Quando foi implantado na Constituição dos Estados Unidos o sistema de separação dos poderes, em 1787, afirmou-se que o Judiciário era um Poder Jurídico, sem interferência na política. Mas no decorrer da história foi crescendo a participação do Judiciário na vida social, ficando evidente seu papel político, que se tornou extraordinariamente importante na segunda metade do século 20, com a constitucionalização dos Direitos Humanos, inclusive dos Direitos Sociais. Desde então cresceu o papel do Poder Judiciário como guarda da Constituição e controlador da legalidade dos atos do Legislativo e do Executivo. Foi a partir daí, de sua interferência nas ações dos políticos, que se colocaram com muita agudeza as questões dos limites da independência do Judiciário e do controle de suas atividades administrativas e de suas finanças.
Nessa nova situação, passaram a ser publicamente denunciados e discutidos muitos vícios e deficiências da organização judiciária, incluindo abusos e ilegalidades praticados por dirigentes de tribunais. Um dos pontos postos em relevo foi a inexistência de um controle efetivo da legalidade e moralidade das práticas administrativas e financeiras dos órgãos do Judiciário, ressaltando-se que as corregedorias existentes nos tribunais não incluíam o controle das ações dos membros das cúpulas judiciais.
Foi a partir desses questionamentos que se criou no Brasil, por meio da Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que, nos termos do artigo 103-B, parágrafo 4º, acrescentado à Constituição de 1988, é competente para ‘o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes’.
Maioria absoluta
Embora definido como órgão do Poder Judiciário, o Conselho compõe-se de quinze membros, sendo nove selecionados entre os integrantes da carreira judiciária e seis alheios a ela, escolhidos entre os membros do Ministério Público, os advogados e os cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada. Foi previsto, inicialmente, que seria membro do Conselho um ministro do Supremo Tribunal Federal, tendo-se estabelecido posteriormente, pela Emenda Constitucional 61, de 11 de novembro de 2009, que esse membro será sempre quem estiver exercendo a presidência do Supremo Tribunal. E pelo Regimento Interno do CNJ ficou estabelecido que seu presidente será o ministro do Supremo Tribunal que o integrar.
A criação do Conselho Nacional de Justiça foi recebida com aplausos na comunidade jurídica, tendo havido, entretanto, discretas manifestações de desagrado de parte de integrantes do Judiciário, que preferiam o chamado controle interno, ou seja, exclusivamente por membros do próprio Judiciário. O CNJ é um órgão absolutamente novo, tanto por ser de criação recente quanto por constituir uma inovação substancial, incluindo no órgão de controle do Judiciário pessoas alheias à carreira da magistratura.
A experiência demonstra o acerto dessa inovação, pois, efetivamente, o CNJ vem contribuindo para o aperfeiçoamento das práticas do Judiciário e também de sua organização. Entretanto, alguns pontos merecem especial atenção, na avaliação do desempenho desse órgão, estando entre eles a enorme influência exercida pelo presidente – que é, ao mesmo tempo, presidente do Supremo Tribunal, acumulando poderes que talvez sejam excessivos.
Um ponto que tem ficado evidente é que as características pessoais do presidente refletem-se com grande peso nas iniciativas e nos procedimentos do CNJ. Com efeito, a par de algumas ações muito louváveis, o CNJ já praticou algumas exorbitâncias que, em algumas circunstâncias, deram ao CNJ as características de Tribunal de Inquisição, além de extrapolar no uso das competências legais do órgão.
O atual presidente tem demonstrado maior preocupação com a composição do CNJ, tendo ficado evidente que é sua intenção assegurar que os membros oriundos da carreira judiciária tenham maioria absoluta no órgão máximo de controle do Judiciário. Assim é que encaminhou ao Executivo a sugestão de uma proposta de Emenda Constitucional acrescentando mais dois membros no CNJ, sendo um representante do Superior Tribunal Militar e outro do Tribunal Superior Eleitoral. Com isso, o CNJ passaria a ter 17 membros, sendo 11 oriundos de órgãos do Judiciário e 6 de fora da magistratura.
Mais atenção
Além dessa proposta, já existe outra ampliando consideravelmente o número de membros do CNJ oriundos da carreira judiciária. Seu autor é um antigo magistrado e hoje ilustre deputado, Régis de Oliveira, ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Sua pretensão é que o número de representantes da magistratura estadual no CNJ passe para dez, em lugar dos dois ora existentes.
A rigor, a prática não demonstrou a necessidade nem a conveniência dessas alterações, não devendo ser ignorado o risco de que a ampliação do número de membros oriundos da carreira judiciária acabe influindo para que o CNJ seja menos rigoroso no exercício das funções de controle, em consequência de um espírito corporativo. É absolutamente necessário que haja muita publicidade e discussão a respeito das propostas de modificação do CNJ. A imprensa deve dedicar bastante atenção ao assunto para que essa conquista, que representa um avanço no sentido do controle democrático do Poder Judiciário, não seja anulada.
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Jurista, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo