Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mídia e o ‘novo analfabetismo’

Faz tempo que os estudiosos chamam a atenção para o problema do excesso de
informação nas sociedades contemporâneas. Em precioso artigo intitulado ‘O novo
analfabetismo’, publicado no Jornal do Brasil, há exatos seis anos, Emir
Sader lembrava que:




‘Até um certo momento, a capacidade de compreensão do mundo, e de nós dentro
do mundo, esbarrava na falta de informações. Mais recentemente, passamos a
sofrer o fenômeno oposto: excesso de informações. Nos dois casos, o que sofre é
a capacidade de compreensão, de apreensão dos fenômenos que nos rodeiam, que
produzem e reproduzem o mundo tal qual é e nós dentro dele. (…) A informação
contemporânea, massificada, fragmentada, atenta contra a capacidade de
compreensão da realidade como uma totalidade. Os noticiários de televisão
enunciam uma enorme quantidade de informação, sem capacitar para sua
compreensão, com um ritmo e uma velocidade que impedem sua assimilação e o
questionamento do sentido proposto’ (íntegra
aqui
).


Já tive a oportunidade de argumentar neste OI que informação não é
conhecimento e que o excesso de informação passou a ser sinônimo de
desinformação [cf. ‘Internet,
informação e conhecimento
in OI nº. 297 de 5/10/2004]. Além disso, o
principal problema provocado pelo excesso de informação tem sido identificado
como a incapacidade do cidadão comum de ‘compreensão da realidade como uma
totalidade’.


Há, todavia, outro aspecto pouco lembrado: a informação que está disponível
‘em excesso’ nem sempre é aquela que permite a ‘compreensão da realidade como
uma totalidade’. Ou ainda: não é nem mesmo a informação correta sobre
fatos e dados de grande interesse público.


Presidente muçulmano em país antimuçulmano?


Parte dos resultados de uma pesquisa nacional realizada nos Estados Unidos
pelo conceituado Pew Research Center, agora divulgados, dramatiza essa
nova realidade.


O número de americanos que acredita que o seu presidente é muçulmano tem
aumentado ano a ano e chegou a 18% da população, em agosto de 2010. Se somados
àqueles que declaram ‘não saber’ ou que ele é de ‘outra religião’ que não a sua,
63% dos americanos desconhecem que Barack Obama, na verdade, é cristão [ver
quadro].


 



 


Quando perguntados como souberam qual a religião de Obama, 60% daqueles que
acreditam que ele é muçulmano citam a mídia. Dezesseis por cento mencionam a
televisão como sua fonte.


Alguns ainda podem acreditar que não se deva atribuir maior significado aos
dados revelados pelo Pew Center. No entanto, bastaria lembrar a crescente onda
anti-islâmica que varre os Estados Unidos [por exemplo, ‘The
US blogger on a mission to halt `Islamic takeover´
‘], ou mencionar a
manchete de capa da revista Time desta semana [vol. 176, nº. 9] que
pergunta ‘A América é islamofóbica?’ e publica os assustadores resultados de
outra pesquisa nacional:


** 25% consideram os muçulmanos americanos não patriotas;


** 28% dos americanos afirmam ser contra um muçulmano integrar a
Suprema Corte (nunca houve nenhum); e


** 33% se opõem a um muçulmano concorrendo à presidência.


E o dever de informar?


É imperativo, portanto, perguntar: se o grau de informação (desinformação?)
dos americanos em relação à crença religiosa do seu próprio presidente expressa
a qualidade da informação sendo oferecida pela grande mídia – sobretudo, a
televisão –, estaria ela cumprindo sua missão fundamental na democracia que é
informar corretamente ao cidadão?


A lição para nós, brasileiros, é a reiterada necessidade de se estar atento
às muitas contradições das posições públicas assumidas pela grande mídia e suas
entidades representativas.


A defesa da liberdade de imprensa em nome do direito de informar – que, na
verdade, é o corolário do direito básico do cidadão de ser informado – não
significa que a informação necessária e correta esteja disponível. Mesmo em
sociedades onde, eventualmente, possa existir ‘excesso de informação’.

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Professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher,2010