido no estado de São Paulo, onde os pedágios deixaram de ser questão ideológica e converteram-se numa avaliação quantitativa que faz o motorista, como diante de um outro produto qualquer capaz de bem manter seu automóvel. No Paraná, e não só lá, pagar por uso de estrada ainda é assunto polêmico, insumo para passeatas e tribunas.
A imprensa é chamada a aprofundar sua cobertura do tema, pois o Brasil está na iminência de um maciço programa de Parceria Publico Privada (PPP) de âmbito federal. Os governos não têm dinheiro para construir a infra-estrutura de estradas, portos, ferrovias e usinas elétricas. Ou entram nisso capitais privados e o Estado atua com agências regulatorias ou continuaremos com o pré-colapso das Rio-Bahia e quejandas. Mas é preciso que a população seja coerente, e a imprensa responsável, que discuta o problema em vez de cobrir o circo da notícia.
Estamos em ótimas condições para mergulhar no PPP. A cruzada ética que varreu o país desde o impeachment de Collor foi capaz de exorcizar a fatia de corrupção nos contratos de empreiteiros com os governos, de modo que as obras se tornaram baratas. Caíram as máscaras de Marcos Valério e PC Farias, depuramos o processo. O Brasil tem sorte.
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Dirigente de ONG, Salvador