“‘Parada Gay leva 4 milhões para a Paulista’ -cravou a Folha.com. No impresso, a estimativa não foi para o título, mas a reportagem simplesmente registrou o cálculo dos organizadores.
Dois dias antes, a capa da Folha tinha uma foto imensa da Marcha para Jesus, que teria reunido ‘de 1 a 5 milhões de fiéis’, pelas contas da Polícia Militar e da igreja.
Vários leitores reclamaram. ‘Como espremeram 32 pessoas por metro quadrado na avenida Paulista? É triste constatar que a preocupação em dar voz a lobbies se sobrepõe à lógica mais elementar’, escreveu a bióloga Paula Felix Costa, 38.
O que se publicou, nos dois eventos, são mesmo chutes. A Polícia Militar multiplica a área pela concentração (de dois a oito manifestantes por metro quadrado). ‘A conta é simples, difícil é obter os números’, admite o capitão Emerson Massera, porta-voz da PM. Ele diz que, na Parada Gay, foi estimado um público de 2 milhões ‘com base na experiência dos policiais’.
Os organizadores afirmam que ‘ainda estão terminando a contagem’. ‘É um processo meio complexo. Pegamos imagens de vários pontos, em momentos diferentes. Sabemos que 4 milhões não cabem na Paulista, mas consideramos as imediações. Além disso, a parada não tem o mesmo público do começo ao fim. Estimamos a rotatividade’, diz Leandro Rodrigues, da Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo.
A Folha poderia dar um fim às embromações. O Datafolha sabe calcular multidões: o instituto visita o local antes, desconta espaços ocupados por bancas de jornais, árvores, canteiros e, no dia, percorre a manifestação contando as pessoas em pontos diferentes (a concentração é de seis por metro quadrado).
‘A Paulista comporta, no máximo, 1 milhão. Para chegar ao número dos organizadores, a avenida precisaria ter lotação total, de ponta a ponta, durante todo o evento e com renovação constante dos participantes. Mesmo que as ruas adjacentes estivessem tomadas, não parece plausível’, diz Mauro Paulino, diretor do Datafolha.
A se acreditar nas contas apresentadas, há uma hiperinflação de simpatizantes da causa gay. Havia dez anos, falava-se de um público de 200 mil, que dobrou no ano seguinte, duplicou de novo em 2003, pulou para 1,8 milhão (2004)… Até os 4 milhões de domingo.
O pecado do exagero acomete também os religiosos. A concentração promovida pela Igreja Renascer em Cristo teria subido de 1,5 milhão em 2004 para os 5 milhões da semana passada.
As medições do Datafolha começaram a ser feitas nos comícios dos candidatos à Prefeitura de São Paulo em 1985, quando esses eventos eram demonstrações de força dos candidatos. Elas permitiam ao jornal afirmar, por exemplo, que Fernando Henrique Cardoso, do PMDB na época, reuniu 70 mil pessoas no final da campanha, enquanto seu adversário Eduardo Suplicy (PT) juntou a metade (35 mil).
A Folha já usou seu instituto de pesquisa para redimensionar momentos marcantes, como o comício das Diretas-Já, em 1984, no Anhangabaú. Em vez do 1,7 milhão exigindo eleições para presidente, havia, provavelmente, 400 mil.
Na passeata dos caras-pintadas pelo impeachment de Fernando Collor, em 1992, a UNE (União Nacional dos Estudantes) falava em 350 mil pessoas, a PM, em 200 mil e a Folha, em ‘míseros’ 80 mil.
Se o Datafolha foi útil para ‘reescrever a história’, deveria ser usado para evitar erros no presente. Neste ano, teria sido especialmente importante, já que, desde a aprovação da união estável para homossexuais, se acirrou a batalha entre os que veem os perigos de uma ‘ditadura gay’ e os que pretendem ampliar os direitos dessa minoria.
Outros ombudsmans já insistiram na necessidade da medição científica de multidões, mas esses levantamentos custam caro. Pesa no bolso, mas é um diferencial da Folha, num momento em que se destacar da concorrência é questão de sobrevivência.”