Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Poligamia é coisa séria?

No calor de uma sentada, fiz um texto que foi publicado em dois jornais pontagrossensses. Nesse texto, expus algumas ideias correntes em qualquer conversa de bar sobre a poligamia. Depois de o texto publicado, resolvi fazer uma busca na rede sobre como essa temática tem sido abordada em outros locais. Meu argumento central – de que o número de homens em idade reprodutiva é inferior ao de mulheres na mesma fase – não se mostrou inválido. Entretanto, boa parte da discussão que encontrei sobre o tema está repleta de preconceito.

Um debate bem mais prolífico, falando em números de comentários dos leitores, se mostrou a publicação de Cimberley Cáspio no Correio do Brasil. Seus leitores não perdoaram seus vícios de linguagem e trouxeram à tona elementos interessantes. O texto reivindica a aceitação da poligamia levando em conta que o STF admitiu como constitucional a união homoafetiva. O autor incorreu em grande erro tornando essa formulação seu argumento central. A discussão sobre a poligamia não deve girar em torno da conquista de outros segmentos, e sim, em torno da principal causa que justifica abordar o tema, a desproporção entre as populações masculina e feminina.

Outro erro do autor foi considerar que famílias poligâmicas são comuns na região nordeste do país, o que causou a ira de um comentador de seu texto, certamente com base apenas em reportagens televisivas superficiais, algumas das quais vi e não tenho tempo nem interesse em pesquisar. Outro de seus comentadores ressaltou o fato de não existir poligamia apenas em países de tradição religiosa muçulmana. Se referiu a países asiáticos e praticantes do budismo, a exemplo de Mianmar. Menciona também o fato de o Ocidente cristão procurar ocultar esses fatos e a não mostrar como as coisas de fato são nesses países. Provavelmente exagero, mas acredito nos ser mais relevante o que se circunscreve no Brasil.

Poligamia existe de forma velada

Os resultados do Censo Demográfico de 2010 mostram que no Brasil a população feminina superou a de homens em 4 milhões nos últimos dez anos (ver aqui). Uma revista de divulgação científica, Sociologia, n° 12, da Editora Escala, traz como título da reportagem de capa: “Uma legião de mulheres”. Essa superioridade numérica feminina faz com que alguns especialistas aventem a poligamia como fator que possa equiparar a proporção de homens à de mulheres.

Entre as opiniões femininas dos comentários do texto de Cáspio, a maioria das mulheres aceita discutir a questão racionalmente, entretanto reivindica também o direito igual. Ou seja, a poliandria, regime matrilinear em que as mulheres podem ter dois ou mais parceiros. Situação que não resolveria a desproporção populacional entre os sexos no Brasil, pelo contrário a agravaria. É raridade o comentário da leitora Rose que recai sobre a questão da “outra”. A amante como uma pessoa que também divide a sua vida com alguém, mas que, na maioria das situações, não tem nenhum direito reconhecido diante da sociedade.

Devemos levar em consideração também que vivemos em um contexto em que as mulheres conquistaram uma série de direitos que antes não tinham e que em muitas sociedades ainda não têm: acesso ao ensino, ao mercado de trabalho, participação na política etc. estão entre esses elementos. Apenas se aventar a possibilidade da poligamia soa incogitável aos ouvidos de uma mulher atual e de muitos homens também, estou certo. Entretanto, se a disparidade populacional entre as populações masculina e feminina continuar se acentuando, é provável que esse arranjo familiar continue se fortalecendo.

Os estudiosos do Direito sabem que a monogamia é regra e a poligamia é exceção, termo esse que não significa inexistente. A poligamia existe de forma velada e, se as circunstâncias exigirem, vai afrontar os tribunais em busca de um novo direito.

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[José Alexandre Silva é professor de História, Ponta Grossa, PR]