Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Para no JB, por favor!’

Não participei do gurufim do Jornal do Brasil, anunciado para o dia 31 de agosto, 119 anos e quatro meses após seu nascimento e às vésperas de completar 120 anos de existência. Sempre que possível, evito beber em memória dos mortos. Já bebi por muitos. Jornais e gentes são seres feitos da mesma essência; têm a mesma interdependência. Poderia divagar à vontade como saudosista, mas não é o caso. Nunca escrevi nem pretendi escrever para o JB; não era assinante, mas fui capa do Caderno B em 2001 e recebi uma crítica assinada pelo Reynaldo Roels Jr., na ‘Revista de Domingo’. Privilégio de poucos. Minha história com o JB começou muito antes, nos anos 1970, lendo e colecionando as crônicas-poemas do Drummond até, mais tarde, ter a sigla JB grudada nos ouvidos, gravada na alma como uma sentença que dura até hoje: ‘Para no JB, por favor!’

Moradores da Baixada Fluminense, de Niterói e de municípios vizinhos, todos conhecem esta senha que, basta ser mencionada, freia táxis, ônibus, vans e nossos próprios sentimentos, diante do prédio localizado na Avenida Brasil, 500. Projeto arquitetônico é brincante, como o espírito de Marcos Vasconcellos, seu criador. Retângulos brancos saltando aqui e ali entre as vigas de concreto cinza, semelhantes à paginação de uma seção de classificados. Já repararam nisso? Se não, corram, pois o Ministério da Saúde está adequando o prédio para torná-lo uma unidade do ISS que logo-logo vai empastelar o projeto original.

‘Conte-me tudo, não me esconda nada!’

O JB não merecia aquilo nem isto; não merecia a morte anunciada com requintes de sadismo; com amputações feitas aqui e ali que sacrificaram sonhos e talentos, tudo em função de um plano de recuperação e reestruturação da empresa, baseado na ‘redução de 30% dos custos para obtenção de 60% em eficiência; redução de 40% no contingente para adaptar-se à realidade do mundo pós-internet, com o objetivo de trocar a quantidade pela qualidade’. Li isto na página 12 da edição de 4 de fevereiro de 2002, numa matéria assinada pela Belisa Ribeiro, quando o JB anunciava, na capa, a mudança do Avenida Brasil, 500, para o antigo endereço na Avenida Rio Branco, 110. Quem lesse nas entrelinhas, trocaria fácil-fácil a palavra mudança por despejo.

Como tenho o hábito de, mal anunciam um morto, recorrer ao epitáfio de outros para comparar dados e me certificar de que, realmente, ‘não há nada de novo sob o Sol’, abri a primeira edição da revista Realidade (nascida em abril de 1966 e morta em 1976). Reli Carlos Lacerda, Luiz Fernando Mercadante, Vinícius de Moraes, Alessandro Porro; revi fotos do Walter Firmo. Reportagem, literatura, entretenimento, serviço, tudo ao mesmo tempo agora, fez com que Realidade saltasse dos 5 mil exemplares da edição experimental lançada no finalzinho de 1965, para 450 mil, quatro meses depois. O motivo do sucesso desses primeiros meses? A sinceridade com que o público era informado a cada mudança, até nas internas, como quando, para atender à grande tiragem, a revista teve que misturar papel jornal ao papel branco brilhante, padronizado por Realidade. O leitor compreendeu e continuou pagando os 700 cruzeiros por exemplar.

Se, na sua história mais recente, o JB tivesse mantido esta cumplicidade com seus leitores, o fim seria menos trágico? Penso que sim. Considerando que a mística do prédio da Avenida Brasil, 500 não se limitava apenas ao jornal, mas a um universo que compreendia o Repórter JB; o som da Rádio Cidade FM, cujo slogan, criado pelo locutor Fernando Mansur – ‘Conte-me tudo, não me esconda nada!’ – mostrava o nível de empatia pública, creio que o JB mereceria uma morte mais honrosa. Mais pública. Como morrem os grandes jornais. Como morrem os puros-sangues: com um tiro na cabeça, não com a amputação de membros e esfola paulatina do couro.

‘Indigência democrática!’

Espero a contestação dos que sustentarem que o JB está mais vivo do que nunca na pioneira versão online; dos que me convencerem da vantagem de ser cult num país que, segundo estatísticas da Unesco, está em pior posição que o nível de leitura de jornal na Bolívia, nação mais pobre da América do Sul. Sobre isto, pinço o parágrafo de um texto escrito pelo jornalista Beto Almeida, ano passado, quando apontava o fechamento dos jornais Tribuna da Imprensa e Gazeta Mercantil como exemplos da ‘dívida informativo-cultural’ que o Brasil vem acumulando ao longo da sua história:

‘Comecemos nos indagando se o mercado será capaz de evitar o fechamento dos jornais, o desemprego de jornalistas e gráficos e a concentração da informação em poucas empresas. Não tem sido. Ao contrário, o mercado tem se tornado cada vez mais cartelizado, cada vez menos concorrencional, inclina-se notavelmente para o oligopólio, devasta as esperanças dos que ainda sonhavam com um jornalismo com capilaridade, com regionalização, capaz de assegurar informação diversificada, plural e acessível a todos os brasileiros. Falemos do tamanho da tragédia: somadas, as tiragens de todos os pouco mais de 300 jornais diários brasileiros não atingem a marca dos 7 milhões de exemplares. Indigência democrática! O povo brasileiro está praticamente proibido da leitura de jornais, portanto, proibido de ter acesso a uma tecnologia do século 16, a imprensa de Guttemberg.’

Se a tendência é esta, vamos usar a senha ‘Para no JB, por favor!’, como um basta ao fim de outros.

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Escritor e jornalista, Maricá, RJ