Parece clichê de tão repetida a pergunta e muito mais a resposta – o livro de papel vai acabar, com a presença dos congêneres digitais e-book e o kindle? Ambos estão na praça, com boa aceitação. Fazem sucesso por muitos motivos. Primeiro, como novidade, depois, pela leveza, facilidade no uso e pelas dezenas de títulos de livros e jornais famosos e mais se o interessado quiser, basta escolher.
Há tempestades que não acabam de uma vez com o que encontram pela frente. Os estragos são iminentes, deixam prejuízos, provocam mudanças na paisagem e permanecem os dramas. Muitas vezes o pincel carrega nas cores. A imaginação é mais forte que a realidade.
O tipo de assunto reuniu dois pesos-pesados da cultural internacional: Umberto Eco, filho de Alexandria (Itália), semiólogo e mais conhecido pela obra O nome da rosa, e o francês Jean-Claude Carrière, escritor, dramaturgo, roteirista de cinema e parceiro do diretor Luis Buñuel. O papo-cabeça nos proporciona bons momentos, partes e apartes dialéticos, sérios, instigantes, eruditos e em certos momentos divertidos, pelo humor da conversa. Nesse convescote de puro prazer intelectual há um terceiro personagem, outro francês, Jean-Philippe de Tonnac, que inclui no currículo, como profissão, jornalista, autor de uma biografia do poeta René Daumal e livros sobre religião, ciência e cultura. É pouco?
No ringue acima, onde se fala de tudo menos de boxe e sexo, o juiz e dirigente dos debates é Tonnac. É ele quem ditará as normas das perguntas e os dois ‘pugilistas’ responderão, com direito a discorrer em leves ou longas digressões, conforme o exercício cultural a que submeterão a memória. Vale a pena conferir.
A importância da palavra
Não é sempre que se reúnem personalidades do quilate de um Carrière e um Umberto Eco, e para falar não apenas de livros, como da vaidade alheia, do elogio da burrice, das galinhas que levaram um século para aprender a não atravessar a rua, e como bibliófilos conhecidos na Europa, tratam, com detalhes, da história do livro, que a partir do papiro, até chegar à internet, levou cinco mil anos. Não se esqueceram de confessar a respeito do futuro do tesouro que guardam com exagerado zelo, quando morrerem.
Carrière tem certeza que a sua família se encarregará da riqueza convertida em papel, enquanto Eco ficaria satisfeito se a mulher e filhos doarem, venderem as raridades a uma universidade ou instituição pública, desde que não sejam dispersas as 50 mil obras.
A discussão pela importância da palavra dos participantes dessa tribuna imaginária e privilegiada terminou numa publicação que faz sucesso, junto a um público adepto de shows dessa natureza, com o título que responde a aborrecida, mas, oportuna, pergunta acima – Não contem com o fim do livro.
Caçadores de besteiras
Tonnac faz uma preleção aos convidados e começa por defender o título da própria obra, ao afirmar que os usos e costumes coexistem e nada nos apetece mais do que alargar o leque dos costumes, e pergunta – o filme matou o quadro (pintura)? A televisão, o cinema? ‘Boas-vindas, então, às pranchetas e periféricos de leitura que nos dão acesso, através de uma única tela, à biblioteca universal doravante digitalizada’ – ameniza o mediador.
O saboroso nessa mesa farta de ingredientes culturais é o condimento salpicado de gozação, porém, colocado com certa seriedade, a propósito da burrice, que, ao que se pensa, merece respeitabilidade, com direito a teses e elogios. Tanto Eco como Carrière, instigados por Tonnac, que os considerou apaixonados pelo tema, não perdem a verve e se revelam caçadores de besteiras em livros e jornais, para formar um acervo respeitável. O segundo não apenas confirmou a consideração como respondeu: ‘Apaixonados e fiéis.’
Quanto ao mais, só lendo essa preciosidade em livro, enquanto a tecnologia não nos impõe fazê-lo fora das páginas macias do papel, no banheiro ou em outro lugar cômodo da casa, sem o perigo da falta de bateria ou tomada queimada.
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Professor universitário, jornalista e escritor