Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O desmanche da quadrilha

A rápida reação da presidente Dilma Rousseff às denúncias de corrupção no Ministério dos Transportes parece ter surpreendido a imprensa. Alfredo Nascimento, senador eleito pelo Amazonas, não conseguiu explicar as acusações de favorecimento a empresas pertencentes a seus familiares e ao amontoado de irregularidades no DNIT, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. Ou melhor, as explicações foram suficientemente claras para determinar sua exclusão da equipe ministerial.

Os grandes jornais de circulação nacional, que costumam reagir de maneira muito homogênea a denúncias envolvendo representantes do governo federal, desta vez saíram por lados diferentes.

A Folha de S.Paulo cobra a presidente por manter o cargo nas mãos do Partido da República, agremiação que se revelou profundamente contaminada pelo esquema de desvio de dinheiro público do sistema de transportes.

Já o Globo avança na possibilidade de um desentendimento entre a chefe do Executivo e o partido aliado por conta da escolha do novo ministro.

O Estado de S.Paulo se concentra nas divergências para a escolha do substituto de Alfredo Nascimento, dando destaque a ameaças da eminência parda do grupo, o deputado Valdemar da Costa Neto.

Outro escândalo

A presidente anunciou que vai promover ao posto de titular o secretário-executivo Paulo Sérgio Passos, mas o partido quer um nome mais “político” e menos técnico. “Político” certamente quer dizer um nome mais sensível às demandas particulares dos dirigentes partidários, que certamente não têm muita relação com a necessidade do país de reconstruir sua infraestrutura rodoviária e ferroviária.

O PR tem 41 deputados, a sexta maior bancada da Câmara, graças à estratégia de escolher personagens populares entre seus candidados. O comediante Tiririca é uma de suas mais reluzentes estrelas. Sandro Mabel, Anthony Garotinho e outras figuras notórias da República fazem parte de sua trupe, que tem como personagem importante, nos bastidores, o deputado paulista Valdemar da Costa Neto, secretário-geral e presidente de honra do partido, que se chamava Partido Liberal e mudou de nome quando a sigla original ficou saturada com denúncias de malfeitorias.

Costa Neto esteve envolvido na primeira versão do escândalo que ficou conhecido como “mensalão”, renunciou ao mandato de deputado federal mas foi reconduzido à Câmara por seus eleitores.

Chantagem explícita

Mesmo com toda essa folha corrida, o partido ainda se acha no direito de fazer chantagem, ameaçando votar contra projetos de interesse do governo no Congresso.

Costa Neto aparece nos jornais de quinta-feira (7/7), consolando seu correligionário Alfredo Nascimento, afirmando que ele voltará a ter influência no governo, por conta da enorme bancada que o partido conseguiu arregimentar.

O número de deputados eleitos por determinada sigla no Brasil não tem necessariamente qualquer relação com o programa partidário ou projetos de governo. Como faz questão de frisar o próprio dirigente, o PR cresceu nos últimos anos em função dos cargos importantes que amealhou e que lhe permitem manipular grandes fatias de verbas federais.

Valdemar da Costa Neto tem motivos para animar seu companheiro. Afinal, ele mesmo já passou pelo desconforto de ser apontado em um escândalo, renunciou e acabou voltando ao Parlamento e ao comando do PR. Ele sabe que, da maneira como funcionam as coisas em Brasília, ninguém consegue governar sem ter ao lado um par de correligionários incômodos.

A questão é: até que ponto a presidente da República vai tolerar desvios entre seus auxiliares? Outro ponto é a disposição da chefe do Executivo para estabelecer um padrão de conduta na sua equipe mais próxima para evitar que o governo fique paralisado por uma corrente de denúncias, como aconteceu com seu antecessor entre 2005 e 2006.

Dependendo da estratégia do governo, a imprensa pode transformar o exercício do poder em verdadeiro inferno. Mas se a presidente demonstrar, como tem feito até agora no caso do Ministério dos Transportes, que não vai aceitar ser refém de um bando de delinquentes, a imprensa pode ser sua aliada.

Se a cada denúncia o governo for capaz de apurar rapidamente e eliminar de seus quadros as figuras manchadas, o Planalto pode certamente balançar com algumas crises, mas estará plantando fundamentos mais seguros para a governabilidade.

A imprensa, que eventualmente é acusada de funcionar como um partido político, pode ter, afinal, um bom partido.