Trabalhei recentemente com uma jornalista que se dizia apaixonada pela profissão. No alto de seus 30 anos de carreira, defendia como pré-requisito para um bom jornalismo a aceitação de situações de trabalho que eu, um estudante de Jornalismo, considero como assédio moral. A competitividade para ela era a alma do negócio e eu cheguei a ser orientado (leia-se educadamente proibido) a não me meter na matéria ‘investigativa’ que ela produzia.
Defensora da tese de que jornalista não deve ter horário fixo para encerrar sua jornada de trabalho, já que a notícia não tem hora para acontecer nem pode esperar, ela com certeza deve ser contra uma das principais vitórias recentes do movimento sindical dos jornalistas no Rio de Janeiro: a adoção pelas empresas do registro eletrônico de ponto e o pagamento das devidas horas-extras. Aliás, por falar em movimento sindical, embora ela se considerasse ‘uma jornalista de esquerda’ e já tivesse trabalhado mais de uma vez para movimentos sociais, quando foi convidada para integrar uma chapa que disputaria as eleições para o sindicato do Rio não aceitou e utilizou como argumento que um dos membros da chapa era um conhecido crítico da Rede Globo e das empresas em geral e isso pegaria mal para ela. Mesmo sem ter confessado, sabe-se que também pesou para a não aceitação do convite o fato de que essa chapa se posicionava como oposição à direção do sindicato – e ser declaradamente de oposição, em qualquer coisa na vida, exige uma certa integridade ideológica que, neste caso, ela não tinha.
No contemporâneo (ou pós-moderno?) ‘navio’ dos jornalistas apaixonados, há sempre mais náufragos que navegantes. Enquanto uma minoria, muito bem remunerada, por sinal, coleciona prêmios e promoções, a maioria endividada da categoria guarda suas receitas médicas e alimenta seus vícios com antidepressivos. O envolvimento de jornalistas em situações que já os levaram, alguns, à morte (caso Tim Lopes que o diga) não é mera coincidência. Ou se submetem ao trabalho sob risco de vida ou passam no ‘DP’ e trocam o seguro-desemprego por mais remédios ou pelo próprio caixão. Diante desse quadro preocupante nos perguntamos se seria possível um jornalismo sem jornalistas assediados, desvalorizados e precarizados. Difícil enxergar isso dentro da lógica do ‘capital-informação’ e impossível alcançar sem a mobilização e a luta unificada dos ‘coleguinhas’.
‘O presente é tão grande, não nos afastemos’
Precisamos pensar na construção de cooperativas de trabalhadores (não apenas jornalistas) que assumam o controle de empresas jornalísticas falidas, fechadas, com grandes dívidas com seus empregados ou que firam os preceitos fundamentais do respeito aos trabalhadores (algo como a perda do direito à propriedade de terra por aqueles que mantêm, em suas propriedades, práticas de trabalho escravo, o que está previsto em nossa Constituição). Precisamos recuperar, assim como a função social da terra – algo em voga em tempos de plebiscito popular pelo limite da propriedade de terra –, também a função social dos veículos de comunicação. Esperava-se que a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação levasse a isso, mas até agora não aconteceu. Outro ponto importante é o investimento em mídias públicas (e não estatais) que produzam informação de forma democrática, com controle social tanto na construção da linha editorial quanto na administração das empresas.
Óbvio que isso só se consegue com a organização dos trabalhadores das corporações midiáticas e, sobretudo, para além dos jornalistas. Nesse sentido, considero que um dos debates mais urgentes a ser recuperado pelos trabalhadores e suas entidades é a construção de uma categoria de trabalhadores em comunicação, reunindo de gráficos a atendentes de call center, passando por jornalistas, publicitários e tantos outros. A partir dessa nova categoria nasceria um grande sindicato para enfrentar o ‘capital-informação’ e lutar pela democratização das comunicações em nosso país.
Enfim, a paixão pelo jornalismo deve incluir também paixão pelas lutas mais importantes da classe trabalhadora, e não significar apenas a capitulação diante do desejo selvagem de lucro dos patrões. Lembro de uma frase de Millôr Fernandes que costuma ilustrar, ironicamente, a postura de alguns trabalhadores: ‘Quem se curva aos opressores, mostra a bunda aos oprimidos.’ E, como dizia Carlos Drummond de Andrade, ‘o presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas’.
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Estudante de Comunicação Social/Jornalismo da Facha, Rio de Janeiro, RJ