Alguém falou em interditar o Morumbi? Não tive muito tempo para assistir aos 12.543 programas esportivos de rádio e tevê que abordaram a rodada de fim de semana do Campeonato Brasileiro, mas creio que assisti a uns 20% e não ouvi ninguém falar em interditar o estádio do Morumbi, que virou um campo de guerra neste domingo. Achei estranho, porque nesta segunda-feira os membros do STJD vão se juntar para combinar quantos meses de suspensão darão à Vila Belmiro pelos incidentes da quinta-feira 13/10. Imaginei que brigas e quebra-quebra em estádios merecessem longas matérias sempre, e não só quando acontecem na Vila Belmiro.
Ontem, vários estabelecimentos comerciais que cercam o estádio do São Paulo foram depredados e saqueados. Muitos automóveis que passaram no meio da massa de torcedores também tiveram a mesma sorte. Centenas de integrantes das malfadadas torcidas organizadas criaram vários focos de brigas em torno do estádio – o que resultou em muitos feridos e cerca de 60 pessoas detidas. Para completar, um rapaz que no início do ano já tinha sido detido por fabricar e levar aos jogos bombas de fabricação caseira não só estava lá de novo, como tentou jogar a bomba em torcedores rivais e acabou perdendo três dedos da mão.
Diante do quadro de conflito generalizado que cercou o clássico de ontem, é possível dizer que havia segurança para os espectadores que foram ver o jogo? Pois alguns jornalistas têm a cara de pau e a hipocrisia de afirmar que ‘mas no estádio tudo correu bem’. Ok, se você entrar no estádio sobreviverá e poderá assistir à partida, mas antes de entrar nele e ao sair poderá ser massacrado, roubado e morto como se estivesse na Faixa de Gaza. E olhe, caro leitor, o efetivo militar escalado para o jogo do Morumbi era bem maior do que aquele que atuou na partida entre Santos e Corinthians.
Grande hipocrisia
Que eu me lembre, não houve nenhum ferido grave em Santos. E entre eles, nenhum corintiano. A torcida invadiu o campo para protestar e acabou apanhando da polícia. Basicamente foi isso. Nenhum jogador do Corinthians foi agredido. Os oportunistas alardearam que na Vila Belmiro não há segurança. Comparando o Urbano Caldeira a estádios da Suíça, talvez não haja, porém, comparando com outros estádios brasileiros, está longe de ser o menos seguro.
Corrijam-me se estiver errado, mas não me lembro de nenhuma morte, em Santos, devido a brigas de torcedores, algo que está ficando corriqueiro em São Paulo. Ontem morreu mais um rapaz da Mancha Verde em briga com os rivais da Gaviões da Fiel. Há cerca de um ano havia morrido outro, também após briga com corintianos. Todos sabem que integrantes destas torcidas vão aos jogos armados de revólveres e facas.
Se a Vila Belmiro deve ser interditada pelos incidentes de quinta-feira, o justo não seria interditar também o Morumbi pelas batalhas de ontem? Se foi o Santos que não conseguiu impedir a violência, também não foi o São Paulo, dono do estádio, ou Palmeiras e Corinthians, que o utilizaram, que não conseguiram impedir a destruição? É uma grande hipocrisia usar mais uma vez o Santos para esta punição exemplar. E é uma grande sacanagem punir Giovanni, um jogador sempre disciplinado, com o extremo rigor que pretendem.
Sem heróis ou vilões
Giovanni chutou a bola para as arquibancadas, mas não disse nada e nem agrediu ninguém. Só estava indignado, e tinha toda a razão de estar. Foi roubado na final de 1995, quando lhe tiraram um título brasileiro, foi roubado por ter de jogar de novo uma partida que já havia vencido com uma exibição de gala, e acabava de ser prejudicado por um pênalti duvidoso, a três minutos do fim. A torcida não invadiu porque Giovanni chutou a bola para a arquibancada. A torcida invade quando se sente ultrajada, amargurada, como já aconteceu milhares de vezes antes sem que nenhuma bola precisasse ser chutada além do gramado. Neste mesmo campeonato a torcida do Corinthians invadiu o Pacaembu, na goleada sofrida para o São Paulo por 5 a 1, e qual foi a grande pena? Interdição do Pacaembu por três jogos.
Bem mais grave foi os jogadores do Corinthians – num gesto bastante estranho, por sinal – ficarem rebolando, dando pulinhos e gritinhos para comemorar a vitória, provocando uma massa que já estava furiosa. Para o jogador de basquete Oscar Schmidt, de quem escrevi a biografia, uma das coisas mais perigosas é, após um jogo tenso, ficar comemorando o triunfo no campo de jogo, humilhando o adversário. Ele fez isso uma vez, gerou uma briga generalizada, quase uma tragédia, e disse que nunca repetiria tal gesto. Pois o time corintiano fez isso e ainda conseguiu sair ileso da Vila Belmiro. Prova de que a segurança foi boa e prova que a ira da torcida não se voltou contra o adversário, e sim contra a decisão do STJD de repetir os 11 jogos.
Na verdade, não há heróis ou vilões nessas brigas de torcidas e nessa violência que grassa nos estádios brasileiros. Um país que tolera vergonhosamente a corrupção – a maior violência contra o povo – não pode querer que as pessoas aceitem também as sacanagens dos senhores do futebol com frieza e elegância. O futebol é a última esperança de alegria para milhões de brasileiros. Este brasileiro, que pode ser eu ou você, até aceita as derrotas e até admite o mérito do adversário, mas quando a competição é justa e as regras respeitadas. Se quiserem mesmo paz nos estádios, o jeito é interditar o Brasil.
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Jornalista