1. A Avenida Paulista, em São Paulo, tem 153 mil metros quadrados de área total – ou teria, se não houvesse bancas de jornais, postes, sinais de trânsito, entradas de Metrô que ocupam parte do espaço. A seis pessoas por metro quadrado, com gente amontoada, sem trios elétricos, sem caminhões, não caberia ali nem 1 milhão de pessoas. Quatro milhões de pessoas é meio muito. Como é meio muito acreditar que metade da população de São Paulo, mesmo em marcha acelerada, caiba numa única avenida. Os jornais, não faz muito tempo, colocavam seus departamentos de pesquisas no auxílio à reportagem, para dar uma informação mais precisa a respeito dos grandes eventos. Por que isso acabou? Questão de custo? Mas construir sua credibilidade com apoio em dados indiscutíveis pode ser caro?
2. Saiu finalmente o resultado do inquérito policial sobre o incêndio no Instituto Butantan, que destruiu o valiosíssimo acervo de répteis. Segundo a TV, lá havia em estoque “700 mil litros de álcool e éter”. É absurdo: é mais álcool e éter do que 15 caminhões Scania semipesados poderiam transportar. Se o número fosse verdadeiro, seria o caso de processar o maluco que deixou tanto combustível estocado lá dentro. Mas não é essa a questão: a promotora falou em “centenas de litros”, não em “centenas de milhares de litros”. Setecentos litros, talvez. E já é perigosíssimo, como aliás ficou comprovado quando tudo pegou fogo.
3. Um grande jornal diz que Brasília tem 26 mil vagas em hotéis. E, “dentro do processo de crescimento médio anual”, outros dez mil estão em construção. Este colunista nunca foi bom em aritmética, mas se nos 50 anos de Brasília foram criadas 26 mil vagas de hotéis e o crescimento médio anual está mantido, os dez mil novos leitos vão demorar um pouquinho – uns 15 anos, talvez.
4. Também na imprensa escrita, coloca-se Florianópolis, no título da matéria, como líder do “ranking gay” do país – na verdade, é um pouco mais sofisticado, pois lista apenas os chefes de família que declararam viver com cônjuges do mesmo sexo. De acordo com o ranking publicado, em Florianópolis há 416 chefes de família nessa situação, ou 0,11% dos 418 mil habitantes da cidade. Só que a conta está errada: 416, em 418 mil, são 0,099%. E Florianópolis perde para Porto Alegre, com 0,1%. Está desmentido o título da matéria.
Brincando com a lei
A Polícia Federal indiciou o jornalista Allan de Abreu, do Diário da Região, São José do Rio Preto (SP), por se recusar a revelar a fonte de duas reportagens, nas quais constavam escutas telefônicas. As matérias tratam um esquema de corrupção que envolve sindicalistas, empresários e auditores fiscais. A Polícia Federal fez o indiciamento a pedido do procurador da República local. O objetivo do indiciamento parece ser apenas assustar Allan de Abreu – e sem êxito, porque ele não parece nem um pouco assustado.
Os tribunais superiores já decidiram que a responsabilidade pela guarda de segredos de investigações ou de Justiça é das autoridades e servidores públicos, não da imprensa ou dos jornalistas. Se a questão não for resolvida em primeira instância, as instâncias superiores decidirão.
Brincando com a intolerância
A não-notícia da morte do repórter Amin Khader, da Rede Record, ocupou um espaço enorme nos programas de rádio e TV e virou febre no twitter. A morte de Khader foi divulgada e depois desmentida. Aparentemente, foi só uma brincadeira de mau gosto, amplificada num dia de poucas notícias.
O surpreendente, no caso, foi mais uma vez a reação de muitos jornalistas. Num portal noticioso, em doze comentários a respeito da não-morte, quatro se referiam à orientação sexual do pseudofalecido – o mesmo número dos que se preocupavam com um problema jornalístico, a deficiente apuração do fato antes de sua divulgação. Parece incrível, mas uma categoria profissional que valoriza tanto o atual ainda se prende a categorias de julgamento derrubadas já no meio do século passado.
A língua que falamos
Este colunista acha que a tolerância também vale em termos linguísticos. Numa época em que inovações tecnológicas surgem em grande quantidade em outros países, nada mais natural do que adotarmos palavras em outras línguas para denominá-las. Elio Gaspari gostaria de chamar os tablets de tabuletas, em bom português; mas tudo indica que o nome tablet esteja se firmando. Poderia também ser tablete, que é galicismo mas já tão antigo que até parece português. Os espanhóis chamam o mouse de ratón; os portugueses chamam o site de sítio. Em Portugal os carros conversíveis (denominação derivada do inglês) são conhecidos como “descapotáveis” (que vem do francês). Questões de opção, toleráveis.
O que não é tolerável é um anúncio como o que saiu outro dia no jornal: “Vendem-se offices”. Quem chama escritório de “office”? Por que chamar escritório de “office”? Por que não chamá-lo então de “rendez-vous”, por lá haver reuniões? Já não é suficientemente ridículo chamar um prédio de “Maison Noble des Ducs de Louxembourg”?
Lembra uma caneta, que num anúncio de três linhas usava três línguas: francês, alemão e até mesmo português (idioma da palavra “caneta”). A caneta é boa, mas o anúncio era lamentável.
É urtiga
Por falar em colonização linguística, alguém poderia contar à imprensa que fábrica é fábrica, indústria é indústria e planta é planta? Em inglês, “plant” é fábrica. Em português, planta pode ser muita coisa: um vegetal, o desenho de um edifício, cidade, máquina, a parte de baixo do pé. Mas fábrica é que não é.
Dominique, nique, nique
Dominique Strauss-Kahn está em alta de novo: até os promotores chegaram à conclusão de que a história da camareira estava muito mal contada.
Mas isso é problema da Justiça americana. O nosso problema é lembrar quanta gente comemorou a foto de Strauss-Kahn algemado e humilhado. Algo como “veja, lá uma pessoa poderosa também é exposta e não se livra das algemas”.
E agora, colegas? Este colunista não conhece a lei americana e não vai discuti-la. Mas por que algemar um homem de mais de 60 anos que não ofereceu resistência à prisão? Por que tratá-lo como se fosse um Rambo ultraforte, supertreinado em artes marciais, que poderia de repente bater em dez policiais fortemente armados e fugir do local?
As algemas têm uma função específica: a contenção de pessoas que possam oferecer riscos físicos, ou tentar suicídio, ou tentar a fuga. Strauss-Kahn não se enquadrava em nenhuma dessas categorias. Pode até, se tudo correr bem para ele, e com a aura de vítima de uma potência estrangeira, que o humilhou sem culpa, eleger-se presidente da França, pelo Partido Socialista. Quais as recordações que guardará do maior aliado de seu país?
A sombra de Hitler
Já ouviu falar de Hans Baur? Este colunista jamais tinha tomado conhecimento de sua existência. E, no entanto, foi piloto particular e uma das pessoas mais próximas ao dirigente nazista Adolf Hitler (de 1932 a 1945, Hitler fez apenas uma viagem aérea com outro piloto). Além de piloto, Baur foi companheiro e confidente de Hitler; e se manteve fiel ao nazismo mesmo depois da guerra, mesmo depois de cumprir pena de dez anos de trabalhos forçados na União Soviética. Casou-se três vezes, ficou viúvo duas e morreu aos 95 anos, em 1993, em Munique.
Esta é a moldura; mas o que vale a pena é o livro O piloto de Hitler, do americano C. G. Sweeting, que acaba de ser lançado pela Geração Editorial. Este colunista acaba de iniciar a leitura; e tudo indica que será proveitosa e agradável.
Como…
Manchete de um grande jornal de circulação nacional:
** “Dilma manda base aprovar sigilo em todas as licitações”.
Manchete de outro grande jornal de circulação nacional, no mesmo dia:
** “Dilma volta atrás e abre orçamentos de obras da Copa”.
…é…
De um grande jornal:
** “Se o tornozelo de Andy Murray não melhorar, essa pode ser nossa única chance”
O problema é que quem tinha o problema no tornozelo era o próximo adversário de Andy Murray, Rafael Nadal.
…mesmo?
De uma coluna da Internet:
** “O sigilo secreto dos documentos oficiais”.
Trata-se, como convém, de um segredo sigiloso, em off, dos mais confidenciais, for your ears only.
Mundo, mundo
O noticiário foi muito semelhante nos jornais e nos portais noticiosos da internet: um cavalheiro que havia invadido uma loja e tomado uma refém não conseguiu impedir que fugisse, enquanto trocava tiros com a polícia. O cavalheiro parecia transtornado, dizendo que não queria nada, apenas vingar-se (do que, não se sabe). Um policial se aproximou para negociar, ele atirou, mas o colete à prova de bala evitou ferimentos. Deu outros tiros, mas os escudos dos policiais os protegeram. Tudo em ordem, mas:
1. De acordo com o título de um grande portal noticioso, “reféns são liberados (…)”. Era uma refém, só uma, e não foi liberada: fugiu.
2. A principal informação da matéria não estava no lead: pairava solta lá no meio da matéria. Quando a refém fugiu, o sequestrador se suicidou com um tiro.
E eu com isso?
E chega de tragédias, reais e/ou jornalísticas. Afinal de contas, o que é que vamos conversar na roda de amigos? Pois vão lá alguns temas:
** “Sandy conta apelido íntimo que ganhou do marido Lucas Lima”
É Cora, de Coração. Não é uma gracinha toda essa devassidão?
** “Sharon Stone circula sem maquiagem”
** “Mais magra, Giovanna Ewbank, da Globo, afirma: ‘Doce é o meu deslize’”
** “Selena Gomez conhece ídolo”
** “Neta mais jovem de JK vai deixar Brasília e morar em NY”
** “Shia confessa: ‘Eu e Megan Fox tivemos um caso’”
** “Angelina Jolie é flagrada em parque aquático com os filhos”
** “Lily Allen adota sobrenome do marido, Cooper, após o casamento”
** “Príncipe de Mônaco se casa no civil”
** “Kate Moss casa com vestido de John Galliano”
Que legal! Já é possível casar sem ser com o marido!
O grande título
Excelente safra. Podemos começar com um título auto-reafirmativo:
** “Delegacias têm 16 foragidos em fugas”
Passamos então por um daqueles títulos que, como não cabiam, foram mutilados e bola pra frente que ninguém é de ferro:
** “Tucano sobre sigilo para Copa: não dá para contar com ‘bonda”
O tucano é o líder do PSDB na Câmara, Duarte Nogueira. E “bonda, ao que tudo indica, é erro mesmo. Pelo texto, ele dizia que não se pode contar com o “bom-samaritanismo” do governo. Ou, e isso ele não disse, de político nenhum.
Há um ótimo, com aquela dose de duplo sentido que jornalista tanto aprecia:
** “Sem sua vara, Fábio Gomes fica apenas em penúltimo na Suíça”
O melhor é, sem dúvida, impecável:
** “Prepare um delicioso frango recheado com ameixas do chef”
Sem conhecer a receita, dá para arriscar um palpite: deve ficar melhor sem as ameixas do chef.
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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]