‘Jovens: envelheçam.’ A frase clássica de Nelson Rodrigues me ocorreu ao ler hoje uma pequena nota em que a Folha de S.Paulo anunciava o fim do Jornal do Brasil. Imagino que tenha sido escrita por um novato.
Com os ingleses da The Week você aprende que, se há uma zona onde não pode cometer erros, é a dos textos pequenos. Se você vai entregar ao leitor apenas algumas linhas, como é o caso da The Week e da Folha, que elas sejam primorosas. Leio em Londres apenas duas revistas impressas. Uma delas é a The Week, que me apresso a apanhar do chão quando chega ao apartamento de Ranelagh Gardens, todas as manhãs. Com ela, aos 54 anos, recebo uma aula baratíssima de concisão, precisão e edição.
Ao falar brevemente do Jornal do Brasil, o redator citou alguns jornalistas que passaram por lá. Não estava na lista rala, no entanto, o maior deles: Alberto Dines. Dines, nos anos 60, foi um editor épico do Jornal do Brasil. Há em inglês uma expressão que cabe bem em Dines: ‘larger than life’. Maior que a vida. Bonitão, redator fino, editor como poucos, Dines combinava características judaicas e cariocas – um intelectual com a voracidade semita por educação e cultura com a embalagem divertida de quem tem a seu redor, como os nascidos no Rio, praias e mulheres lindas para descansar a mente dos esforços mentais.
Chute na canela
Dines, sob cerco da censura do governo militar, fez edições históricas do JB.
Quando sua situação ficou politicamente insustentável, saiu do jornal. Mas acabou tendo uma segunda vida na mesma Folha de S. Paulo que o ignorou hoje. Para jovens que estavam nas escolas de jornalismo nos anos 70, como eu, Dines era um ídolo parecido com um astro do futebol ou do rock. Ele tinha uma coluna dominical na Folha que faz parte da lista curta das melhores coisas jamais feitas no jornalismo brasileiro. Dines escrevia o ‘Jornal dos Jornais’, uma análise do que a imprensa brasileira estava fazendo de bom e de ruim.
Dines trouxe a autocrítica da mídia para o Brasil. Pagou, naturalmente, um preço caro.
Quando Otavio Frias Filho assumiu o jornal, no começo dos anos 80, gente como Dines já não cabia. Alguém com pretensões grandes como Otavio Frias acaba se cercando de pessoas menores. Foi nesse quadro que Dines acabou sumindo da vista de leitores que ele encantara e instruíra, como eu.
Trancadas as portas dos jornais para ele, Dines ainda passou alguns anos em revistas da Abril. Mas era e é um homem essencialmente de jornal. Jamais entendeu direito, nas revistas, as peculiaridades que dominava como pouquíssimos nos jornais. A revista da Abril mais parecida com ele, a Veja, parecia vedada a Dines por uma ameaça de Elio Gaspari, então diretor adjunto de redação. O que corria entre nós, repórteres da Veja, era que Elio, desafeto carioca de Dines, ameaçara cuspir nele caso o visse na redação.
Eu teria perguntado a Elio sobre isso algum dia, se num determinado momento ele não tivesse rompido comigo. Eu tinha meu primeiro cargo de editor na Veja, no comando da Veja São Paulo, e houve um mal-entendido com Elio. Segundo o livro de Mario Sergio Conti Notícias do Planalto, Elio tentou me demitir numa madrugada depois de fechamento num jantar com o diretor da Veja, José Roberto Guzzo, por causa daquele mal-entendido. Guzzo, de acordo com o livro, teria me segurado. O que este episódio –uma reportagens sobre receitas dos melhores chefs de São Paulo – estava fazendo no livro de Conti. dedicado ao Caso Collor, é um mistério. A única explicação que enxerguei é que Conti – que bajulou como pôde Guzzo enquanto lhe conveio e depois o traiu abjetamente – jamais me perdoara por liderar as cotações de apostas sobre quem o sucederia na Veja e dera um jeito de me chutar a canela mesmo quando já estava claro que quem apostara em mim perdera dinheiro. (‘Uma coisa é certa, Paulo’, me disse uma vez Guzzo sobre Mario Sergio, com seu bom humor inabalável. ‘Não sou bom para fazer sucessor.’)
Outro lugar
Depois de uma passagem sem brilho pela Abril, Dines retornaria à crítica de mídia em seu Observatório de Imprensa, que mantém até hoje. É um palco menor que ele, mas jornalismo é a arte do possível.
Dines não foi citado hoje, ele que foi o maior jornalista do Jornal do Brasil quando os jornais tinham uma influência imensamente maior que a de hoje, e nenhum deles tanta quanto o JB. É um problema esta omissão. Mas este problema não está em Dines, mas na Folha de S.Paulo.