Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Rede anacrônica e inútil

Começo com uma pergunta ao leitor: você costuma ouvir a Voz do Brasil? De minha parte, confesso que sou ouvinte desse programa. E explico: mesmo não sendo masoquista, ouço esse noticiário oficial para comprovar até onde chega o uso da máquina pública e o projeto de poder do PT.

Um bom exemplo dessa estratégia de “petização” do País ocorreu há pouco mais de uma semana, no dia 16 de junho de 2011, data em que a Voz do Brasil deu um show de propaganda governista, ao noticiar o programa habitacional “Minha Casa Minha Vida 2” – durante 13 minutos dos 25 que dura o noticiário dedicado ao Poder Executivo. Qualquer rádio independente daria a mesma notícia no máximo em 3 minutos.

A Voz do Brasil, programa transmitido em rede obrigatória de mais de 3 mil emissoras de rádio AM e FM, de norte a sul do País, tem hoje um estilo propagandístico e serve de palanque eletrônico diário ao governo, ao PT e seus aliados.

Seus defensores são, acima de tudo, os políticos beneficiários dessa rede anacrônica, cara e inútil, que se perpetua no País há mais de 70 anos. A rigor, hoje ela só interessa aos políticos do Executivo, à base partidária governista e, em especial, aos deputados oriundos dos grotões, que usam o programa para comunicação com suas bases, até para recados triviais do tipo “Alô, mamãe”.

Anacronismo

Criada em 1935, ou seja, há 76 anos, em plena era Vargas, a Voz do Brasil tinha, ao nascer, alguma semelhança com o projeto de Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda da Alemanha nazista, que levava a voz de Hitler e do regime via rádio a todos os alemães, de 1933 a 1945.

Na época, o Brasil tinha poucas emissoras de rádio, único meio de comunicação de massa de que o mundo dispunha. Por isso, ao criar a Hora do Brasil, o grande argumento de Getúlio Vargas era usar a rede obrigatória como “fator de integração nacional” para levar a voz do governo a todo o País.

Hoje, em pleno século 21, o cenário das comunicações brasileiras é radicalmente diferente. A televisão aberta chega a 95% dos lares do País. O rádio está presente em 80% dos domicílios e é ouvido em 18 milhões de automóveis, da frota nacional de 28 milhões. E a internet já conta com mais de 75 milhões de usuários. Por que, então, manter esse programa em rede obrigatória?

Alternativas

É claro que todos os governos precisam divulgar seus feitos, suas decisões e projetos. Para fazê-lo, no entanto, há hoje opções muito mais eficazes e econômicas do que uma rede obrigatória de 3 mil estações de rádio.

Uma delas poderia ser a distribuição diária, via Agência Brasil, do noticiário oficial dos três poderes a toda a mídia – rádios, TVs, jornais, revistas e portais da internet. Não temos dúvida: todas as notícias de real interesse público seriam divulgadas, com critérios mais jornalísticos, maior credibilidade, menores custos e maior audiência.

Na verdade, isso já está ocorrendo: a maior parte das notícias governamentais já são divulgadas pelo rádio, pelas redes de televisão privadas e pelos maiores portais da internet. E sem nenhum custo.

Além de contar com essa divulgação espontânea, o governo poderia usar sua própria rede de radiodifusão, composta por mais de 40 emissoras de rádio e TV do governo federal e dos Estados, entre as quais, a Empresa Brasileira de Comunicações (EBC), a TV Câmara, TV Senado, TV Justiça e as chamadas TVs Educativas. Dê uma espiada, leitor, no site da EBC e veja, como exemplo, as rádios e TVs da empresa.

História

A ideia de um noticiário oficial do governo nasceu em 1934 com o Programa Nacional, criado por Armando Campos, um amigo de infância de Getúlio Vargas, transmitido na voz empostada de Luiz Jatobá, o famoso locutor de todas as ditaduras, do Estado Novo ao regime militar. Mas o programa não era obrigatório.

Reformulado e com o nome de Hora do Brasil, o programa oficial tornou-se obrigatório e passou a ser transmitido por todas as rádios do País a partir do dia 22 de junho de 1935. Durante o Estado Novo (1937-1945), período ditatorial de Vargas, foi utilizado intensamente pelo Executivo, para a transmissão da maioria dos discursos oficiais e mensagens do governo, pelo antigo Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP. Mas, só a partir de 1962, com a Lei 4.117 (Código Brasileiro de Telecomunicações) a Hora do Brasil passou a dedicar metade de seu tempo ao noticiário do Poder Legislativo.

Os governos adoram as trombetas públicas que contam e cantam seus feitos. A partir de 1970, o regime militar chegou a obrigar as emissoras de rádio e TV do País a transmitir em rede até programas educativos, como o Projeto Minerva. Era tão chato que povo o apelidou de “Projeto Me Enerva”.

A Voz do Brasil – como a tiririca, a planta daninha dos jardins – tem resistido a todos os governos e regimes. Nem as Constituições de 1946 a 1988 conseguiram sepultá-la como rede obrigatória.

Se outra razão não houvesse para extingui-la ou torná-la facultativa, bastaria lembrar que a Voz do Brasil representa, acima de tudo, um imenso desperdício de energia elétrica, ao impor a formação de uma rede diária de 3 mil emissoras, totalmente redundante, de baixa audiência, anacrônica, inútil e cara. Está na hora de remover esse entulho.

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[Ethevaldo Siqueira é jornalista e colunista do Estado de S.Paulo]