Desta vez a ANJ, Associação Nacional de Jornais, sentiu-se desobrigada de oferecer solidariedade, apoio ou até mesmo compreensão: o empresário Nelson Tanure conseguiu o milagre de reunir todas as corporações contra ele. O Jornal do Brasil foi chorado em coro uníssono, seu coveiro repudiado por unanimidade.
O necrológio do JB é um work in progress porque a história da imprensa brasileira – sobretudo a do século 20 – está guardada em sarcófagos que ninguém se anima a abrir. As empresas conservam um registro fragmentado e mitológico, os profissionais têm outro, emocional e personalizado. A academia não tem treino para consolidá-los numa peça única e os embaralha ainda mais porque segue padrões artificiais, arcaicos e, além disso, importados. O fim do JB pede o equivalente a uma análise anatomopatológica. Suas glórias são únicas, mas a decadência, agonia e morte não são singulares – podem servir aos sobreviventes:
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Ao contrário do que aconteceu com muitos jornais e revistas, os anos de ouro do JB resultaram de um processo contínuo: equipes se sucederam, mas ao contrário das instituições e governos não houve tabula rasa, ninguém ousou desmontar o projeto. Houve retoques, reparos, discretos acréscimos e, principalmente, respeito.**
O projeto JB não foi empresarial, mas eminentemente profissional. Em alguns momentos os acionistas até investiram contra ele, incomodados com uma credibilidade que transcendia suas próprias individualidades. Não houve qualquer interferência de consultorias, nacionais ou internacionais, pagas para reinventar a roda. A empresa foi a primeira a passar por uma reengenharia que, no entanto, evitou intrometer-se nos procedimentos jornalísticos oferecendo somente as ferramentas para torná-los eficientes.Prosa e verso
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Mais do que made in Rio ou fenômeno carioca, era um jornal efetivamente do Brasil. Fruto de uma feliz conjugação de circunstâncias, reflexo e indutor de um processo cultural, endógeno, espontâneo.**
O JB cometeu dois erros políticos/empresariais decisivos: (1) entregou-se completamente às convicções, jogadas e interesses do então czar da economia Delfim Netto, e como empresa fez todas as apostas no seu precário ‘milagre brasileiro’. O mesmo aconteceu com o grupo Manchete, cujo diretor Oscar Bloch fazia parte da mesma entourage. E (2), aproximou-se com tanta convicção do regime militar que não conseguiu preservar-se e assim participou do conluio para evitar a escolha de Ernesto Geisel como sucessor de Garrastazu Medici. Para se redimir, fez tantas concessões e cometeu tantas barbaridades que desmoralizou-se junto aos dois grupos. Acostumou-se ao atoleiro e passou a apoiar o que havia de pior – Maluf, Collor e o clã Garotinho. Estava criado o clima moral para o suicídio, assistido por um necrófilo profissional.Chorada em prosa e verso esta história de sucessos chamada JB soa cada vez mais dolorosa. O jorro de nostalgias só agrava o amargo sabor de desperdício.
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Brindado por generosas lembranças relativas à sua passagem pelo JB, este observador lembra que quando assumiu a redação, em 1962, a revolução visual e jornalística iniciada em 1956 fora completada três anos antes. A introdução do lead na construção da notícia – sabe-o qualquer estudante – foi obra do inesquecível Pompeu de Souza, no Diário Carioca.