Os grandes jornais de circulação nacional estão passando por um teste raro mas sempre instigante na atividade jornalística. É o caso do acidente com um helicóptero no litoral da Bahia, no qual foram vítimas amigos próximos do governador do Rio, Sérgio Cabral.
Nem haviam ainda sido localizados todos os corpos, e a imprensa começou a levantar sinais de ligações suspeitas entre os cofres públicos do Rio de Janeiro e o anfitrião da festa que terminou em tragédia.
Como fazer a transição num acontecimento em que o governador aparece inicialmente no papel secundário em cenas de luto, e passa rapidamente a personagem principal de um provável escândalo político?
Sem concorrência
Os jornais adotaram processos diferentes para inserir o novo enredo.
O Estado de S.Paulo age com cautela. Reduziu o noticiário sobre a tragédia a um registro de pé de página, e colocou ao lado uma nota na qual um representante da oposição ao governador carioca pede esclarecimentos sobre as relações de Cabral com os empresários Eike Batista e Fernando Cavendish.
Como já havia sido noticiado por ocasião do acidente, as vítimas do helicóptero que caiu no sul da Bahia se dirigiam a uma festa de aniversário do empreiteiro Cavendish. A mulher, o filho, uma cunhada e um sobrinho do empresário estavam entre as sete vítimas fatais.
Cavendish tem muitos negócios com o governo do Rio, e oposicionistas também querem saber que relações havia com Eike Batista, que emprestou um jato executivo para o grupo de turistas do qual o governador fazia parte.
O Globo, que entrou primeiro na história, até mesmo por se tratar de um jornal carioca, separou os dois assuntos em páginas opostas e mergulha na investigação. De seus relatos se pode saber que a empresa de Cavendish, a Delta Construções, tem sido parceira preferencial do governo do Rio para obras sem concorrência pública. Já contra Eike Batista e sua miríade de empresas o jornal não encontrou qualquer sinal de irregularidade.
Luto e suspeita
As reportagens sobre detalhes do acidente e aspectos pessoais da tragédia que afeta Sérgio Cabral seguem em página separada, sem qualquer referência aos aspectos políticos paralelos.
Já a Folha de S.Paulo abandonou completamente a cobertura do acidente com o helicóptero e investe fortemente nos indícios de relações suspeitas entre o governo do Rio e a empresa de Cavendish e investiga possíveis favorecimentos a Eike Batista.
Resta observar como os jornais vão abordar o empresário que acaba de perder a mulher e o filho, ajudando a esclarecer uma suspeita em meio ao luto e ao sofrimento.