No dia 13 de junho passado, ao começar a entrevista com a ex-candidata à presidência da República Marina Silva (PV) no programa Roda Viva(TV Cultura), a apresentadora Marília Gabriela questionou a existência de um comportamento preconceituoso por parte da mídia quanto à inédita participação de mulheres no atual governo federal, tendo como expoente maior a própria presidenta da República, Dilma Rousseff. Do alto de uma sobriedade impressionante para uma candidatada derrotada no pleito presidencial, Marina alegou estar no ineditismo à falta de habilidade da imprensa em lidar e noticiar a nova realidade da política brasileira.
Mas o que não foi respondido pela ex-senadora – a existência ou não de preconceito no comportamento da mídia – vai se evidenciando no teor do conteúdo da agenda da mídia por parte de uma parcela significativa dos meios de comunicação. Este preconceito se concretizou com as recentes mudanças feitas na equipe de governo. A saída do ministro Pallocci e troca de cadeiras entre os ministros das Relações Institucionaise da Pesca foram o ponto de partida para conteúdos onde gênero é usado a partir do viés do preconceito.
A escolha da senadora Gleise Hoffmannpara Casa Civil e da também ex-senadora Ideli Salvati para o Ministério das Relações Institucionaisabriu espaço para o tom jocoso por parte da imprensa quanto à participação das mulheres no governo federal, que segue em descompasso tanto com a trajetória política das escolhidas da presidenta, quanto com a trajetória de avanços e conquistas obtidos pelas mulheres ao longo de um século. Em sua maior parte noticiado, e muitas vezes festejado, pela própria imprensa. A “República do salto alto, da saia justa”, entre outros, são alguns dos estereótipos escolhidos pela mídia para “qualificar” o governo federal.
O sopro machista
Mas mais do que tentar desqualificar, previamente, as mulheres que exercem os três cargos mais altos da República, a imprensa brasileira dá sinais de sua falta de preparo em lidar, por conveniência, com as mudanças vividas pelo mundo em um século de avanços feministas. Ou, o que é pior, de não saber se ajustar a uma nova realidade, ao se valer de machismo em uma tentativa rasa de fazer graça. Não que o humor não se apropriará deste momento e o fará da melhor forma possível, tirando boas gargalhadas de todos, inclusive de mim. Contudo, trata-se aqui do papel de quem deve informar, e não fazer humor. Ao tentar inverter papeis com o humor, a grande mídia deixa claro que se valerá, sempre que lhe for conveniente, de artifícios machistas para desacreditar o governo. Não se importando em retroceder um século, ao tempo em que as mulheres que lutavam por seus direitos eram tidas como loucas, duronas, briguentas, destemperadas… E tantos outros predicados tão em voga nas últimas semanas!
O novo sempre impõe, primeiramente, estranhamento e, em seguida, a adaptação. Entretanto, o cenário atual da agenda da mídia que se utiliza negativamente do gênero em sua pauta seja para criticar, analisar ou noticiar ações do governo federal, não tem nada de inédito, considerando as experiências durante o governo de Luiza Erundina à frente da prefeitura de São Paulo (1988-1992) e de Marta Suplicy, também à frente da prefeitura da maior cidade brasileira (2001-2002) e sede dos maiores veículos de comunicação do país, deixando sinais claros de onde vem o sopro machista que ecoa na mídia brasileira.
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[Renata Noiar é jornalista, Brasília, DF]