Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Inverno gelado, jornalismo frio

No seu enfadonho ciclo de reprodução em série de notícias, a imprensa do Sul do Brasil repete em 2011 o rol de reportagens prontas e ultrapassadas sobre o inverno, o que demonstra a pobreza de ideias e a comodidade das redações. Nos jornais, rádios, televisões e sites do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, raramente se encontram abordagens que vão além do senso comum. O inverno é uma época importante para debater as mudanças climáticas, alertar sobre o grande número de desabrigados e habitações precárias, denunciar a falta de estrutura das cidades e estimular a caridade entre as pessoas. Mas o que é noticiado? O charme, a neve e o consumo.

Uma parte da resposta ao problema consta no pensamento do filósofo e crítico da mídia Herbert Mcluhan (1911-1980). Ele defendia que nós “olhamos para o presente através de um espelho retrovisor”. O espelho, nesse caso, reflete a visão de mundo daqueles que injetam recursos nas grandes empresas, exigem a propagação de seus ideais de sociedade e, claro, de comunicação. Portanto, não é conveniente para quem sustenta a imprensa que a prioridade seja mostrar o lado humano e real do inverno. É preciso tratar a estação climática como uma festa gastronômica, cultural e econômica.

Outra parte da resposta, ligada à primeira, vem pela prática diária em redação jornalística. O fluxo de notícias é tamanho que não há mais tempo e espaço para pensar em reportagens especiais e inverter a pauta, como dizem os editores e chefes de redação. Salvo algumas exceções – geralmente de repórteres experimentados ou veículos um pouco ousados –, a maioria das notícias não tem utilidade e serve para preencher espaço. A ordem editorial parte de cima, cai no colo dos profissionais sem possibilidade de contestações e o resultado é um jornalismo carente de contextualização, inserção social e aprofundamento.

Frio e a apatia

Um terceiro motivo, mais subjetivo que os demais, é o deslumbramento infantil que as classes média e alta brasileiras vêm experimentando com o crescimento econômico do país. Ao contrário de nações autocríticas e intelectualizadas, como França e Alemanha, o Brasil, em vez de olhar para si e buscar soluções de problemas históricos, tenta ser o que não é e não admite colocar o dedo nas próprias feridas. A imprensa, em vez de chamar a atenção da sociedade e estimular o debate, fomenta o oba-oba do sonho brasileiro. Antes um privilégio das elites, a sensação de poder, vazio de conteúdo, se propaga com o apoio da mídia a todas as classes.

Você, leitor, pode estar achando então que não há solução para a problemática apresentada no artigo. Há sim, mas depende muito mais da realidade do que do jornalismo. O crescente espaço que as redes sociais vêm proporcionando à interação entre produtores e consumidores de informação é uma forma de chacoalhar a morosidade da imprensa e cobrar a aproximação com o real.

Hoje, todos os grupos de comunicação estão em permanente contato com seus clientes através do Twitter, Facebook, e-mails e outros canais interativos e é por eles que a cobrança pode se tornar efetiva e construtiva. Da forma que está, o jornalismo tende a se tornar algo chato e burocrático, mesmo sendo vital. Que o frio do Sul e a apatia das nossas redações não congelem as mudanças necessárias de uma imprensa que se diz progressista e moderna.

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[Mauricio Tonetto é jornalista do portal de notícias Terra]