Artigos publicados neste Observatório já chamaram a atenção para programas de TV que divulgam as últimas novidades da ciência ou da tecnologia, alardeando que elas poderão revolucionar o bem-estar físico dos consumidores. O exemplo mais recente é o artigo “Saúde nos discursos midiáticos: viva sem menstruar”, de Viviane Ramalho, publicado em 14/6 (edição nº 646).
O artigo de Ramalho aborda a questão da divulgação de um tema de biologia humana (menstruação) de um ponto de vista, digamos, ideológico. Ainda que seja uma abordagem pertinente, e por si só bastante interessante, sou de opinião que as mensagens reproduzidas nesses programas de “aconselhamento” também precisam ser abordadas de uma perspectiva científica. Afinal, além de reproduzir elementos insidiosos da ideologia dominante, como o consumismo desenfreado, o conteúdo desses programas em geral reproduz erros e mal-entendidos científicos grosseiros.
Em artigo anterior (ver “Demografia confunde imprensa”, Observatório no. 376, de 10/4/2006), eu já havia tido oportunidade de discutir esse problema, envolvendo então temas demográficos. Naquela ocasião, chamei a atenção especificamente para a confusão feita entre longevidade e expectativa de vida em prestigioso programa semanal da televisão brasileira.
Teoria, artes práticas e sabedoria
Na verdade, o problema das confusões conceituais não sai do ar, qualquer que seja o tema ou assunto abordado, dando a impressão de que repórteres e editores não conseguem (ou não querem) evitá-lo. Quando são pegos com a mão na botija, jornalistas costumam dizer que o público não se interessa por detalhes e que eles, por isso mesmo, são obrigados a “nivelar tudo por baixo”, deixando as explicações “detalhadas” para a mídia especializada. O caso mencionado por Ramalho, envolvendo a veiculação pela TV de opiniões grosseiras a respeito da menstruação, talvez fosse evitado caso o assunto fosse abordado de modo minimamente crítico.
No que segue, apresento uma sugestão de roteiro que um programa de televisão sobre a menstruação poderia adotar. O roteiro aborda três aspectos, indo do mais geral ao mais específico, a saber: a) o que diferencia ciência de tecnologia?; b) a medicina é uma ciência ou uma tecnologia?; e c) por que as mulheres menstruam? Na hipótese de um programa de “aconselhamento”, como foi o caso do programa mencionado no artigo de Ramalho, nenhuma sugestão ou orientação deveria ser dada aos telespectadores sem antes oferecer respostas claras às perguntas acima, principalmente à última.
De acordo com o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.), as virtudes intelectuais do ser humano podem ser reunidas em três categorias: a teórica, a produtiva e a prática. A primeira categoria, exemplificada pela ciência (episteme), lida com o conhecimento demonstrativo de fenômenos “universais e eternos”. A segunda, constituída pela arte (techne), lida com o conhecimento de como fazer as coisas que usamos ou precisamos no dia-a-dia. A terceira, constituída pela prudência ou sabedoria prática (phronesis), lida com o conhecimento que visa a estabelecer metas e princípios para uma vida humana boa, plena e justa.
Primeiro a tecnologia, depois a ciência
Cada uma dessas atividades é praticada hoje por diferentes tipos de “especialistas”. Os praticantes da ciência, por exemplo, são chamados de cientistas, enquanto os praticantes das artes práticas são artistas ou técnicos. Na opinião de alguns autores, as artes práticas constituiriam aquilo que habitualmente chamamos de tecnologia. Para outros, no entanto, a tecnologia teria um significado mais restrito, abrangendo apenas as artes práticas que contam com um significativo corpo de conhecimento e explicações científicas associados.
De um jeito ou de outro, devemos ter em mente o seguinte: ciência e tecnologia são atividades distintas e, em larga medida, independentes. A tecnologia, diferentemente do que muitos imaginam, não é a cristalização do conhecimento científico nem sua aplicação prática. Outro mal-entendido é imaginar que a tecnologia é uma atividade recente, própria de nossa época, ou que se trata meramente da produção de bens e serviços cada vez mais “modernos”. A tecnologia permite que essas coisas aconteçam, mas ela própria não se reduz aos bens e serviços produzidos.
Além de serem atividades distintas e independentes, cabe observar que a tecnologia é bem anterior à ciência. Dezenas de milhares de anos atrás, bem antes do nascimento do que viria a ser chamado de ciência, nossos ancestrais pré-históricos desenvolveram uma tecnologia suficientemente sofisticada a ponto de construir ferramentas de ossos e pedras. Mais tarde, sob circunstâncias inteiramente diferentes, surgiriam os artefatos de bronze, ferro e, mais recentemente, os de aço.
Tecnologias de base científica
Diversas inovações tecnológicas que caracterizariam a chamada Revolução Industrial, cujos desdobramentos moldaram o mundo em que vivemos, pouco ou nada tiveram de base científica. Um caso que ilustra bem essa afirmação é a história da máquina a vapor, uma invenção-chave para a civilização industrial. O incentivo original para o seu desenvolvimento foi estritamente comercial e industrial, sem qualquer grande preocupação científica.
Em resumo, podemos caracterizar a distinção entre ciência e tecnologia dizendo o seguinte: se, amanhã ou depois, civilizações extraterrestres fizerem contato conosco, podemos estar certos de que o conhecimento científico deles não será diferente do nosso (embora possa ser muito mais avançado). Em compensação, é quase certo que a tecnologia deles será muito diferente da nossa, a despeito de ser mais ou menos avançada.
Diversas ocupações profissionais modernas, como a agronomia, a arquitetura, as engenharias, a medicina e o serviço social, têm mais a ver com tecnologia do que com ciência. A agronomia e a medicina, por exemplo, são artes práticas (ou tecnologias) milenares. Embora as versões modernas dessas atividades estejam fundamentadas na ciência (principalmente na biologia), a agronomia e a medicina não são elas próprias disciplinas científicas. Vejamos, especificamente, o caso da medicina.
“Ceticismo e insegurança moral”
Até onde sabemos, todas as sociedades humanas (passadas ou presentes) possuem suas técnicas de tratamento das moléstias e dos ferimentos. Na maior parte das vezes, essa prática está fundamentada em conhecimento exclusivamente empírico, sem base científica. De fato, a história da medicina, antes da Revolução Científica (cujos primórdios recuam até o século 15) e, mais especificamente, até pouco antes da descoberta dos micróbios (século 19), era caracterizada por procedimentos muito diferentes dos que estamos habituados a imaginar. Aos olhos do senso comum de hoje, o que dizer, por exemplo, da prática, outrora comum, de prescrever a administração de preparados contendo urina ou fezes do próprio doente ou mesmo de animais domésticos?
A medicina moderna – ou ao menos a medicina ocidental moderna – surgiu no século 18, tendo como fundamento científico duas disciplinas biológicas, a morfologia (anatomia) e a fisiologia humanas. Eis o comentário de um historiador da ciência a respeito do assunto (grafia original):
“O espírito do ensino médico tem permanecido quase sem alterações desde o século 18 […]. Esse ensino baseia-se na Anatomia e na Fisiologia, tratadas como ciências naturais consistentes, dotadas de sólida base experimental Seguem-se-lhes os estudos clínicos, sob orientação direta de médicos experientes, dando-se ênfase ao desenvolvimento da sabedoria prática e de técnicas bem-sucedidas empiricamente […]. A cada época que se sucede, continua-se a acentuar o fato de que a Medicina `ainda´ não pode ser reduzida a uma ciência completa, cobrindo teoricamente todos os casos possíveis, e que o médico habilidoso deve estar sempre pronto a fazer uso de sua iniciativa pessoal e de sua intuição própria, a fim de tratar com o mundo das coisas práticas. Também a pesquisa clínica possui sólida tradição empírica. Tratamentos eficazes, descobertos por acidentes ou frutos de conjecturas felizes, são tão importantes em si quanto os que foram deduzidos de maneira racional, a partir da teoria. O objetivo da instrução e da pesquisa médica é curar as pessoas de suas doenças, e não o de meramente ampliar o nosso conhecimento da Biologia Humana.
Mas essa atitude pragmática não livrou a Medicina do dogmatismo infundado […]. A experiência pode ser perigosa, uma vez que representa um risco para a segurança do paciente. O médico que prescreve um tratamento `correto´, baseado nos princípios convencionais, não precisa recear o ônus da responsabilidade de um eventual malogro. Em qualquer ofício prático no qual as decisões tenham de ser tomadas todo dia com base em evidências inadequadas, existe uma tendência perfeitamente normal no sentido do conservadorismo teórico. Para manter acesa a confiança do médico em si próprio (e mais acesa ainda a do seu paciente!), é mais confortável apoiar-se em alguma teoria geral que aparente justificar o tratamento, ao invés de deixar-se cair no ceticismo e na insegurança moral. […]
Teoria evolutiva e biologia molecular
A história da Medicina é instrutiva, porquanto mostra a extraordinária dificuldade de se assentar uma habilidade prática sobre uma base científica sólida. Quase todos os progressos verificados na prática médica, até tempos bem recentes, foram alcançados através da observação direta, da experimentação, ou da simples dedução a partir de uma ampla variedade de fatos bem conhecidos.
Não foi senão em 1865 que uma mudança radical da técnica médica se derivou de um princípio biológico elementar. Naquele ano, Joseph Lister (1827-1912), professor de Cirurgia em Glasgow, levando em conta as provas apresentadas por Pasteur em favor da teoria microbiana das doenças […], começou a fazer experiências sistemáticas utilizando as técnicas da cirurgia asséptica […]. Quando por fim chegarmos à cura do câncer, será interessante observar se esta surgirá naturalmente da clínica médica, como uma `invenção´ brilhante, ou se irá basear-se teoricamente em algum novo mecanismo fundamental de Biologia Molecular” – John Ziman (1981, p. 176-179).
Com o progresso da biologia, principalmente a partir de meados do século 19, a base científica que orienta a prática médica foi ampliada. Houve, por exemplo, o impacto da teoria evolutiva, da genética e, mais recentemente, da biologia molecular.
A interface biologia evolutiva/medicina
Até poucos anos atrás, os esforços para evitar ou contornar as moléstias estiveram concentrados exclusivamente no estudo de como as doenças se instalam em nosso corpo. Mais recentemente, surgiram evidencias indicando que pode ser igualmente valioso entender o por quê adoecemos.
Entender como e por que o corpo humano é tão vulnerável a danos, especialmente a doenças, é o principal objetivo da chamada medicina evolucionista, ou darwiniana. Em 1991, o biólogo George C. Williams (1926-2010) e o médico Randolph M. Nesse publicaram um artigo pioneiro sobre essa nova disciplina; em 1994, divulgaram suas ideias em um livro (Nesse & Williams 1994). Nos anos seguintes, ainda publicariam juntos diversos artigos e capítulos de livros. (Sobre o legado científico de GCW, ver Costa 2011.)
Em todas essas obras, Williams e Nesse procuraram sedimentar a nova disciplina, chamando a atenção para as novidades e os benefícios (teóricos e práticos) que uma exploração sistemática da interface biologia evolutiva/medicina poderia oferecer. Por diversas vezes eles chamaram a atenção para o que consideravam ser um problema particularmente grave: a ausência de biologia evolutiva nos currículos médicos – alerta que também valeria para outros cursos da área de saúde, como enfermagem, fisioterapia e odontologia. (Para uma discussão mais recente, ver Nesse et al. 2009.)
O comportamento do nosso sistema imunológico
De acordo com Williams e Nesse, a formação tradicional, sem um conhecimento mínimo de biologia evolutiva, deixa os médicos inteiramente despreparados para enfrentar questões fundamentais do tipo: por que os seres humanos são como são, e não de algum outro jeito qualquer? Por que passamos por um processo de senescência à medida que envelhecemos? Por que adoecemos? Por que as mulheres menstruam? O que uma perspectiva evolutiva pode nos ensinar a respeito da natureza das doenças e seus respectivos sintomas? Por que as doenças transmitidas por vetores tendem a ser mais letais que as transmitidas por contágio? Até que ponto uma perspectiva evolutiva pode transformar a interpretação dos sintomas em algo mais preciso e seguro, notadamente no caso de doenças infecciosas? Que implicações essas melhorias poderiam ter não só nos procedimentos que comumente são adotados frente a tais sintomas, mas também em relação ao nosso estilo de vida atual? E assim por diante.
Interpretar corretamente os sintomas de uma doença não é tarefa trivial nem desprovida de consequências. Veja o caso da anemia, uma condição caracterizada pelo baixo nível de ferro (hemoglobina) no sangue circulante. Na chamada anemia de doença crônica, um tipo de anemia associado a processos inflamatórios, infecciosos ou cânceres, a deficiência de ferro pode não ser uma patologia, mas sim, um mecanismo de defesa do corpo. Nessas circunstâncias, sugerir a ingestão de ferro suplementar pode agravar o problema, ao invés de resolvê-lo.
Diagnósticos mais bem informados podem sugerir ainda a adoção de novos procedimentos – alguns até mesmo contra-intuitivos. Veja o caso da chamada hipótese dos velhos amigos (ou hipótese da higiene), segundo a qual a exposição a certos parasitas (notadamente vermes) durante a infância pode modular o comportamento do nosso sistema imunológico, evitando que mais tarde ele reaja de modo, digamos, exagerado, como ocorre em certas doenças alérgicas e autoimunes. Com base nessa hipótese, portadores de determinados distúrbios imunológicos têm sido tratados de modo experimental por meio da ingestão deliberada de ovos de parasitas. Os resultados dessa inusitada terapêutica são promissores e parecem justificar o otimismo de alguns pesquisadores.
Menstruação: como e por quê?
Os caracteres hereditários (morfológicos, fisiológicos, comportamentais) do corpo humano têm uma longa história evolutiva. Alguns são adaptativos, outros não. Em alguns casos, nós ainda estamos tentando obter uma boa explicação evolutiva para a ocorrência de certos fenômenos e processos biológicos. É o caso da senescência, da menopausa e da menstruação – afinal, por que esses processos, aparentemente maladaptativos, evoluíram? Vejamos, especificamente, o caso da menstruação (Costa 2009).
O sistema reprodutor feminino passa a cada 28 dias, aproximadamente, por dois ciclos, o ovariano, durante o qual ocorre a ovulação, e o uterino, durante o qual ocorre a menstruação. A preparação para o início desses processos cíclicos mensais normalmente começa quando a menina tem entre nove e dez anos. A primeira menstruação (menarca) ocorre por volta dos 12 anos, enquanto a derradeira costuma ocorrer quando a mulher tem entre 45 e 55 anos. Nessa última fase, ocorrem diversas alterações fisiológicas no corpo feminino, que passa por períodos de atrasos ou suspensões até que a menstruação cessa definitivamente. É a menopausa, o fim da vida reprodutiva da mulher.
Ao longo do tempo, a fisiologia da menstruação tem sido descrita em níveis de detalhamento cada vez mais profundos. Isso, no entanto, não é por si só capaz de responder a outro tipo de pergunta: por que as mulheres menstruam? Em biologia, quando perguntamos o por quê de determinado fenômeno ou processo, já não estamos lidando apenas com a fisiologia do corpo dos seres vivos, mas sim, com a história dessa fisiologia – isto é, como e por que tal processo evoluiu ao longo das gerações. Em outras palavras, o que está em jogo já não é mais a nossa compreensão de como a menstruação ocorre ou se processa, mas sim, o modo como o processo da menstruação (tal qual o conhecemos) evoluiu.
Embora essas duas grandes questões – como e por quê – estejam interligadas, elas exibem um grau significativo de autonomia, a ponto de serem investigadas em separado. Além disso, como a “tradição do como” é relativamente mais antiga e mais simples do que a “tradição do por quê”, a biologia tem sido mais bem-sucedida na formulação de explicações funcionais para os fenômenos da vida. Uma justificativa adicional para essa assimetria pode ser meramente pragmática: a explicação funcional é (ou parece ser) suficiente para nos orientar frente a muitas questões do dia-a-dia. É por isso que um médico ou uma médica ginecologista, por exemplo, pode orientar de modo satisfatório as mulheres com distúrbios no sistema reprodutor (ciclos menstruais irregulares, sangramento excessivo etc.) que o ou a procuram, mesmo quando ele ou ela nada sabe sobre o “por quê” da menstruação – isto é, sobre os fenômenos e processos que moldaram a evolução do corpo humano.
As perguntas da biologia evolutiva
A bem da verdade, é bom que se diga, até bem pouco tempo atrás ainda não havia uma teoria biológica que explicasse de modo consistente a evolução da menstruação, embora os detalhes fisiológicos sejam conhecidos e estudados há muito tempo. A situação começou a mudar nas últimas décadas, quando as primeiras hipóteses explicativas de cunho evolutivo começaram a aparecer. Desde então, surgiram várias ideias interessantes e promissoras. Esse foi o caso, por exemplo, da hipótese formulada pela bióloga Margie Profet, segundo a qual a menstruação teria evoluído como um mecanismo de defesa contra micróbios nocivos trazidos pelos espermatozoides.
A hipótese de Profet apareceu em um artigo publicado em 1993 e, embora de lá para cá tenha encontrado mais restrições do que apoio, não resta dúvida de que mexeu com as ideias sobre o assunto; nesse sentido, o trabalho de Profet pode ser considerado como um marco no estudo da menstruação. Em 1996 apareceu uma outra hipótese adaptativa, proposta pela antropóloga Beverly Strassmann. Além de argumentar contra as ideias de Profet, ela apresentou sua própria explicação, segundo a qual a menstruação teria evoluído por razões essencialmente econômicas – isto é, construir e reconstruir o endométrio consumiria menos recursos do que mantê-lo permanentemente preparado para receber um embrião eventual.
Explicações adicionais (adaptativas ou não) apareceram depois disso, como a hipótese de que a menstruação teria evoluído como um indicador externo do ciclo reprodutivo feminino. Até agora, porém, nenhuma das hipóteses sugeridas parece ter se tornado hegemônica entre os estudiosos do assunto. Ainda que todas as hipóteses explicativas já publicadas mostrem-se inconsistentes e venham a ser substituídas em futuro próximo, não há dúvida de que o enfoque evolutivo lançou luz nova sobre um assunto ainda hoje cercado de preconceitos, erros e mal-entendidos, inclusive entre os especialistas.
Por exemplo, muitos especialistas em fisiologia humana sem formação em biologia evolutiva encaram as perguntas levantadas por biólogos evolucionistas como questões excessivamente selecionistas (“a menstruação, afinal, não seria uma adaptação”) ou, pior ainda, como questões sem sentido. Todavia, com exceção talvez destes últimos – os fisiologistas ortodoxos, para quem “fenômenos e processos fisiológicos são o que são, e pronto” –, dificilmente algum estudioso da biologia reprodutiva humana discordaria da pertinência das perguntas que estão sendo levantadas pela biologia evolutiva: por que as mulheres menstruam? Por que não manter a camada uterina (endométrio) até que o bebê precise dela? E mesmo que o descarte do endométrio seja uma medida meramente econômica, por que o sangramento copioso? Por quê?
Embromação e propaganda dissimulada
Espero ter conseguido mostrar ao leitor que a teoria evolutiva tem implicações diretas no cotidiano dos seres humanos. Não só como uma ferramenta que ajuda a formular respostas para algumas de nossas dúvidas mais antigas e fundamentais – de onde viemos? –, mas também para nos orientar frente a problemas de ordem prática.
Graças ao trabalho de alguns pioneiros, a análise evolutiva tem sido estendida para outras áreas do conhecimento, bem além dos seus domínios originais. Tem sido assim não só com a medicina, mas também com a economia, a psicologia e a linguística, entre outras áreas.
As causas e consequências de todo esse dinamismo estão muito além da pauta que domina a mídia brasileira, mesmo de setores supostamente voltados para a divulgação de temas e assuntos de ciência e tecnologia. O cidadão ou a cidadã que procura se informar a respeito do mundo por meio de matérias veiculadas pela mídia continuará, portanto, alheio a tudo isso. E o que é pior: ao invés de ciência e tecnologia, continuará exposto a doses elevadas de embromação e propaganda dissimulada, conforme Ramalho comentou em seu artigo.
Bibliografia
Costa, F. A. P. L. 2009. “Menstruação: outra perspectiva é possível”. Ciência Hoje 257: 72-3.
Costa, F. A. P. L. 2011. George Williams e a mãe natureza. Ciência Hoje 282: 70-2. (Para uma versão mais detalhada, ver artigo “A Mãe Natureza é uma bruxa velha malvada”, publicado na revista eletrônica Simbio-Logias.)
Nesse, R. M. & Williams, G. C. 1997. Por que adoecemos: a nova ciência da medicina darwinista. Rio de Janeiro, Campus.
Nesse, R. M. & outros 12 co-autores. 2009. “Making evolutionary biology a basic science for medicine”. Proceedings of the National Academy of Sciences 107 (Suppl. 1): 1800-7.
Ziman, J. 1981. A força do conhecimento. Belo Horizonte & São Paulo: Itatiaia & Edusp.
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[Felipe A. P. L. Costaé biólogo, autor de Ecologia, evolução & o valor das pequenas coisas (2003)]