Foi mais uma vitória dos serviços secretos e da diplomacia francesa. Mas a que preço?
Depois de 547 dias de cativeiro (exatos um ano e meio) nas mãos dos talibãs, com pouca comida, isolamento total e a incerteza de uma volta à França, os jornalistas Hervé Ghesquière e Stéphane Taponier chegaram a Paris na quinta-feira (30/6), com honras de heróis e direito a cobertura direta de canais de televisão e estações de rádio. No país inteiro havia com frequência mobilizações pela libertação dos dois reféns sequestrados no Afeganistão no dia 30 de dezembro de 2009, quando gravavam uma reportagem para o programa Pièces à conviction, do canal público France 3.
Além do enxame de jornalistas que foi ao aeroporto militar registrar a volta de Hervé e Stéphane, o presidente Nicolas Sarkozy e sua mulher também quiseram marcar presença. Mas nenhuma câmera mostrou o casal presidencial, que cumprimentou os ex-reféns num local reservado dentro do aeroporto. Seria ridículo o presidente querer roubar a festa que os empregados de France Télévisions (11 mil pessoas), os amigos e a família organizaram para os ex-reféns. Para não ser acusado de querer faturar politicamente a libertação, o Eliseu não permitiu que fossem feitas imagens do presidente cumprimentando Hervé e Stéphane.
“A França não paga resgate”
Sobretudo depois do mal-estar inicial, quando o governo deu um passo em falso. A detenção dos dois jornalistas (o repórter e o cameraman), assim como de seus acompanhantes afegãos, foi recebida em Paris com críticas do secretário-geral do Eliseu à “imprudência” de se mandar repórteres para zonas de alto risco. Um general chegou a calcular a soma de 10 milhões de dólares para uma possível libertação dos reféns.
Esse debate sórdido foi criticado pelos analistas e retificado a posteriori pelo silêncio e discrição das autoridades. O ministro das Relações Exteriores passou a dar sistematicamente garantias de que a França estava mobilizando seus serviços diplomáticos e o serviço secreto para conseguir a libertação dos reféns. Depois de muitos momentos de incerteza na negociação com os diversos grupos talibãs e muita negociação top secret, finalmente o governo afegão do presidente Karzai, a França e os talibãs encontraram o acordo que satisfez a todos.
Mais magros mas sem esconder a euforia causada pela recuperação da liberdade, os dois ex-reféns detalharam as condições de detenção duras, mas garantiram que em nenhum momento sofreram violência física. Um leitor de um jornal online francês observou que, contrariamente ao que os franceses fizeram na guerra da Argélia, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha fazem no Iraque e no Afeganistão, os reféns franceses não foram torturados nem sofreram qualquer tipo de violência física enquanto estiveram presos nas mãos dos talibãs.
O problema é o preço pago. Sabe-se que os talibãs exigiam (e obtiveram) a libertação de dois importantes chefes de guerra. Quanto à soma paga (todos sabem que há sempre uma exigência em dinheiro), é um assunto tabu. O ministro das Relações Exteriores, Alain Juppé, garante que “a França não paga resgate”. O jornalista Laurent Joffrin, ex-diretor de redação do Libération e atual diretor doNouvel Observateur,defende o silêncio das autoridades. Falar de quantias pagas por reféns libertados seria, segundo ele, alimentar e inflacionar um mercado de sequestros no mundo inteiro. Atualmente, há seis reféns franceses em países africanos.
Congresso das vítimas do terrorismo
O anúncio da libertação não poderia ser mais oportuno. Foi feito pelo presidente Sarkozy em telefonema à família e aos organizadores do comitê de apoio à libertação dos dois jornalistas, reunidos com centenas de pessoas diante da prefeitura de Paris para marcar os 18 meses do sequestro com enormes faixas com fotos de Hervé e Stéphane. Em vez de se despedirem marcando nova data para continuar a mobilização, todos comemoraram ali mesmo a volta dos dois jornalistas.
O “problema dos reféns de terroristas no mundo” será o centro dos debates do VII Congresso Internacional das Vítimas do Terrorismo, de 15 a 17 de setembro deste ano em Paris. Na ocasião, diversos ex-reféns falarão de suas experiências.
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[Leneide Duarte-Plon é jornalista baseada em Paris]