A Fundação Knight anunciou na quarta-feira (22/6) um importante compromisso para com o Centro para a Futura Mídia-Cidadã, do Massachusetts Institute of Technology (MIT): um investimento de 3,76 milhões de dólares por três anos, uma nova diretoria e uma nova e sofisticada missão. Sim, e também um novo nome: agora é apenas Centro para a Mídia-Cidadã.
Ethan Zuckerman, cofundador de Global Voices e veterano professor no Centro Berkman, será nomeado diretor do Centro e seu principal pesquisador-cientista. Zuckerman disse-me ontem (21/6) que o Centro passará a ser um lugar destinado a investigar a forma pela qual as comunidades recebem informação e produzem informação, assim como a forma pela qual as pessoas tomam a decisão de agir em prol da cidadania. Trata-se de uma abordagem mais ampla do que o simples jornalismo-cidadão.
O Centro, que inaugurou um novo website nos últimos dias, nasceu de uma proposta que ganhou os 5 milhões de dólares da primeira versão de “Desafio da Informação”, da Fundação Knight, em 2006. (A Fundação iria anunciar hoje [22/6] os vencedores da quinta e última versão de “Desafio da Informação”.) Trata-se de uma colaboração do Laboratório de Mídia do MIT e do programa Estudos de Mídia Comparada, da universidade.
Clima de entusiasmo
Segundo John Bracken, diretor de mídia digital, o que atraiu a Fundação Knight foi a ideia de partir dos aspectos focalizados internamente na experiência do Laboratório de Mídia – ao contrário da tradição dos engenheiros de inovarem apenas por inovarem – e tentar trazê-los para fora desse foco, criando vínculos mais fortes com as comunidades, de forma a que as necessidades e aspirações destas sejam conduzidas para a inovação.
Bracken disse ainda que a Fundação estava satisfeita com a reforma exterior do Centro encomendada no outono de 2010. Num relatório divulgado hoje, o Centro, conhecido como C4, é elogiado por seus avanços em pesquisa e ensino, mas também é recomendada uma maior ênfase em algumas coisas: muitos projetos não foram concluídos; outros deveriam, definitivamente, ser abandonados, o que é comum em locais que incentivam a criação e desenvolvimento de novas ideais, assim como é prática comum no C4; e novos esforços serão guardados ou desenvolvidos nos próximos anos.
Seria difícil para muitos outros tipos de instituições copiar com precisão a abordagem do C4. Mas algumas lições dos primeiros anos do C4, amplas e universais, merecem ser compartilhadas em público, tanto de forma direta, quanto indireta. “Acredito que haverá um aperfeiçoamento”, disse Bracken. E acrescentou que há um clima de entusiasmo pela combinação de Ethan Zuckerman, que irá dirigir o Centro, e a liderança de de Joi Ito, que dirige o Laboratório de Mídia. Ito tem formação em tecnologia e é um investidor – não, um acadêmico. Sua nomeação foi anunciada em abril. Zuckerman irá substituir Chris Csikszentmihályi, que se afasta da instituição após ter sido seu diretor por três anos.
Dar voz às pessoas e ajudá-las a serem ouvidas
Entrevistei Zuckerman por telefone ontem (21/3) e perguntei-lhe sobre seus projetos para o Centro para a Mídia-Cidadã, a começar pelo novo nome. Seguem-se alguns trechos, ligeiramente editados, da nossa conversa.
Ethan Zuckerman – O Laboratório de Mídia tem muita coisa de Centro do Futuro e acredito que a convenção em torno da escolha do nome, por ocasião do início do Centro, há quase quatro anos, foi devida a essa convenção do Laboratório de Mídia. A verdade é que esta é uma área que se transforma tão rapidamente que, em muitos casos, estou interessado na atual mídia-cidadã. Não sei se a palavra “futuro” seria necessária no título.
O que vem a ser exatamente o Centro para a Mídia-Cidadã? O que o senhor acha que ele virá a ser?
E.Z. – O Centro será um lugar onde se investigará como as comunidades têm acesso à informação, como as comunidades produzem informação e a forma pela qual as pessoas tomam a decisão de agir em prol da cidadania. É uma abordagem mais ampla que o simples jornalismo-cidadão, que, na realidade, é a área em que venho trabalhando há vários anos.
A mídia-cidadã pode ter tudo a ver com mobilização. Pode ter tudo a ver com a documentação da comunidade. É um tipo de jornalismo e ainda é mais. É um tema muito, muito amplo. Fundamentalmente, é tão amplo quanto a questão de como as comunidades tomam decisões baseadas na informação. E dentro desse campo incrivelmente amplo, há duas ou três áreas que quaro muito focalizar. Grande parte de meu trabalho nos dois últimos anos foi destinado a ajudar a dar voz às pessoas sem-voz, marginalizadas. É dessa maneira que você pode ler o projeto Global Voices. Trata-se de uma tentativa não só de dar a oportunidade da palavra às pessoas do mundo em desenvolvimento, como também de lhes dar uma melhor oportunidade de serem ouvidas. E essa é uma questão fundamental para parte do trabalho desenvolvido pelo Centro para a Futura Mídia-Cidadã. Especificamente, eu destacaria o trabalho de Charlie De Tars com Between the Bars (Entre as grades), que procura incentivar presidiários a criarem blogs. Ou o que vem sendo feito em Heroreports, um sistema que vem sendo usado no México para permitir que as pessoas relatem atos de heroísmo da comunidade, uma espécie de resposta a See Something, Say Something, para relatar as preocupações de uma comunidade. Acho que um dos temas é não apenas dar voz a pessoas marginalizadas, mas ajudá-las a serem ouvidas.
Quem formata a agenda da mídia?
Um segundo tema poderia ser tentar descobrir uma maneira que permita uma participação positiva. Uma das coisas interessantes que acontecem no mundo da mídia-cidadã é que é muito, muito fácil, para ativistas do mundo inteiro, começar um movimento. Você tem mulheres na Arábia Saudita fazendo vídeos de si próprias no YouTube dirigindo, como um ato de desobediência civil. E há inúmeras pessoas manifestando apoio e solidariedade a isso. Nancy Pelosi expressou seu apoio a isso pelo Tweeter. É possível fazer alguma coisa além da solidariedade? Como podemos construir sistemas que permitam às pessoas participar produtivamente do apoio às lutas de outros povos? Então, eu adoraria descobrir uma maneira e uma estrutura que tornassem mais fácil a participação produtiva.
A terceira coisa – e na qual o Centro já fez um trabalho brilhante – é que boa parte do que é mais interessante na mídia-cidadã é a maneira pela qual ela se enraizou em comunidades geográficas reais. Acho que umas das coisas nas quais o Centro fez um trabalho fantástico está na força dos mapas. E não apenas mapas como uma espécie de representação visual, mas como uma forma conceitual de por uma camada de informação sobre o mundo físico. Como você faz para as comunidades construírem mapas do que é importante para elas, do que as preocupa, de seus lugares preferidos, como é possível construir mapas de uma maneira colaborativa e de uma maneira pela qual toda a comunidade possa participar? E parte desse trabalho foi feito, como, por exemplo, o trabalho de Jeff Warrens com o Grassroot Mapping, que ajudou as pessoas a construírem torres para fotografia aérea a baixo custo e mapas para a comunidade. Então, eu acho que tudo isso tem muito, muito a ver com a mídia-cidadã.
Depois tem a quarta coisa em que estou realmente interessado, que é a questão de compreender o ecossistema. Tem havido uma discussão retórica sobre a ideia de ecossistema das mídia já há três ou quatro décadas. Mas essa retórica, na verdade ajuda muito mais no contexto do mundo da mídia-cidadã, onde as coisas se tornaram muito mais complicadas. Não estamos falando de um ecossistema de jornais e uma ou duas emissoras. Falamos de um ecossistema que envolve blogueiros, tuiteiros, o Facebook e o YouTube, assim como toda essa mídia audiovisual. E, literalmente, tentar compreender como tudo isso funciona. Por que uma matéria rebenta e outra desaparece? Quem formata a agenda da mídia? Estes não são tópicos acadêmicos. Na realidade, são questões profundamente úteis se você for um ativista e estiver tentando descobrir a maneira pela qual um assunto ou uma causa possam ser levados a sério.
Fronteira entre a teoria e a prática
Então, quero trabalhar e refletir nessa área. Não porque ache que são questões acadêmicas fascinantes, mas por achar que é o tipo de inteligência de que você precisa para ser um ator-cidadão. Nos dias de hoje, você precisa saber como levantar a voz de maneira eficiente e como faz para ser ouvido.
A grande notícia sobre tudo isso é que já existe um excelente trabalho sendo feito no Centro sobre todos esses projetos. E depois há a esperança de que consigamos trazer bastante gente, tanto como estudantes de mestrado, quanto como professores, pois esperamos fazer mais com um programa de pós-graduação ou de professores visitantes – e muito através de parcerias. Boston é uma cidade incrivelmente rica no que se refere a pessoas que fazem um trabalho inovador nesta área. Portanto, a meta é abrir as portas e nos envolvermos, tanto quanto possível, com um amplo número de pessoas tanto nestas quanto em outras questões.
O Centro irá priorizar a construção de coisas concretas?
E.Z. – O que mais me fascina no Laboratório de Mídia é que há uma necessidade concreta de produzir uma ferramenta. Se você é um estudante de mestrado ou de doutorado no Laboratório de Mídia, em última instância você será avaliado pelo que você construiu. O que acho muito bom nisso é que você é obrigado a misturar teoria e prática. Tenho certeza que é possível ignorar a teoria por completo e construir algo que parece prático, mas duvido que sigamos nessa direção. Há tanta coisa inteligente acontecendo no que se refere à mídia-cidadã – é um tópico muito rico – e as pessoas envolvidas no Centro estão tão interessadas nos debates que se desenvolvem sobre esse assunto que eu penso que não teremos problema algum se formos participantes ativos no diálogo sobre teoria.
Acredito que o fato de se tratar de uma parceria entre o Laboratório de Mídia e os Estudos de Mídia Comparada do MIT garante que estaremos envolvidos nesses diálogos e, espero, ajudando a levar em frente esses diálogos. Mas ao fim do dia – e especialmente para os estudantes do Laboratório de Mídia – é necessário produzir alguma coisa utilizável. E acho isso um grande desafio que se junta a tudo isto: o de ter a certeza de que isso jamais se tornará puramente teórico e se equilibrará na fronteira entre a teoria e a prática.
A propósito do Laboratório de Mídia, o senhor irá trabalhar com Joi Ito, outra grande aquisição do MIT…
E.Z. – Somos muito amigos. Participamos juntos da diretoria de Global Voices. Convidei-o para lá anos atrás. Nos envolvemos numa série de projetos distintos e ele é um de meus co-conspiradores preferidos. Achei uma escolha brilhante para o MIT e contribuiu para o meu entusiasmo. Eu vinha participando de discussões sobre essa posição há algum tempo, pois isso envolvia redigir uma nova bolsa para a Fundação Knight. Por isso já vimos conversando há muitos, muitos meses e grande parte dessas conversas com Joi foram em paralelo. Fiquei excitado ao descobri-lo. Joi não só é uma pessoa extraordinária com quem trabalhar, como tem as melhores percepções para o que realmente está acontecendo. É uma pessoa de conhecimento notável na área da mídia-cidadã, em termos de uma participação mais ampla. Tem opiniões práticas sobre o assunto. Ele realmente se interessa pelo que funciona e pelo que as pessoas usam.
E, além disso, pareceu-me que a sua contratação deixava evidente que o MIT compreendia, de uma maneira muito concreta, que num assunto como as novas mídias você precisa de uma ampla variedade de pessoas à mesa. Precisa pessoas com uma experiência acadêmica rigorosa, mas também precisa pessoas que entendam de tecnologia, que entendam os negócios da tecnologia e a comunidade da tecnologia. Portanto, a disposição de envolver uma pessoa como Joi – que não tem uma formação acadêmica formal, mas tem uma experiência única em trazer a tecnologia para o mercado e em trabalhar com usuários apaixonados – pareceu-me uma atitude muito sábia. Não poderia estar mais entusiasmado.
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[Andrew Phelps é da Redação do Nieman Journalism Lab]