Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Controladores de O Liberal em maus lençóis

Os irmãos Romulo Maiorana Júnior e Ronaldo Maiorana agiram de forma dolosa, ao recorrer a fraudes para receber recursos dos incentivos fiscais administrados pela Sudam, a que não tinham direito. Por isso, devem ser condenados, por crime contra o sistema financeiro nacional, a penas que podem ir de dois anos e meio a oito anos de prisão.

Esse é o entendimento final dos procuradores da República Igor Nery Figueiredo e André Sampaio Viana, na ação que propuseram contra os irmãos Maiorana, donos da Tropical Alimentos. O enquadramento é o mesmo para Fernando Nascimento e João Pojucan de Moraes Filho, que integravam o conselho de administração da empresa. Todos participam também das Organizações Romulo Maiorana, proprietária do jornal O Liberal, da TV Liberal, afiliada à Rede Globo de Televisão, e dos demais veículos de comunicação do grupo.

Os procuradores sustentam, em suas alegações finais, que os Maioranas “obtiveram em duas ocasiões e circunstâncias semelhantes, financiamento mediante fraude junto ao Finam”, o Fundo de Investimentos da Amazônia, administrado pela Sudam. Na verdade, eles sacaram três vezes esses recursos, mas a primeira liberação foi alcançada pela prescrição. Só as duas últimas, em 1996 e 1997, foram objeto da denúncia do MPF, recebida pela Justiça Federal em 25 de agosto de 2008, oito anos depois da apuração dos fatos.

Alegações finais

Para que pudessem receber o dinheiro dos incentivos fiscais, que representa renúncia fiscal da União em benefício da Amazônia, “deveria haver ao menos 1 real de contrapartida da empresa beneficiada, evitando-se, com isso, que os empreendedores nunca despendessem” capital próprio.

Os irmãos Maiorana, segundo os dois procuradores da República, “simularam a injeção de capital próprio”, através de uma operação simples, mas fraudulenta: faziam “empréstimos bancários de valores elevados, que retornavam ao banco originário após um único dia de permanência na conta da empresa”.

Uma vez comprovado os depósitos, de 650 mil e 668 mil reais, se habilitaram a receber o correspondente da Sudam, já que a relação era de 1 real de incentivos fiscais para 1 real de recursos próprios. Feita a comprovação, os Maiorana devolviam o dinheiro ao banco que lhes fez os empréstimos (o BCN), pagando juros por apenas um dia. Era esse o único capital que aplicaram para ter acesso ao Finam.

“A empresa Tropical, ao driblar, fraudulentamente, as rígidas regras de obtenção de financiamentos do Finam, obteve recursos em momento em que a eles não fazia jus, tornando menor a disponibilidade do sistema para atender a outras empresas e frustrando o interesse nacional de promover-se o desenvolvimento equilibrado do país”, acusam os dois procuradores.

Ao depor na 4ª Vara Federal, Ronaldo Maiorana disse simplesmente “que não imaginava que a obtenção de empréstimos fosse delito e que não sabia nada da lei de incentivos”, embora sendo advogado e diretor financeiro da Tropical – e, por isso, responsável direto pelos empréstimos feitos para camuflar a aplicação de capital próprio.

Seu irmão, Romulo Maiorana Júnior, confirmou em seu depoimento que Ronaldo “participava, de forma central, da administração da empresa”. Afirmou que a gestão da empresa era toda de seu irmão e que “não chegou a assinar cheques ou documentos para a empresa”.

Quis se livrar de qualquer responsabilidade pela fraude, embora fosse o presidente do Conselho de Administração da Tropical e tivesse assinado os documentos das assembléias gerais extraordinárias para aumento de capital. Ronaldo Maiorana não esteve presente a uma delas, de 7 de janeiro de 1996, mas tanto os demais diretores quanto seu próprio irmão, Romulo Jr., lhe imputaram “a total responsabilidade pelos fatos”.

Apesar da tentativa feita pelo executivo para se inocentar, os procuradores argumentam em sua peça final que “ninguém delibera” – e por duas vezes – para a emissão de mais de 600 mil reais em ações em cada ato (sem contar o que prescreveu) e declara que elas foram subscritas e integralizadas em dinheiro vivo, “sem saber de onde virá tal numerário”.

Todos os diretores tinham consciência de que o capital próprio declarado não existia. Não só os Maioranas como Fernando Nascimento e Pojucan Moraes. Os procuradores argumentam ser impossível admitir “que um administrador de empresas [Fernando] e um engenheiro [Pojucan] deliberaram o aumento de capital de elevado valor, sem saber a origem dos recursos”.

Por isso, os representantes do Ministério Público Federal decidiram pedir o enquadramento dos quatro diretores da Tropical como co-autores de crime contra o sistema financeiro nacional, os enquadrando no artigo 19 da lei 7.492 (do “colarinho branco”) e 71 do Código Penal (por se tratar de crime continuado, o mais grave absorve os mais simples).

Os réus também formularam suas alegações finais, mas, até a semana passada, a peça não havia sido juntada ao processo. Assim que os autos do processo estiverem conclusos, o juiz Antonio de Almeida Campelo dará sua sentença.

Os donos da verdade

Os depoimentos dos diretores da Tropical Alimentos Limitada perante o juiz da 4ª Vara da Justiça Federal, Antonio de Almeida Campelo, não foram apenas reproduzidos pelo escrivão do feito: estão devidamente gravados em fita. Ambos os documentos confirmam o que o Diário do Pará publicou no dia seguinte ao depoimento do último dos réus, Romulo Maiorana Júnior: ele transferiu a responsabilidade pela gestão da empresa ao seu irmão, Ronaldo Maiorana.

Conforme se pode ver pela matéria a respeito publicada nesta edição, esse é um fato. Ronaldo foi apontado como o responsável direto pela fraude não só pelo irmão, mas também pelos outros dois diretores da empresa, Fernando Nascimento e João Pojucan de Moraes Filho. Logo, o escândalo provocado por Romulo Jr. em torno da reportagem foi tão falso quanto a aplicação de capital próprio dos Maioranas no empreendimento.

É de espantar que o principal executivo das Organizações Romulo Maiorana tenha, de público, chamado pela confirmação às suas palavras insubsistentes o próprio juiz do feito. Além de criar uma nova fraude, o atendimento à convocação, feita em artigo assinado na primeira página de O Liberal, lançaria a suspeição sobre o magistrado, que seria obrigado a declinar de sua competência na ação.

Por que, então, Romulo Jr. cometeu essa absurdez, como se devia qualificar a destrambelhada iniciativa? Porque está acostumado a dar ordens e ser obedecido. Porque se farta das excepcionalidades que lhe são concedidas, sobretudo as indevidas, exageradas e ilegais.

Nessa categoria estava a concessão de autorização para entrar na área privativa da Justiça Federal e estacionar seu carro em local vedado a estranhos ao serviço. Também era da mesma condição a prerrogativa deferida para não ser fotografado e filmado mesmo em local público, como é o corredor forense, quando chegou ao andar da 4ª Vara para depor.

O próprio juiz Campelo marcou, desmarcou e remarcou por três vezes seguidas os depoimentos dos réus. No dia 25 de fevereiro designou as 14h30 do dia 17 de maio para ouvi-los. Como de praxe, Romulo Jr. não se fez presente: estava em Miami e de lá só veio cinco dias depois da data estipulada por Sua Excelência. O magistrado decidiu então, no dia 9 de maio, prorrogar a mesma sessão para o dia 20, no mesmo horário. Só que no dia 12 antecipou a audiência para as 11h30 do dia 18, quase conseguindo surpreender a imprensa, que desejava testemunhar o acontecimento histórico.

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[Lúcio Flávio Pinto é jornalista e editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)]