O Globo Online foi obrigado a informar oficialmente que não havia produzido qualquer reportagem sobre a falsa posição favorável de traficantes à tese do desarmamento.
A deputada federal Denise Frossard, favorável ao desarmamento, teve textos atribuídos a ela na internet em que defendia tese contrária [artigo abaixo]. O deputado federal Jutahy Magalhães Jr. (PSDB-BA), homem sério, foi apontado na internet como pai de uma lei que legalizaria a corrupção no país.
Bobagens? Coisas de amadores sectários? Sim; mas, na luta pela primazia da notícia, tem jornalista incluindo nos noticiários online notícias não devidamente checadas. Ouvir o outro lado, nem pensar: leva tempo, talvez o tempo necessário para que um colega mais rápido, ou menos preocupado com a precisão, se antecipe e consiga o furo. E, se uma notícia errada sai em algum site, prepare-se: antes que você consiga telefonar para lá para corrigi-la, a informação falsa será republicada em dezenas de outros sites, que a consideraram verdadeira pelo simples fato de já ter sido divulgada.
Quando publicam uma notícia errada por falta de checagem, os jornalistas dos sites, em geral, se mostram sinceramente preocupados, prontos para corrigi-la. O problema é que o mal já foi feito: depois que se espalham as plumas de um travesseiro, como recolhê-las? Não dá: quem leu, leu, e a grande maioria dos leitores não voltará ao local para tomar conhecimento do desmentido.
Só há um jeito: temos de ser exigentes e precisos. Temos de perder o tempo necessário na apuração, sabendo que a operação, via web, é ultraveloz: irá recuperar o tempo perdido. E o ‘furo’, o grande prêmio do jornalista, por mais que tenha valor, não vale a reputação dos injustamente atingidos.
Por que vou votar sim para o desarmamento
Denise Frossard (07/09/2005)
No início de 2003, quando tomava corpo o debate sobre o desarmamento, duas posições radicais e antagônicas estavam presentes. Uma defendia a pura, simples e integral proibição do comércio de armas, porque isso provocaria redução substancial da criminalidade, e a outra patrocinava o comércio completamente livre, sem amarras legais, porque andar armado seria um direito do cidadão sobre o qual o Estado não deveria intervir e, em defesa dessa sua tese, apontava-se um absurdo argumento da possibilidade de aumento da criminalidade no caso da proibição.
Chamada ao debate, em maio daquele ano (2003), preparei um artigo que ganhou o título ‘Os danos da proibição’, no qual defendi a regulamentação do porte de armas e falei do risco de se proibir sua comercialização de maneira integral e completa. Elogiei a legislação que melhorava o controle e limitava o porte de armas de fogo e alertei a população para a necessidade de cobrar a adoção de medidas complementares, porque a simples proibição ou regulamentação, sem outras medidas, não produziria os reflexos esperados sobre os números da criminalidade.
Depois de apresentar dados do mercado clandestino de armas e falar das experiências da Lei Seca e da reserva de mercado de informática, que estimularam o mercado negro de bebidas e computadores, afirmei: ‘(…) é bom retirar do debate a idéia equivocada de que os que são contra a mera proibição estão no pólo oposto da argumentação, propondo ‘às armas, cidadãos’. Não é assim. Acredito na eficiência da regulamentação e no controle rigoroso da fabricação, do porte e da importação de armas. Acredito na responsabilização direta e penal de todo aquele que, mesmo não portando armas, estimule o porte ilegal. Venho defendendo publicamente esses pontos de vista desde o começo dos anos 90. O caminho do controle foi tomado em fevereiro de 1997, com a edição da lei 9.437(…). Recentemente o Senado melhorou ainda mais a lei, aprovando um projeto que, entre outras medidas, torna o porte ilegal de armas um crime inafiançável. A proposta do Senado será submetida à Câmara, onde terá o meu apoio.’
Quem reler o artigo ‘Os danos da proibição’, comparando-o com o Estatuto do Desarmamento, que nasceu sete meses depois, encontrará coincidências evidentes, porque, em maio, eu pedia a regulamentação e a limitação do porte de armas de fogo, o que aconteceu, em dezembro, com o Estatuto do Desarmamento.
O Estatuto do Desarmamento, o referendo, a lei 10.867, de 12 de maio de 2004, e o decreto 5.123, de 1 de julho do mesmo ano, surgiram na direção do bom senso que sempre defendi, um sentimento que percebi quando escrevi, no término do artigo ‘Os danos da proibição’: ‘A proposta do Senado será submetida à Câmara, onde terá o meu apoio.’
Sinto-me obrigada a retornar ao assunto, porque, na internet, claramente com o objetivo de confundir, numa atitude de baixa política e de leviano comportamento, circula o artigo publicado em maio de 2003, que está disponível em minha página na internet. Circula com um tom que não lhe dei e com um sentido que não tinha e não tem, para atribuir a mim, a partir do título, ‘Os danos da proibição’, a preferência pelo ‘não’, na resposta ao referendo. Com as mesmas intenções, um jornal do Rio de Janeiro, sem previamente me ouvir, resolveu, há poucos dias, republicar o artigo. Sei quem o fez, porque mandei apurar.
Perdem tempo com este jogo bobo, porque a minha opção pelo desarmamento é clara, indiscutível, e está demonstrada até pela minha decisão pessoal de nunca andar armada, mesmo tendo porte legal e passado por momentos na vida em que muitos aconselhavam o contrário.
De maneira definitiva: votarei ‘sim’ no referendo, e com o meu voto estarei confirmando a minha opção pelos dispositivos do Estatuto do Desarmamento e das leis que limitam e regulamentam o porte de armas de fogo. [Denise Frossard é deputada federal (PPS-RJ)]
Contraponto
Às vezes, como a maior parte de nosso público é de jornalistas, tendemos a concentrar as críticas em nosso trabalho. Injustiça: há outros formadores de opinião além dos jornalistas, gente que é capaz de enxergar conspirações mirabolantes em cada ‘isto é uma vergonha’ do Boris Casoy e em cada tomada das câmeras da Globo.
Nesta crise de agora foi possível observar muito disso: dos truques supostamente feitos pelos cameramen para esconder determinados personagens até a escolha das notícias. ‘Por que precisavam dar essa notícia?’ é uma pergunta permanentemente ouvida. A pergunta correta – ‘será que esta notícia é verdadeira?’ – raramente é feita: há a visão conspirativa pela qual ‘as elite’ só escolhem as notícias que as favorecem (ver aqui excelente artigo de Ali Kamel).
Certa vez, conversando com um político indignado com a divulgação de determinado fato, este colunista lhe perguntou se era tudo mentira. Resposta reveladora: ‘Claro que não! É tudo verdade! Mas o repórter precisava falar nisso?’
Pauta pronta
Há fatos que provocam tanto a imprensa quanto outros formadores de opinião a falar bobagem. A morte do perito que depôs sobre o assassínio de Celso Daniel, por exemplo. Era visível a dificuldade, tanto dos repórteres quanto de boa parte dos entrevistados, de acreditar nas possibilidades mais óbvias (morte numa sala fechada, sem qualquer sinal de violência): ataque cardíaco ou suicídio. Um jornalista de renome, comentando a possibilidade de morte fulminante, decretou: ‘A cortina de chumbo que cerca o caso Celso Daniel começa a falar em ataque cardíaco. Mas quase pelado?’
Este colunista nunca soube que pouca roupa evitasse problemas cardíacos, ou que alguém usasse roupas específicas para sofrer um infarto. Mais tarde, ficou claro que a hipótese mais provável era a de suicídio, já que havia até carta de despedida encaminhada aos parentes.
Mas como convencer os colegas de que nem todas as pessoas ligadas ao caso Celso Daniel terão obrigatoriamente morte suspeita?
Geografia mutante
A Folha de S.Paulo deu uma breve notícia. Fora da Folha, provavelmente por falta de atenção, este colunista não achou qualquer referência ao fato. Mas o Brasil assinou, no último 5 de outubro, um acordo de cooperação técnica com uma das mais ferozes ditaduras do mundo, a do Sudão, que promove campanha permanente para liquidar a população negra (de religião cristã ou animista) do país. Os negros são majoritários (52%), mas os árabes, brancos e muçulmanos, que formam 39% da população, têm o poder desde a independência. O presidente Lula e o chanceler Celso Amorim, pelo menos, nada falaram sobre as modificações que a política externa brasileira está promovendo na cena internacional.
Fala o leitor
O leitor Paulo Vaz Toledo, advogado de Salvador, Bahia, envia uma carta ao jornalista Alberto Dines, diretor-responsável deste Observatório, com duas observações. Diz a carta:
‘…essa coluna do sr. Brickmann não deveria vir com uma ressalva tipo ‘esse jornalista já foi funcionário do sr. Paulo Maluf’? Não é por nada, não, é só para a gente se situar. Outra coisa, assessor de imprensa é jornalista licenciado. Jornalista é jornalista, como o César Tralli’.
Este colunista é citado e, portanto, faz questão de responder. Comecemos com uma correção: assessor de imprensa é jornalista, sim. Não existe ‘jornalista licenciado’. Jornalista se define pela profissão, e não pelo patrão ou cliente que lhe paga salários ou fees. Quanto à ressalva, parece desnecessária: por que publicar algo que o sr. já conhece (e não deve ser o único)? O problema da ressalva, sr. Toledo, é o tamanho: em 43 anos de profissão, este colunista já trabalhou em tantos lugares – jornal, rádio, TV, internet, campanhas eleitorais, assessoria de imprensa – e com tantas pessoas, de tantas tendências políticas e empresariais, que as ressalvas seriam maiores que o texto. Dá orgulho.
Sr. Toledo: esqueça um pouco seu lado patrulheiro. Se o sr. não gosta desta coluna, simplesmente deixe de lê-la (o que entristecerá este colunista, já que jornalista escreve para ser lido). Caso a coluna perca muitos leitores, o Observatório não terá motivo para mantê-la. É simples assim.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados