Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

In memoriam de Sandra Gomide

Meu artigo sobre mulheres apedrejadas no Irã e arredores desagradou muitos amigos. Este aqui vai me arranjar inimigos. Me inspirei num comentário bem inteligente de um leitor no blog do Nassif. O de que o Irã, em revanche às críticas feitas no Brasil, poderia pedir para se processar o Brasil pelo assassinato a tiros da jornalista Sandra Gomide, pois o crime ficou sem punição para o culpado, mesmo sendo confesso e tendo sido julgado.

E seria mesmo uma boa se o Irã fizesse isso, deixo aí a idéia para os colegas correspondentes do Irã em Brasília publicarem em seus jornais, em Teerã, qualquer coisa como – Brasil se mete na história da Sarineh, mas no Brasil faz dez anos que mataram a tiros Sandra Gomide sem qualquer condenação. E poderão acrescentar que para mulheres infiéis existe no Brasil o chamado crime de honra ou passional, só que os brasileiros são muito mais clean, não enterram a infiel para jogar pedras. Pode-se dar um ou dois tiros, até pelas costas.

O site Jornalistas & Cia, citado pelo Portal da Imprensa, publicou nesta semana um excelente documento de investigação sobre os dez anos do assassinato de Sandra Gomide pelo ex-diretor do jornal O Estado de S.Paulo, Pimenta das Neves, e cita um ótimo livro sobre o caso, O Vôo da Rainha, do jornalista e escritor argentino Tomás Eloy Martínez, tratando da soberba e da prepotência do autor do crime. Extraordinário livro, no qual Eloy Martínez, falecido em fevereiro deste ano, dá corpo literário ao drama.

Vida amargurada

Você lê o documento do Jornalistas & Cia. e tem a mesma reação do pai da moça, o senhor João Gomide – ‘não há justiça neste país’. Mas até quando é que eu, você, seus vizinhos, seus amigos, nós todos, vamos dizer e ver isso provado, sem que nada se faça para mudar? Será que somos um país de carneiros, de paspalhos, de castrados, de babacas, de palhaços?

Até quando vamos aceitar que a Justiça brasileira seja essa zorra? Ninguém percebe que se isso continuar assim, vai virar uma esculhambação – prisão para o povo e liberdade para tudo quanto é bandido, desde que tenha grana suficiente para azeitar onde for necessário e utilizar os mil e um recursos para driblar esse simulacro de justiça?

Vejam bem, no caso da Sandra Gomide, o culpado confessou, foi julgado e condenado, mas obteve do Supremo Tribunal Federal uma liminar lhe permitindo aguardar em liberdade um recurso contra o julgamento. E se o STF deixar o tempo correr, como está fazendo, quando decidir, haverá outro recurso, o de que Pimenta Neves estará velho e doente para ser levado à prisão, que, diga-se de passagem, será em cela especial e não com presos comuns.

Enquanto isso, o pai e mãe de Sandra Gomide têm um vida amargurada, sofrem, adoecem, vendo nada ser feito contra o assassino de suas filha. Mas o que isso importa ? São pobres, gente do povo, não fazem parte da elite inatacável, que se danem.

Uma lástima

Faz oito anos, um tal Paulo Roberto de Andrade passou um conto do vigário em mais de 30 mil pessoas com seu Boi Gordo, uma grande parte do dinheiro dos investidores desapareceu em Miami, e o Conafi não quis saber e nem se interessou, e a justiça eliminou qualquer possibilidade de processo penal, mesmo se o caso envolveu mais de três bilhões de reais. Um advogado, Almeida Paiva, se levantou contra o enganador, mas nada pôde fazer contra a lentidão da justiça e morreu, no começo do ano, descrente e amargurado, sem ter conseguido seu objetivo.

Na Suíça, o procurador de Genebra aguarda uma condenação de Paulo Maluf no Brasil em última instância, ou seja pelo mesmo STF, para poder enviar a São Paulo o dinheiro que ficou bloqueado nos bancos, embora uma parte tenha sido desviada para a Ilha de Jersey. O bloqueio de contas por suspeita de fraude ou corrupção vale por dez anos, não havendo condenação nesse tempo, o bloqueio é levantado e o dinheiro pode ser de novo movimentado. Já transcorreram sete anos anos, faltam só mais três e, com certeza, Maluf reaverá seus bens por falta de condenação.

Cito esses dois casos, e mais um, no sentido inverso – essa mesma Justiça que faz vista grossa para os ricos e abonados, é capaz de brigar para punir contestadores. Durante meses e meses, batalhamos em favor do italiano Cesare Battisti, ameaçado de extradição por ter sido militante esquerdista e acusado de crimes que não cometeu. Ora, para Cesare Battisti o STF quer punição, porque se trata de um pé de chinelo que ousou, no seu país, denunciar e lutar contra uma sociedade injusta.

E tem mais – Battisti teve refúgio concedido pelo ministro da Justiça da época, Tarso Genro, há quase dois anos, mas o STF fez de tudo para impedir sua liberdade. Battisti, está preso até hoje, para ele não há liberdade condicional, nem habeas-corpus, ele é povo, é representante dos que lutam para haver realmente justiça. E como é época eleitoral, a decisão salvadora da presidência ficará para depois das eleições, para não desviar votos.

Senhor João Gomide, o senhor tem toda razão, não há mesmo justiça no Brasil, virou zorra, é uma lástima mas é a realidade.

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Jornalista